Questão
TJ/PR - Concurso para Juiz de Direito Substituto - 2018
Org.: TJ/PR - Tribunal de Justiça do Paraná
Disciplina: Direito Civil
Questão N°: 001

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Enunciado Nº 003893

João, divorciado, passou a conviver em união estável com Larissa em 2010. João tem dois filhos, maiores de idade, advindos de casamento anterior. No final do ano de 2015, João e Larissa compareceram em cartório e firmaram escritura pública de reconhecimento de união estável.

No início do ano de 2015, João havia passado a apresentar sintomas similares aos apresentados por portadores do mal de Alzheimer. Em julho de 2015, esses sintomas se agravaram: João começou a não reconhecer pessoas da família, mostrando-se também confuso quanto a datas e fatos recentes. Diante dessa situação, Larissa o levou para uma consulta médica no referido mês, ocasião em que foi constatada pelo médico a doença de Alzheimer em João.

João era sócio majoritário da empresa X Ltda., constituída em 2005, e extraía dessa empresa sua fonte de sustento e de sua família. Em setembro de 2016, Larissa, valendo-se de uma procuração lavrada por escritura pública e sem prazo determinado outorgada a ela por João no início da convivência entre eles, promoveu, por instrumento público, a cessão gratuita das cotas sociais de João a Janete, irmã de Larissa.

Em março de 2017, um outro médico atestou que, de fato, João apresentava mal de Alzheimer. Com base nesse atestado, Larissa ajuizou, nesse mês, ação de interdição e foi nomeada sua curadora provisória, em decisão liminar. No decorrer do processo, foi produzida prova pericial para avaliar a capacidade de João para praticar atos da vida civil e foi expedido laudo pericial que constatou o estado físico-psíquico de João, de fato acometido pelo mal de Alzheimer. Nesse mesmo processo, o Ministério Público, em parecer, opinou pela intimação da requerente para emendar a petição inicial, sugerindo que o pedido fosse alterado de modo a contemplar forma mais branda de proteção à pessoa de João, haja vista sua condição de saúde. Esse parecer não foi acolhido pelo magistrado; em julho de 2017, foi proferida sentença que confirmou a decisão liminar e decretou a interdição. Tal decisão transitou em julgado no mesmo mês.

Em agosto de 2017, os filhos de João tomaram conhecimento da referida cessão das cotas e ajuizaram uma ação anulatória com vistas a invalidar todos os atos civis praticados por João a partir de 2015, quando os sintomas da doença foram percebidos, baseando o pedido na alegação da incapacidade de João em virtude da doença. Ao longo do processo, foi produzida prova suficiente para deixar inequívoca a incapacidade de João desde 2015; no entanto, o pedido dos filhos de João foi julgado totalmente improcedente pelo juiz, que baseou sua sentença no entendimento do STJ de que a sentença de interdição tem natureza constitutiva e opera efeitos ex nunc. O magistrado entendeu que a incapacidade de João teve início com o trânsito em julgado da sentença de interdição e que, por essa razão, João era juridicamente capaz tanto no momento do reconhecimento da união estável quanto da cessão das cotas.


Considerando essa situação hipotética, redija um texto dissertativo atendendo ao que se pede nos itens 1 e 2 e respondendo ao questionamento do item 3.

1 Comente, de forma fundamentada, o parecer do Ministério Público mencionado no texto, indicando os institutos protetivos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo a distinção entre esses institutos e citando a legislação aplicável e as alterações que provocam no regime jurídico da capacidade civil.

2 Explicite os efeitos jurídicos da sentença de interdição sobre a capacidade civil de João, abordando também sua eficácia no plano temporal.

3 Considerando-se a prova produzida nos autos e a jurisprudência do STJ, a sentença proferida na ação anulatória está correta? Justifique sua resposta, observando a natureza diversa dos atos praticados (reconhecimento da união estável e escritura pública de cessão de cotas).

Resposta Nº 007267 por Pedro Luis Lima


No ordenamento jurídico brasileiro são previstos, essencialmente, três institutos protetivos de incapazes e pessoas com deficiência, a saber, (i) tutela, (ii) curatela e (iii) tomada de decisão apoiada.

A tutela, prevista no art. 1.728 do CC e seguintes, é destinada a menores, que não se encontram sob o pálio do poder familiar, seja por causa do falecimento de seus pais, seja pela destituição destes do poder familiar. Nos termos do art. 1.740 do CC, incumbirá ao tutor nomeado pelo juiz prestar ao menor assistência material, moral bem como adimplir os demais deveres que normalmente cabem aos pais, ouvida a opinião do menor, se este já contar doze anos de idade.

A curatela, prevista no art. 1.767 do CC e seguintes, é destinada a suprir a capacidade civil de adultos relativamente incapazes. As obrigações do curador são equiparadas àquelas impostas ao tutor, no que for cabível.

