No dia 15 de agosto de 2013, o adolescente Marcelino foi surpreendido enquanto conduzia um veículo pela via pública, sem habilitação para tanto. Encaminhado ao Juízo competente, Marcelino obteve a remissão, sendo aplicada, na oportunidade, a medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de um mês, com fundamento no art. 112, inc. III, do ECA. Contudo, a defesa interpôs apelação, alegando a impossibilidade de cumulação da remissão com medida sócio-educativa. Assiste razão ao Defensor de Marcelino? Justifique.
De acordo com o disposto no art. 127 do Estatuto da Criança e Adolescente, a remissão, embora não implique necessariamente o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade, pode ser cumulada eventualmente com aplicação de medida sócio-educativa, salvo a colocação em regime de semiliberdade e a internação.
Nesse sentido, parte da doutrina entende que a remissão cumulada com medida sócio-educativa, por não representar reconhecimento da responsabilidade do adolescente, afigura-se inconstitucional.
Todavia, o STF já se pronunciou sobre a constitucionalidade do referido art. 127 do ECA, entendendo que as medidas sócio-educativas em meio aberto têm acentuada natureza sócio-pedagógica e, quando cumulada à remissão perdem todo caráter sancionatório, assumindo feição protetiva, tanto que não prevalecem para efeitos de antecedentes, motivo pelo qual prescinde de comprovação de culpa.
Desse modo, de acordo com a posição do STF, não assiste razão ao Defensor do referido adolescente, sendo possível a cumulação da remissão com a medida sócio-educativa imposta.
Parabéns pela resposta Juliana, muito clara, objetiva e concisa. Inclusive citou acórdão do STF que desconhecia.
Apenas para agregar informação, junto ao STJ é tranquilo a possibilidade, contudo, li alguns julgados isolados de TJ´s entendendo inconstitucional. No TJ/RJ é aceito, mas com as devidas restrições, segue recente julgado (2015):
"APELAÇÃO. E.C.A. ATO ANÁLOGO AO DELITO DE LESÃO CORPORAL. RECURSO DEFENSIVO. REMISSÃO PROPOSTA PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, HOMOLOGADA PELO MAGISTRADO DE PISO, COM APLICAÇÃO DAS MEDIDAS, SOCIOEDUCATIVA DE ADVERTÊNCIA E PROTETIVA DE VERIFICAÇÃO DE MATRÍCULA E FREQUÊNCIA OBRIGATÓRIA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. REMISSÃO HOLOGADA NOS TERMOS DO ARTIGO 181, § 1º C/C ARTIGO 127, AMBOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS QUE NÃO REPRESENTEM RESTRIÇÃO DE LIBERDADE. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Proposta de remissão formulada pelo órgão do parquet, cumulada com aplicação das medidas, socioeducativa de advertência e protetiva de verificação de matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino, nos termos dos artigos 126 e 180, III, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na data de 30/09/2014, a remissão foi homologada por sentença proferida pelo magistrado em exercício na Vara Menorista da Comarca de Barra do Piraí, sendo, também, aplicada ao adolescente as aludidas medidas. Pleiteia a Defesa, em síntese: a) o afastamento da cumulação da remissão com a aplicação da medida socioeducativa de advertência, uma vez que restariam violados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal; e, b) o reconhecimento da impossibilidade do membro do Ministério Público conceder a remissão com aplicação de medida socioeducativa, a qual somente poderia ser aplicada pelo Poder Judiciário, em observância aos princípios acima citados. Ab initio, impõe-se destacar que, a remissão oferecida pelo órgão ministerial possui natureza de ato bilateral e contém caráter pré-processual, exigindo-se para o aperfeiçoamento do ato que seja proferida decisão homologatória pela autoridade judiciária competente, nos termos do artigo 181, § 1º do E. C. A., o que ocorreu nos presentes autos. Assim, cabe consignar que, não se vislumbra violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, vez que a remissão prevista no Estatuto Menorista pode ser aplicada em qualquer fase do procedimento, em razão de prescindir de comprovação da materialidade e da autoria do ato infracional, sendo certo que sua concessão não implica em reconhecimento de antecedentes infracionais. A possibilidade de remissão cumulada com aplicação de medidas socioeducativas de caráter pedagógico representa matéria já apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, entendendo-se pela constitucionalidade do artigo 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo firmado o entendimento por nossos Tribunais Superiores de que será viável a cumulação quando as medidas socioeducativas não importarem restrição à liberdade do menor, nos termos dos artigos 126 e 127 do Estatuto Menorista. Precedentes. Convém averbar, por oportuno, que, a aplicação de medidas socioeducativas a menor infrator está adstrita á observância dos princípios constitucionais mencionados no inciso Vdo § 3º do artigo 227 daC.R.F.B, somados aos princípios vetores que regem a determinação das mesmas, os quais vêm estabelecidos nos incisos I a XIIdo parágrafo único do art. 100 da Lei 8.069/1990, dentre os quais se destaca o da proporcionalidade, em suas duas vertentes, quais sejam os subprincípios da necessidade e adequação, incidentes no caso em apreço, por força do artigo 133 do Estatuto Menorista. Assim, importa registrar que, as medidas socioeducativas, passíveis de serem aplicadas cumulativamente com a remissão, são aquelas previstas no art. 112, I a IV e VII do ECA, excluindo-se, unicamente, as medidas privativas de liberdade, por disposição expressa do art. 127, exigindo-se, unicamente, que a medida socioeducativa seja aplicada pelo Juiz, conforme consolidado na Súmula 108 do S.T.J. Desta forma, tendo sido a proposta de remissão, cumulada com a aplicação de medida socioeducativa de advertência, devidamente homologada por decisão judicial, é cediço que foi o órgão do Poder Judiciário que a aplicou e não o Ministério Público, como quer fazer crer a Defesa. Pelo exposto VOTO pelo CONHECIMENTO e DESPROVIMENTO do apelo, mantendo integralmente a sentença que homologou a remissão cumulada com a aplicação de medida socioeducativa de advertência, além da medida protetiva de matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento de ensino."
Abaixo, segue o julgado do STF, referido pela Juliana:
"Art. 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Embora sem respeitar o disposto no art. 97 da Constituição, o acórdão recorrido deu expressamente pela inconstitucionalidade parcial do art. 127 do ECA, que autoriza a acumulação da remissão com a aplicação de medida socioeducativa. Constitucionalidade dessa norma, porquanto, em face das características especiais do sistema de proteção ao adolescente implantado pela Lei 8.069/1990, que mesmo no procedimento judicial para a apuração do ato infracional, como o próprio aresto recorrido reconhece, não se tem em vista a imposição de pena criminal ao adolescente infrator, mas a aplicação de medida de caráter sociopedagógico para fins de orientação e de reeducação, sendo que, em se tratando de remissão com aplicação de uma dessas medidas, ela se despe de qualquer característica de pena, porque não exige o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade, não prevalece para efeito de antecedentes, e não se admite a de medida dessa natureza que implique privação parcial ou total da liberdade, razão por que pode o Juiz, no curso do procedimento judicial, aplicá-la, para suspendê-lo ou extingui-lo (art. 188 do ECA), em qualquer momento antes da sentença, e, portanto, antes de ter necessariamente por comprovadas a apuração da autoria e a materialidade do ato infracional." (RE 229.382, rel. min. Moreira Alves, julgamento em 26-6-2002, Plenário, DJ de 31-10-2002.)
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