Câmara municipal localizada em determinado estado federado aprovou projeto de lei que determinava aos cartórios do município o condicionamento da alteração de prenome constante no registro civil de pessoas autoidentificadas como transgêneros à comprovação de prévia realização de cirurgia de transgenitalização. No entanto, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada pela entidade legitimada a Associação de Transgêneros Brasileiros (ATB) , o STF concedeu medida liminar para suspender a vigência da referida lei municipal. Passados dois meses da publicação da decisão de concessão dessa medida, o STF recebeu reclamação constitucional ajuizada também pela ATB, em busca de estender os efeitos da liminar concedida na ADPF contra outra lei, esta aprovada pela câmara legislativa do mesmo estado, de idêntico conteúdo da anterior lei municipal: determinava que a alteração de registro civil de transgêneros fosse condicionada à comprovação da realização de cirurgia de transgenitalização, estendendo-se essa ordem a todos os cartórios localizados no território daquele estado.
À luz das disposições constitucionais, da doutrina e do entendimento do STF, redija um texto abordando os seguintes aspectos, relativos à situação hipotética apresentada:
1 a constitucionalidade da atuação do Poder Legislativo estadual na formulação de nova legislação de conteúdo idêntico ao da legislação municipal suspensa após o deferimento da medida liminar pelo STF no âmbito de ADPF e o cabimento da reclamação constitucional proposta pela ATB;
2 a constitucionalidade, formal e material, das referidas leis municipal e estadual.
As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade possuem efeito vinculante para o Poder Executivo e demais órgãos do Poder Judiciário. Nesse sentido, referidas decisões não vinculam o Poder Legislativo, que podem, inclusive, editar lei de conteúdo idêntico ou similar ao de lei anteriormente declarada inconstitucional. Neste caso, conforme a jurisprudência do STF, não cabe Reclamação Constitucional, devendo-se ajuizar nova ADI.
Quanto às leis estadual e municipal citadas pelo enunciado da questão, ambas são formal e materialmente inconstitucionais.
A inconstitucionalidade formal deriva da usurpação da competência legislativa privativa da União para a matéria de registros públicos.
Por sua vez, o STF decidiu que há inconstitucionalidade material neste tipo de legislação, uma vez que nota-se a violação de diversos preceitos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o direito à intimidade, à isonomia, à saúde e à felicidade. Também há irrazoabilidade na exigência de cirurgia para alteração do registro, uma vez que muitos indivíduos optam por não realizá-la por diversos motivos, como receio, ausência de condições financeiras ou até mesmo preferência pessoal. Além disso, a Constituição Federal estabelece a construção de uma sociedade sem preconceitos de qualquer ordem como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil.
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