Glória, esposa ciumenta de Jorge, inicia uma discussão com o marido no momento em que ele chega do trabalho à residência do casal. Durante a discussão, Jorge faz ameaças de morte à Glória, que, de imediato comparece à Delegacia, narra os fatos, oferece representação e solicita medidas protetivas de urgência. Encaminhados os autos para o Ministério Público, este requer em favor de Glória a medida protetiva de proibição de aproximação, bem como a prisão preventiva de Jorge, com base no Art. 313, inciso III, do CPP. O juiz acolhe os pedidos do Ministério Público e Jorge é preso.
Novamente os autos são encaminhados para o Ministério Público, que oferece denúncia pela prática do crime do Art. 147 do Código Penal. Antes do recebimento da inicial acusatória, arrependida, Glória retorna à Delegacia e manifesta seu interesse em não mais prosseguir com o feito.
A família de Jorge o procura em busca de orientação, esclarecendo que o autor é primário e de bons antecedentes. Considerando apenas a situação narrada, na condição de advogado(a) de Jorge, esclareça os seguintes questionamentos formulados pelos familiares:
A) A prisão de Jorge, com fundamento no Art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal, é válida?
B) É possível a retratação do direito de representação por parte de Glória? Em caso negativo, explicite as razões; em caso positivo, esclareça os requisitos.
Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.
a) A prisão não é válida, pois o art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal prevê a prisão preventiva como forma de garantir a execução de medidas protetivas de urgência. Como se verifica no caso, Jorge, além de ser primário e de ter bons antecedentes, não desobedeceu medida protetiva a ele imposta anteriormente, motivo pelo qual é necessário apenas a medida protetiva de proibição de aproximação como forma de garantir a segurança de Glória.
b) Sim. A retratação do direito de representação nos crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher será admitida, a teor do que reza o art. 16 da Lei 11.340, desde que sejam atendidos os seguintes requisitos: i) Ser feita perante o juiz, em audiência designada para essa finalidade; ii) Ser ouvido o Ministério Público e iii) Ser realizada antes do recebimento da denúncia.
Excelente resposta. Bem formatada e fundamentada. A título de complementação, o STF decidiu que, nos crimes de lesão corporal alcançados pela Lei Maria da Penha, não cabe retratação, por se tratarem de crimes de ação penal pública incondicionada.
Nestes termos, segue decisão do STJ:
"PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO.
ACOLHIMENTO INTEGRAL DA MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELO JUÍZO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. IDONEIDADE DO DECISUM. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP PRESENTES. LEI MARIA DA PENHA. PRISÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS.
LESÃO CORPORAL CONTRA EX-COMPANHEIRA E ENTEADO MENOR IMPÚBERE E AMEAÇA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. RETRATAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. MANUTENÇÃO DA PERSECUÇÃO ESTATAL. ADI Nº 4.424/DF. ORDEM NÃO CONHECIDA.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Válida é a fundamentação per relationem, em acolhimento aos fundamentos por outrem expedidos, ainda que parte no feito, como medida de simplicidade e economia processual.
3. Muito embora seja a liberdade inequivocamente a regra antes da sentença penal condenatória definitiva, a prisão cautelar está suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, pois o acusado deixou de cumprir a medida protetiva que determinara o seu distanciamento de 200 metros da ex-companheira, tendo agredido física e moralmente a vítima e seu enteado, menor impúbere.
4. A declaração de retratação assinada pela vítima, inserta nos autos, não tem o condão de impedir o prosseguimento da ação penal, conforme entendimento uníssono desta Corte, em harmonia com o Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da ADIn n. 4.424/DF, em conformidade com os arts. 12, I, 16 e 41 da Lei n. 11.340/2006, estabeleceu que, nos casos de lesão corporal no âmbito doméstico, seja leve, grave ou gravíssima, dolosa ou culposa, a ação penal é sempre de natureza pública incondicionada.
5. Ordem não conhecida.
(HC 287.226/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 05/05/2014)"
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA