Ester, artesã, maior e capaz, entregou a Diogo, empresário, maior e capaz, oitenta esculturas de argila para que fossem vendidas em sua loja. Ficou ajustado no contrato, ainda, que, decorridos dois meses, Diogo pagaria a Ester o valor de vinte reais por escultura vendida, cabendo-lhe restituir à artesã as esculturas que porventura não tivessem sido vendidas no referido prazo. Decorrido um mês, Diogo constatou que estava encontrando grandes dificuldades para vender as esculturas, o que o levou a promover uma liquidação em sua loja, alienando cada escultura por dez reais. A liquidação foi bem-sucedida, ocasionando a venda de setenta e cinco esculturas. Transcorrido o prazo previsto no contrato, Ester procura Diogo, solicitando que ele pague o preço ajustado relativo às esculturas vendidas, bem como que restitua aquelas remanescentes. Diante disso, Diogo decide consultar um advogado.
Na condição de advogado(a) consultado(a) por Diogo, responda aos itens a seguir, utilizando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.
A) Deverá Diogo pagar a Ester o preço inicialmente ajustado por cada escultura vendida?
B) Independentemente da resposta ao item anterior, Diogo pode deduzir do preço inicialmente ajustado o valor por ele pago referente aos custos regulares de conservação das esculturas durante o período em que as colocou à venda?
No direito civil contemporâneo, com os influxos da constitucionalização inclusão e, releitura, mormente pela dignidade da pessoa humana como vetor central, artigo 1º, III, da CRFB/88, os fundamentos e funções dos institutos passam a ser direcionamentos à análise dos direitos correspondentes.
Nesse passo, as obrigações perfectibilizadas nos contratos, devem atender às diretrizes da eticidade (boa-fé objetiva e figuras parcelares), da socialidade (função social) e da operabilidade (efetividade, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados), artigos 113, 421 e 422, do Código Civil (CC).
Dentre as avenças possíveis, a harmonizar a liberdade contratual e as diretrizes mencionadas, há o contrato estimatório, artigos 534 a 537 do CC.
Por este, o consignante, no caso, Ester, artesã, entrega bens móveis ao consignatário, Diogo, empresário, com autorização à venda a terceiros e correspondente pagamento à primeira do preço ajustado, qual seja, R$20,00 reais por escultura, em um total de 80 peças.
Noutra via, o consignatário pode devolver, no prazo estipulado pelas partes, a coisa consignada, no caso, 02 meses. Vale dizer, há, em regra, alternatividade dos meios de satisfação da obrigação, seja pela entrega do preço ajustado por cada coisa móvel entregue em consignação, seja pela devolução dos bens, a critério do consignatário, art. 534 do CC.
Ou seja, há uma transferência do poder de venda com alternativas à satisfação, pelo preço ajustado ou pela devolução, Enunciado 02 da Jornada de Direito Civil do CJF.
Não há possibilidade de exoneração do consignatário, ainda que a coisa pereça por fato não lhe imputável com, inclusive, exceção à regra de que a coisa perece para o dono, art. 237 do CC.
Em contrapartida, o consignante também tem o seu direito de disposição restrito, inclusive para terceiros credores, artigos 536 e 537 do CC.
Por isso, em se tratando de contratos civis, presumivelmente paritários, por pessoas em plena capacidade, tal como Ester e Diogo, a obrigação deste é de pagar o preço inicialmente ajustado por cada escultura vendida, ainda que tenha negociado por montante inferior. Deverá arcar com o risco do negócio que, tal como a transferência do direito de venda, é seu.
Nessa hipótese, validamente, há restrição ao dirigismo contratual com atenção à inaplicabilidade dos artigos 317 e atenção aos artigos 421 a 422, especialmente o parágrafo único do artigo 421 e inciso II e III do artigo 421-A, todos do CC.
Sobressaem, então, a intervenção mínima, a excepcionalidade da revisão contratual, inaplicável ao caso, bem como, o respeito à alocação dos riscos nos moldes dos artigos 534 a 537 que regulam o contrato estimatório.
Em conclusão, Diogo deve pagar a Ester o preço inicialmente ajustado por cada escultura vendida, podendo devolver as remanescentes a satisfazer integralmente a obrigação advinda do contrato estimatório.
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