A tomada de decisão apoiada, prevista no art. 1.783-A do CC e seguintes, é destinada a auxiliar as pessoas com deficiência, compreendidas como plenamente capazes de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, na condução de atos civis de caráter patrimonial. As obrigações dos apoiadores limitam-se a auxiliar o apoiado na tomada de decisões relativas a assuntos negociais.

Pode se dizer que um dos traços distintivos marcantes entre os institutos é o fato que nos dois primeiros casos os expedientes protetivos visam a suprir a capacidade dos indivíduos hipossuficientes, sendo na tutela a complementação de incapacidade absoluta (menores de 16 anos) ou relativa (maiores de 16 anos e menores de 18), e na curatela a complementação de incapacidade relativa atinentes às hipóteses previstas no art. 4º II, III e IV do CC. Já na tomada de decisão apoiada, não se cogita de incapacidade, pois o apoiado deficiente é plenamente capaz, assim, ele é apenas auxiliado por terceiros de sorte a suprir eventuais vulnerabilidades cognitivas ou de ordem outra que comprometam as suas manifestações de vontade em âmbito negocial. Em suma, pode se dizer que a tomada de decisão apoiada é uma restrição mais branda à esfera da pessoa natural, comparada à tutela, e a curatela incide em âmbito totalmente distinto dessas duas primeiras modalidades de intervenção.

No âmbito desses institutos protetivos, a civilística moderna tem entendido que a intervenção na esfera dos direitos da pessoa natural deve ser exercida apenas na medida necessária para que suas prerrogativas estejam devidamente tuteladas. A orientação vigente é no sentido de não se decretar medidas que tolham por completo a autonomia da pessoa quando isso não seja recomendável, devendo, sim, haver a intervenção mínima necessária, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, observa-se que o parecer ministerial está em linha com esse norte principiológico, dado o pleito de abrandamento da proteção. A propósito, pode se dizer que, na espécie, entendendo cabível, o magistrado poderia decretar a interdição parcial de João, delimitando a extensão dos atos para o qual estaria inabilitado e aqueles para o qual não estaria, pois isso é admitido pelo ordenamento brasileiro, conforme o disposto no art. 755, I do CPC. Decisão dessa natureza estaria mais alinhada com a linha de intelecção tratada acima, sobre a intervenção mínima na autonomia da pessoa natural.

O efeito jurídico elementar da sentença de interdição é restringir a capacidade civil de João, limitando a sua autonomia para prática de alguns ou todos os atos da vida civil, a depender da extensão da interdição. Para os atos que João não puder praticar por si, será necessária a intervenção do curador nomeado. Vale dizer, ainda, que os efeitos temporais da sentença poderão retroagir à data de ajuizamento da ação de interdição ou da comprovação do efetivo comprometimento cognitivo da pessoa natural.

Fiando-se em todas as consdierações expostas acima, não há como se considerar a sentença proferida na ação anulatória totalmente correta. A fim de melhor analisar o conteúdo do aresto, cinde-se a análise em dois aspectos: o primeiro referente ao reconhecimento da união estável e o segundo referente à cessão de quotas.

No que tange à união estável, não haveria motivos legítimos para que o reconhecimento fosse anulado. Em primeiro lugar, porque a despeito de a formalização da união ter ocorrido apenas em 2015, nota-se que as partes já conviviam, efetivamente, com esse animus desde os idos de 2010, época em que nem haviam sinais da enfermidade de João. Por assim ser, é forçoso admitir que ele tinha plena consciência, desde 2010, da situação jurídica da união estável, de modo que não se cogita de vício de vontade nesse ponto particular. No mais, o reconhecimento de união estável não se limita ao âmbito patrimonial, sendo uma situação jurídica que envolve aspectos emocionais, de igual modo, assim há que ser mantida a declaração de vontade de João, privilegiando a sua autonomia afetiva, a qual não é afetada pela curatela. Assim, nesse aspecto considera-se a decisão correta.

No que tange à cessão de quotas, por sua vez, a situação observada é bastante questionável. Nota-se que a transferência patrimonial em apreço foi efetuada em momento posterior à convalescência de João, tendo sido feita uma disposição integral das quotas societárias de forma gratuita, sem motivos aparentemente justificáveis e legítimos. É importante registrar que, embora Larissa fosse a curadora de João e tivesse poderes para praticar atos negociais que envolvessem o patrimônio do curatelado, ela não tem autorização legal para agir em desconformidade ao interesse daquele que está assistindo. Na espécie, tendo em vista que a cessão de quotas se deu sem nenhuma contrapartida, a situação que se sugere é uma evidente disposição patrimonial em desfavor dos interesses do curatelado, o que não pode ser admitido. A propósito, cumpre consignar que o curador não pode, sob pena de nulidade, dispor dos bens do curatelado a título gratuito, ainda que haja autorização judicial, segundo o art. 1.749 do CC. Cabe o comentário de que o dispositivo, inserido na sessão alusiva à tutela, é plenamente aplicável por analogia às situações de curatela. Desta feita, era possível e recomendável que o magistrado atuasse no sentido de invalidar os atos patrimoniais contrários ao interesse de João, tal qual a cessão de quotas analisada.

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