Câmara municipal localizada em determinado estado federado aprovou projeto de lei que determinava aos cartórios do município o condicionamento da alteração de prenome constante no registro civil de pessoas autoidentificadas como transgêneros à comprovação de prévia realização de cirurgia de transgenitalização. No entanto, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada pela entidade legitimada a Associação de Transgêneros Brasileiros (ATB) , o STF concedeu medida liminar para suspender a vigência da referida lei municipal. Passados dois meses da publicação da decisão de concessão dessa medida, o STF recebeu reclamação constitucional ajuizada também pela ATB, em busca de estender os efeitos da liminar concedida na ADPF contra outra lei, esta aprovada pela câmara legislativa do mesmo estado, de idêntico conteúdo da anterior lei municipal: determinava que a alteração de registro civil de transgêneros fosse condicionada à comprovação da realização de cirurgia de transgenitalização, estendendo-se essa ordem a todos os cartórios localizados no território daquele estado.
À luz das disposições constitucionais, da doutrina e do entendimento do STF, redija um texto abordando os seguintes aspectos, relativos à situação hipotética apresentada:
1 a constitucionalidade da atuação do Poder Legislativo estadual na formulação de nova legislação de conteúdo idêntico ao da legislação municipal suspensa após o deferimento da medida liminar pelo STF no âmbito de ADPF e o cabimento da reclamação constitucional proposta pela ATB;
2 a constitucionalidade, formal e material, das referidas leis municipal e estadual.
a) Inicialmente, destaca-se que os efeitos de uma liminar proferida em sede de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) são regulados pelo art. 5, parágrafos 1o e 3o da Lei n. 9.882/1999, segundo o qual poderão ser suspensos os andamentos de processos ou efeitos de decisões judiciais que possam ser contrárias à liminar concedida. Tal efeito é semelhante ao concedido às liminares proferidas em ações declaratórias de constitucionalidade (art. 21 da Lei n. 9868/1999). Portanto, conclui-se que o Judiciário, de um modo geral, pode ser sujeito às decisões liminares proferidas em ADPF.
Contudo, conforme a doutrina e a jurisprudência, as decisões proferidas pelo STF não sujeitam o Poder Legislativo face aos seus efeitos. Em outras palavras, o Poder Legislativo pode editar leis que contrariem decisões do STF, inclusive, para evitar o risco de nossa legislação tornar-se anacrônica. Esse foi o posicionamento do STF proferido em análise à legislação acerca da manifestação cultural vaquejada, em um fenônemo denominado "backleash".
Dessa forma, não é cabível a reclamação adotada, haja vista que trata-se de um instrumento previsto para assegurar a autonomia das decisões do STF (art. 102, I, "l", da CF/88), e o Poder Legislativo não está compelido à obedecê-la.
b) Sob o prisma formal, as leis municipal e estadual analisadas são inconstitucionais, pois a matéria discutida trata-se de registro público, cuja competência para legislar é privativa da União. Assim, os demais entes não poderiam legislar sobre.
Sob a ótica material, as leis também são inconstitucionais, pois viola o direito à intimidade e à honra das pessoas transgêneros, garantias previstas no art. 5, inciso X, da Constituição Federal, na medida em que lhes obriga a expor assuntos de sua vida íntima, que não é exigido para outras pessoas. Nesse sentido, é também possível falar em violação ao direito de igualdade (art. 5o, caput, da CF/88), pois não respeita as particularidades dessa minoria.
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