A responsabilidade penal da pessoa jurídica é tema de grande debate doutrinário.
Considerando a ordem jurídica brasileira, discorra acerca da (im)possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime, nos seguintes termos:
a) argumentos dogmáticos (contra e a favor);
b) parâmetro constitucional;
c) legislação ordinária e jurisprudência.
Conceitualmente, o sujeito ativo de um crime é a pessoa física maior de 18 anos, plenamente capaz e que pratica um fato penalmente típico, ilícito e antijurídico.
Neste conceito tradicional, apenas a pessoa física é vista como sujeito ativo de um crime, afastando-se,portanto, a ideia de pessoa jurídica como autora de um delito.
Nada obstante, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o assunto ganhou novos contornos já que, em tese, houve o permissivo do constituinte para a criminalização de condutas praticadas pela pessoa jurídica, conforme se percebe pela leitura dos arts. 173, §5º, e art. 225, §3º, da Constituição Federal.
Dentro desta perspectiva, duas correntes se contrapuseram: a que entende não ser possível a prática de crime pela pessoa jurídica; e a em sentido oposto, que sustenta a possibilidade de a pessoa jurídica cometer um delito. Vejamos os principais argumentos.
Para o pensamento contrário, a pessoa jurídica não pode praticar crimes. Com efeito, sustenta-se que a conduta de uma pessoa jurídica é praticada pelos seus representantes (presentantes, na antiga lição de Pontes de Miranda), devendo estes sim ser responsabilizados.
Ademais, argumenta-se que a culpabilidade, estando preenchida pela potencial consciência da ilicitude, não é adaptável às condutas das pessoas jurídicas, eis que não possuem consciência.
Como se não bastasse, alerta-se para o fato de que as sanções eventualmente previstas na legislação penal serão idênticas às sanções administrativas, tornando-se despicienda a repetição de sua aplicação.
Finalmente, ainda há o argumento de que eventual sanção aplicada não terá um de seus efeitos inerentes, que é a ressocialização, já que não há como adaptar esta finalidade à pessoa jurídica.
Por sua vez, o posicionamento que entende possível a prática de crimes pela pessoa jurídica também se sustenta em alguns argumentos. Alega-se aqui, inicialmente, que a teoria da realidade técnica justifica a separação das condutas da pessoa jurídica e das pessoas físicas que a presentam. Em suma, se a pessoa jurídica é um ente distinto das pessoas que a compõem, dotada de existência legal, é perfeitamente possível considerar que há um comportamento que lhe é próprio e distinto de seus membros.
Aponta-se ainda que, quanto ao juízo de culpabilidade, há de fato a necessidade de serem criados novos critérios normativos, devendo a ideia de consciência da ilicitude ser adaptada à pessoa jurídica, notadamente a partir de uma visão social da sua atuação.
Ademais, ainda na esteira da culpabilidade, adotada a teoria da ação significativa, o crime deve ser aferido de acordo o contexto social em que inserido. Refuta-se aqui, um conceito ontológico de ação, de sorte que a conduta tem uma significação social e é a partir daí que o Direito Penal deve ser ajustado. Em outras palavras, as condutas praticadas pela pessoa jurídica possuem um significado social e por isto admitem a criminalização.
Finalmente, no tocante às sanções e a inviabilidade de ressocialização, a responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito penal não pode ser confundida com a administrativa. As instâncias são independentes e não se confundem, ainda que haja alguma coincidência entre suas sanções. Tal como a pessoa física que, por exemplo, pode ser condenada ao ressarcimento do ilícito causado tanto no âmbito administrativo como no criminal (ex.: crimes contra a Administração Pública, em que a progressão do regime fica condicionada à reparação do dano), a pessoa jurídica pode se sujeitar a sanções em regimes distintos, ainda que haja alguma similaridade entre elas.
Ademais, a ausência do efeito ressocializador não é óbice à aplicação da pena, já que a sanção não se esgota na finalidade ressocializadora. Antes de tudo, a sanção, notadamente a penal, tem natureza retributiva e, nisto, o papel da pena está plenamente adaptado à pessoa jurídica.
Eis os principais argumentos dos dois posicionamentos. Fato é que a Constituição Federal de 1988 listou duas situações em que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente.
A primeira está no art. 173, §3º, indicando a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economica popular.
A segunda está no art. 225, §3º, ao prever a possibilidade de que, em caso de condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambientes, os infratores se sujeitem a sanções penais e administrativas.
No âmbito infralegal, somente houve até o momento a regulamentação da responsabilidade da pessoa jurídica por crimes praticados contra o meio ambiente. O art. 3º da Lei 9.605/93 é bem claro ao apontar a possibilidade de a pessoa jurídica praticar crimes ambientais.
A jurisprudência, por seu turno, tem admitido a prática de crimes ambientais pela pessoa jurídica com fundamento no art. 3º da Lei 9.605/93 e art. 225, §3º, da Constituição Federal.
Em relação ao disposto no art. 173, §5º, da Constituição Federal, ainda não houve regulamentação infralegal, razão pela qual não há, até o momento, a possibilidade de a pessoa jurídica praticar algum crime contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Por fim, a jurisprudência até pouco tempo adotava, no plano processual, a teoria da dupla imputação: para que a pessoa jurídica figurasse no polo passivo de uma ação penal seria necessária a presença concomitante de uma pessoa física.
Recentemente, porém, os Tribunais Superiores (STJ e STF) modificaram seu entendimento sob o argumento de que não há previsão constitucional quanto à necessidade dessa dupla imputação. Assim, eventual processo penal pela prática de crime ambiental pode ser instaurado tão somente em face da pessoa jurídica.
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