Acerca dos defeitos do negócio jurídico, quais seus conceitos, naturezas, afinidades, diferenças, modos (vícios do consentimento e vícios sociais) e consequências jurídicas?
Em consonância com a doutrina brasileira, o negócio jurídico consiste em ato jurídico por meio do qual as partes manifestam a sua vontade na busca de um efeito jurídico, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia (Escada Ponteana), como forma de exercício da autonomia privada. Destarte, os vícios do negócio jurídico podem atingir a manifestação de vontade ou acarretar repercussão social. Com base nas referidas espécies de vícios ou defeitos, a doutrina subdivide em: vícios da vontade ou do consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e vícios sociais (fraude contra credores e simulação).
O primeiro vício de consentimento ou vontade consiste no erro. Este vício pode ser conceituado como engano fático ou uma falsa percepção da realidade em relação a uma pessoa, a um objeto do negócio ou a um direito, que afeta a vontade de uma das partes do negócio jurídico (art. 139, CC). O artigo 138 do CC estabelece que os negócios jurídicos celebrados com erro são anuláveis, desde que o referido erro seja substancial, perceptível por pessoa de diligência normal, nas circunstâncias da celebração do negócio. A análise do dispositivo em comento revela que não constitui mais requisito do erro a escusabilidade (erro escusável ou justificável), pois inexiste previsão expressa nesse sentido.
Corrobora este entendimento o Enunciado 12 da 1 Jornada de Direito Civil ("na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança"). Para esta corrente doutrinária (Gustavo Tepedino, Sílvio de Salvo Venosa, Flávio Tartuce, Marcia Celina Bodin de Moraes), o erro não precisa ser escusável, bastando a cognoscibilidade (conhecimento do vício do erro pelo destinatário da declaração de vontade), em prestígio ao princípio da boa-fé objetiva. Dessa forma, o instituto do erro se aproximaria do dolo. No entanto, é importante esclarecer que existe corrente doutrinária sustentando a necessidade do erro ser escusável ou justificável para se admitir a anulação do negócio jurídico (Maria Helena Diniz, Sílvio Rodrigues, Carlos Roberto Gonçalves, Álvaro Viliaça Azevedo, Francisco Amaral).
Outrossim, a doutrina subdivide o erro em: erro substancial e erro acidental. No caso de erro substancial, como foi explanado anteriormente, implica anulação do negócio jurídico, enquanto no erro acidental, consoante o artigo 142 do CC, não atinge o plano da validade do negócio jurídico. O segundo vício de consentimento consiste no dolo. De acordo com a doutrina, o dolo pode ser conceituado como artifício ardiloso utilizado para enganar alguém, em benefício próprio. Em caso de dolo, a consequência jurídica é a anulação do negócio jurídico. Ressalte-se que somente nas hipóteses de dolo essencial, substancial ou principal haverá anulação (art. 145 do CC), sendo certo que, nos casos de dolo acidental, importará em perdas e danos a favor do prejudicado (art. 146 do CC).
Não se pode olvidar que o dolo pode ser praticado por um terceiro, como prescreve o artigo 148 do CC, acarretando a anulação ou perdas e danos a depender da ciência da parte do negócio jurídico. Além disso, o direito positivo diferencia as consequências jurídicas se o dolo for do representante legal ou convencional (art. 149 do CC). O terceiro vício de consentimento consiste na coação. A doutrina conceitua como pressão física ou moral exercida em face de uma das partes do negócio jurídico, com o objetivo de obrigar a assumir uma obrigação que não quer. O artigo 151 do CC dispõe que a anulação do negócio jurídico só ocorrerá se a coação moral ou psicológica (vis compulsiva) for relevante, causando fundado temor de dano iminente e considerável à parte do negócio, à sua família ou aos seus bens.
Por outro lado, em caso de coação física (vis absoluta), existe divergência na doutrina, tendo em vista que a primeira corrente sustenta a nulidade absoluta do negócio jurídico (Maria Helena Diniz), enquanto a segunda corrente aduz a inexistência do negócio jurídico (Renan Lotufo). Importante mencionar que a coação moral deve ser analisada à luz do caso concreto, levando em consideração o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias, como se depreende do parágrafo único do artigo 152 do CC. Ademais, a coação pode ser exercida por um terceiro, implicando anulação do negócio jurídico se o negociante beneficiado dela tiver ou devesse ter conhecimento.
Diversamente, se o negociante beneficiado pela coação dela não tiver ou não devesse ter conhecimento, haverá manutenção do negócio jurídico e o coator responderá por perdas e danos. O quarto vício de consentimento consiste no estado de perigo. Consoante o artigo 156 do CC, o estado de perigo se constata quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Para a configuração do estado de perigo, o dispositivo em questão exige a presença de elemento objetivo (onerosidade excessiva da parte que manifesta a vontade) e elemento subjetivo (uma parte do negócio tem conhecimento da situação de risco da outra parte).
É justamente este elemento subjetivo que diferencia do instituto da lesão. A consequência jurídica do estado de perigo consiste na anulação do negócio jurídico (art. 171, inciso li, do CC). Todavia, esta consequência poderá ser evitada mediante a aplicação analógica do artigo 157, §2º, do CC. Nesse sentido é o Enunciado 148 da Jornada de Direito Civil ("Ao 'estado de perigo' aplica-se, por analogia, o disposto no 2° do art. 157"), em virtude do princípio da conservação contratual e do princípio da função social do contrato.
Por fim, o quinto vício de consentimento consiste na lesão. De acordo com o artigo 157 do CC, "ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta".
O instituto da lesão acarreta a anulação do negócio jurídico (art. 178, II, do CC), pois configura um vício de formação, o que distingue do desequilíbrio negocial por fato posterior. Entretanto, a anulação poderá ser afastada se ocorrer o reequilíbrio das prestações, nos termos do artigo 157, § 2°, do CC. Em relação ao assunto, existe o Enunciado 149 das Jornadas de Direito Civil ("Em atenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo dever do magistrado incitar os contratantes a seguir as regras do art. 157 § 2°, do Código Civil. de 2002").
Frise-se, ainda, que a lesão não se confunde com o dolo, pois a caracterização da lesão exige apenas a premente necessidade ou inexperiência e a onerosidade excessiva. No dolo há o emprego de artifício ardiloso. O Enunciado 150 da Jornada de Direito Civil confirma este entendimento ("a lesão que trata o art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento").
Nos vícios sociais, o primeiro vício consiste na simulação. O novo Código Civil conferiu um novo tratamento a este instituto, haja vista que tem como consequência jurídica a nulidade (art. 167 do CC). Para parte da doutrina (Francisco Amaral, Paulo Lôbo), a simulação não constitui mais um vício social do negócio jurídico, pois atinge a causa negocial.
A simulação pode ser definida como incompatibilidade entre a vontade e a declaração em razão das partes do negócio jurídico objetivarem iludir terceiros. Com a nova sistemática introduzida pelo CC, a doutrina sustenta que a simulação inocente também importa em nulidade absoluta, como se percebe do Enunciado 152 da Jornada de Direito Civil ("toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante"), uma vez que se trata de matéria de ordem pública. Apesar de a simulação gerar a nulidade absoluta, o artigo 167 do CC autoriza a subsistência do negócio jurídico dissimulado, se for válido na substância e na forma. No mesmo sentido é o Enunciado 153 da Jornada de Direito Civil (na simulação relativa, o negócio simulado - aparente - é nulo, mas o dissimulado será válido se não ofender a lei nem causar prejuízos a terceiros").
Com efeito, a simulação pode ser classificada em: simulação absoluta e simulação relativa (subjetiva e objetiva). Para parte da doutrina, a simulação se assemelha com a reserva mental, pois a reserva mental conhecida pelo destinatário configura simulação (Álvaro Vitiaça Azevedo).
O último vício social consiste na fraude contra credores. A doutrina define como atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na sua iminência, mediante disposição gratuita ou onerosa do seu patrimônio, para inviabilizar a responsabilização de seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão. Assim, para a caracterização da fraude contra credores, em regra, exige-se elemento objetivo (eventos damni/evento danoso) e elemento subjetivo (consilium fraudis / intenção de prejudicar os credores).
No tocante à consequência jurídica, vigora divergência na doutrina e na jurisprudência. A primeira corrente aduz a anulabilidade do ato praticado em fraude contra credores, com fulcro nos artigos 158 e 159 do CC. Diversamente, a segunda corrente defende que a consequência da fraude contra credores consiste na ineficácia do negócio jurídico. Com o advento do novo Código de Processo Civil (art. 790, inciso VI), no âmbito do direito positivo, pode-se afirmar que foi adotada a primeira posição (anulação do negócio), exercida por meio de ação pauliana ou revocatória. Por fim, é mister esclarecer que a fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução, pois a primeira consiste em instituto de direito material, enquanto a segunda, instituto de direito processual.
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