Questão
TJ/SP - 186º Concurso de Ingresso na Magistratura - 2015
Org.: TJ/SP - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disciplina: Direito (Teoria Geral, Filosofia e Sociologia)
Questão N°: 000

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Enunciado Nº 000751

“O profissional do Direito, ao construir soluções para os casos, tem um dever analítico. Não bastam boas intenções, não basta intuição, não basta invocar ou elogiar princípios; é preciso respeitar o espaço de cada instituição, comparar normas e opções, estudar causas e consequências, ponderar as vantagens e desvantagens. Do contrário viveremos no mundo da arbitrariedade, não do Direito.”


A partir do trecho citado, disserte sobre a proposição nele contida, abordando os seguintes pontos:


a) o enquadramento da propositura nas escolas jusnaturalistas ou do positivismo jurídico;


b) a relação que o texto estabelece entre princípios e normas;


c) a relação que a solução baseada exclusivamente em princípios com os tipos de racionalidade jurídica expostos por Max Weber;


d) o modo pelo qual o respeito “ao espaço de cada instituição” referido no texto acarreta novos desafios para a legitimidade da jurisdição estatal.

Resposta Nº 007003 por Jordana Dorada Ribeiro


A relação entre Direito e Moral há muito vem sendo debatida por diferentes doutrinas filosófico-jurídicas. A evolução histórica da questão passou pelas fases do jusnaturalismo, momento em que o Direito encontrava-se inexoravelmente atrelado a conceitos de Justiça estabelecidos de forma prévia e absoluta, calcados na ideia de um direito natural, relacionado a valores metafísicos, como, por exemplo, a ideia de justiça divina, e, posteriormente, pelo positivismo puro, momento em que a ideia de Direito e justiça baseava-se exclusivamente na norma jurídica tal como elaborada, considerando-a no seu sentido literal.

Na fase do positivismo, em que ganhou destaque a Teoria Pura do Direito, do teórico Hans Kelsen, o juiz resumia-se a um mera “boca da lei”, sendo seu papel unicamente o de fazer a subsunção do caso concreto à norma, que, nesse contexto, era reduzida ao texto legal, encontrando-se perfeitamente formada ao fim da atividade legislativa. Nesse momento histórico, o Poder Legislativo assumia o centralismo da sociedade e do conceito de criação do direito.Evoluindo, o direito adentrou na fase do pós-positivismo, ocorrendo uma reaproximação entre Direito e Moral, momento em que o magistrado assume um papel de maior protagonismo na construção do direito, pois, a partir de então, a criação da norma legal depende também pelo papel interpretativo do Judiciário, não bastando o mero texto legislativo para que se extraia o seu verdadeiro sentido.

Nesse contexto, o juiz passa então a exercer um poder-dever analítico, devendo aplicar técnicas hermenêuticas diversas para alcançar a correta aplicação da norma positivada, buscando adequá-la tanto ao que, em um mundo ideal, deveria significar, quanto ao que, no caso concreto, melhor atenderia a sua finalidade, à sua razão de ser. Busca-se, então, além do texto legal, o “espírito da lei”.

É nesse mesmo cenário que os princípios, mandados de otimização, segundo a concepção de Alexy, ganham força, impondo um estado ideal de coisas a ser perseguido na construção do direito e da ideia de justiça. Passa-se, então, a analisar não somente as regras, mandados de concretização, nas palavras do mesmo autor, que impõem um dever de subsunção, mas também a adequação do caso concreto ao ordenamento jurídico como um todo e aos ideais de justiça e humanidade tidos como relevantes para determinada sociedade.

Assim, é possível que, em determinadas situações específicas, uma norma, abstratamente justa e válida, imponha situação excepcional de injustiça às partes envolvidas na questão que se apresenta. Considerando os ensinamentos de Radbruch, que defende a ideia de que uma lei extremamente injusta não pode ser considerada direito, passa-se a aceitar o conceito de derrotabilidade das normas, devendo uma regra ceder em face de peculiaridades do caso concreto, quando, interpretada de acordo com os princípios, encontrar-se em dissonância com o que o ordenamento jurídico busca tutelar.

Na ocorrência deste tipo de situação, encontra-se o magistrado, portanto, diante de uma lacuna normativa que deverá, necessariamente, ser preenchida, dada a vedação ao non liquet e a inafastabilidade da jurisdição. Assim, a solução deverá ser buscada em outras fontes do Direito, para além da regra positivada, ganhando papel de destaque a aplicação de princípios. No entanto, não poderá o juiz fazer a mera menção à existência de tais princípios e invocá-los de forma vaga para fundamentar sua decisão. Será necessário dispender maior esforço argumentativo a fim de demonstrar os motivos pelos quais aquele princípio invocado impõe o afastamento da regra que, a princípio, seria aplicável ao caso.

O maior ônus argumentativo que se impõe ao magistrado se deve ao fato de que os princípios, dada a sua natureza de norma mais abstrata, dotada de pouca concretude, não obedecem à regra de aplicação idêntica à das regras, que impõe um juízo de tudo ou nada, dependendo aqueles sempre de um juízo de ponderação, em que nenhum deles será absolutamente descartado, mas apenas relativizado em face de outro, mais flagrantemente incidente sobre o caso concreto.

A não observância desse dever, portanto, com a mera invocação aleatória e aplicação não fundamentada de princípios, resultaria em arbitrariedade, à medida que seria possível encaixar qualquer situação à incidência de um principio qualquer, a despeito da existência de uma regra válida relativa aos fatos discutidos, de forma que, embora houvesse regulamentação legal da matéria, o juiz poderia, baseado unicamente no seu senso moral e de justiça, afastar a sua aplicação.

Esse tipo de conduta revelaria um exacerbado subjetivismo, o que levaria à conclusão de que implicaria, portanto, uma ausência de racionalidade jurídica, no sentido dado por Max Weber. Para o teórico, a moral é subjetiva, de modo que sua interferência no direito acabaria por retirar a racionalidade deste último. Isso porque a racionalidade do direito dependeria do respeito ao seu aspecto formal, ou seja, aos procedimentos jurídicos, que devem ser objetivos.

Assim, embora prevaleça o entendimento atual de que as normas jurídicas são resultado não apenas do texto legal, mas também da sua interpretação – daí, portanto, a ideia de que ao juiz se impõe um dever analítico –, é necessário respeitar certas balizas objetivas nessa função de criação da norma.

Em que pese não seja possível ao legislador prever, de antemão, todas as situações decorrentes das interações sociais, mormente considerada a atual complexidade política de nossa sociedade, impondo ao Judiciário a árdua tarefa de integração do direito posto, a este último, muitas vezes, escapa a capacidade de prever as consequências práticas e sistêmicas da imposição de determinadas medidas.

Nesse sentido, a legitimidade da atividade judicial depende, em grande medida, da sua deferência às decisões políticas emanadas do Poder Legislativo e do Poder Executivo, cuja legitimidade deriva de escolhas democráticas feitas pelo efetivo detentor do poder – o povo –, e à sua capacidade institucional, tendo em vista que, em muitos casos, aqueles detêm maior expertise para regular a matéria e estabelecer diretrizes para a atuação estatal.

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