À luz do ordenamento vigente, disserte sobre a força normativa dos precedentes judiciais após as reformas legislativas operadas nas duas últimas décadas.
Pode-se afirmar que há, no Brasil, um paulatino movimento de valorização dos precedentes, definidos como decisões judiciais que, tomados à luz de determinados casos concretos, podem servir como diretrizes para julgamentos futuros. Ainda no período colonial, havia a figura dos assentos, que, de modo rudimentar, se assemelhavam às súmulas com eficácia meramente persuasiva; na década de 1960, por influência do então ministro Victor Leal, o STF passa a editar enunciados de sua jurisprudência, sem eficácia vinculante. Esse movimento se intensifica a partir da década de 1990: a Lei n. 9.868/99 prevê que o reconhecimento da (in)constitucionalidade de determinado ato produz eficácia erga omnes e vinculante em relação ao Poder Judiciário e à Administração Pública, em suas três esferas. Na sequência, a Lei n. 11.417/07 cria a figura do enunciado de súmula vinculante, também com eficácia erga omnes e vinculante, cuja inobservância autoriza o ajuizamento de reclamação perante o STF. Tudo isso culmina na edição do novo CPC, que, de modo inédito, valoriza sobremaneira os precedentes, permitindo que estes fundamentem, por exemplo, a improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) e o não conhecimento ou o provimento, de forma monocrática, de recurso (art. 932, incisos III a V, do CPC) e amplia as hipóteses de cabimento de reclamação (art. 988 do CPC). De se registrar que, nos termos do art. 489 do CPC, não se considera fundamentada a decisão que deixar de adotar precedente vinculante ou súmula invocada pela parte, sem justificá-lo na superação ou não aplicação ao caso concreto (art. 489, § 1º, inciso VI, da CF).
Visa-se, com isso, dar efetividade ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e à segurança jurídica. Sustenta-se, ainda, que, em um sistema hierarquizado como o brasileiro, em que há instâncias superiores e inferiores, é inadmissível que o juiz de piso desrespeite precedente vinculante.
Os precedentes devem ser amplamente divulgados e os Tribunais devem zelar para que sua jurisprudência seja estável, íntegra e coerente (art. 926 do CPC). O dever de estabilidade se traduz na impossibilidade de a jurisprudência variar ao sabor das convicções pessoais dos julgadores: para evitar que isso ocorra, o CPC, por exemplo, prevê a possibilidade de a alteração de tese adotada em enunciado de súmula ser precedida de audiência pública (art. 927, § 2º, do CPC). Para Lenio Streck, há coerência se casos idênticos forem solucionados com base nos mesmos princípios; por outro lado, a integridade possui um duplo viés: trata-se de um apelo para que legislador procure editar normas que se integrem ao conjunto do direito, mas também um apelo ao magistrado, que deve procurar construir seus argumentos de modo integrado ao direito, visto como sistema. Invoca-se, aqui, a teoria do romance em cadeia, de que trata Ronald Dworkin, segundo a qual cada magistrado é responsável por redigir um capítulo na história do direito; embora os novos capítulos devam agregar algo aos capítulos que os antecedem, não podem subverter completamente o que até então vinha sendo construído.
Há grande preocupação com a possibilidade de a eficácia vinculante dos precedentes engessar o Poder Judiciário. Grande parte da doutrina, todavia, considera tal receio infundado, já que os precedentes vinculantes só se formarão após reiteradas decisões em determinado sentido; ademais, os dispositivos legais, a exemplo da Lei n. 11.417/07, já prevêem procedimentos para sua revisão. Não bastasse, é possível que, ao examinar determinado caso concreto, o magistrado entenda que este não se amolda ao precedente (distinguishing) ou que este deve ser superado (overruling - superação total ou overriding - superação parcial).
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