Câmara municipal localizada em determinado estado federado aprovou projeto de lei que determinava aos cartórios do município o condicionamento da alteração de prenome constante no registro civil de pessoas autoidentificadas como transgêneros à comprovação de prévia realização de cirurgia de transgenitalização. No entanto, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada pela entidade legitimada a Associação de Transgêneros Brasileiros (ATB) , o STF concedeu medida liminar para suspender a vigência da referida lei municipal. Passados dois meses da publicação da decisão de concessão dessa medida, o STF recebeu reclamação constitucional ajuizada também pela ATB, em busca de estender os efeitos da liminar concedida na ADPF contra outra lei, esta aprovada pela câmara legislativa do mesmo estado, de idêntico conteúdo da anterior lei municipal: determinava que a alteração de registro civil de transgêneros fosse condicionada à comprovação da realização de cirurgia de transgenitalização, estendendo-se essa ordem a todos os cartórios localizados no território daquele estado.
À luz das disposições constitucionais, da doutrina e do entendimento do STF, redija um texto abordando os seguintes aspectos, relativos à situação hipotética apresentada:
1 a constitucionalidade da atuação do Poder Legislativo estadual na formulação de nova legislação de conteúdo idêntico ao da legislação municipal suspensa após o deferimento da medida liminar pelo STF no âmbito de ADPF e o cabimento da reclamação constitucional proposta pela ATB;
2 a constitucionalidade, formal e material, das referidas leis municipal e estadual.
A Constituição Federal de 1988, por força do princípio federativo, conferiu aos Estados e Municípios autonomia política para se autogovernarem, mediante a edição de leis de suas competências. Assim, a capacidade para edição de determinada lei pelo Poder Legislativo estadual em nada se vincula à anterior edição de lei municipal, mesmo que de idêntico conteúdo. Subsiste igualmente a constitucionalidade na edição de lei pelo Poder Legislativo estadual no caso de suspensão de lei municipal por deferimento de medida liminar pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Nesse sentido, a Suprema Corte também entende que a atuação do Poder Legislativo em todos os entes federativos não se submete às decisões judiciais em sede de controle de constitucionalidade ou aplicabilidade de súmulas, com vistas a evitar o fenômeno da fossilização da Constituição. Quanto à reclamação constitucional apresentada pela Associação, mostra-se como meio incabível à suspensão da lei estadual, tendo em vista tratar-se de medida liminar, cautelar e não definitiva. Além disso, a reclamação constitucional presta-se principalmente a resguardar o cumprimento das decisões judiciais, as quais, em regra, não se aplicam à atividade legiferante.
Segundo o sistema de repartição de competências adotado pela Constituição Federal de 1988, cabe privativamente à União legislar acerca de direito civil e registros públicos. Assim, tanto a lei estadual quanto a municipal padecem de inconstitucionalidade por vício formal. Quanto à matéria, ambas as leis são igualmente inconstitucionais por violarem os princípios da dignidade humana e igualdade e o direito à inviolabilidade da imagem, honra, intimidade e vida privada. Assim, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a alteração do prenome constante no registro civil de pessoas autoidentificadas como transgêneros independe da comprovação de prévia realização de cirurgia de transgenitalização, sendo a decisão subordinada unicamente à vontade individual de quem o faz.
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