Na PRM de Pasárgada, foi instaurado um inquérito civil público a partir de representação formulada por uma comunidade de pescadoras e pescadores artesanais existente naquele município. Ali se informa que o Ministério do Trabalho e do Emprego, nesse ano de 2015, por meio de parecer posteriormente referendado pela Advocacia-Geral da União, entendeu não ser devido o pagamento de seguro-defeso às mulheres que atuam na atividade pesqueira artesanal, salvo se provarem que se dedicam à captura do pescado da espécie objeto do defeso. A comunidade alega que tal entendimento, e a consequente suspensão de pagamento do seguro-defeso às mulheres que atuam na limpeza e preparo do peixe para comercialização, surpreendeu a todos, pois esse pagamento vinha sendo realizado ao longo dos últimos 12 (doze) anos, sob a compreensão de que se incluem no conceito de "pesca artesanal" todas as atividades que integram a sua cadeia produtiva.
O ICP está instruído com: (i) documentos que comprovam o recebimento do seguro-defeso pelas mulheres daquela comunidade que limpam o pescado e o deixam pronto para comercialização, nos últimos 12 (doze) anos; (ii) estudos da Universidade Federal do respectivo Estado, que esclarecem que, naquela comunidade de pescadoras e pescadores artesanais, a captura do pescado é realizada exclusivamente pelos homens, e o trabalho de limpeza, de exclusividade das mulheres; (iii) estudos antropológicos que revelam que, no Brasil, a pesca artesanal, de maneira geral, tem características patriarcais, reproduzindo o modelo da comunidade representante; (iv) informações da União, limitadas a sustentar que o entendimento anterior ampliava em demasia o conceito de "pescador artesanal", que, pela Lei 10.779/2003, abrange somente a pessoa que atua precipuamente na captura do pescado, não alcançando outras que atuem em atividades complementares , ainda que inseridas no contexto da atividade pesqueira.
Apresente inicial de ação civil pública (sem necessidade de relatório, valendo como tal o acima exposto), em que defenda a atribuição do MPF e a competência da Justiça Federal para o caso, bem como exponha as razões pelas quais o seguro-defeso deve voltar a ser pago às mulheres daquela comunidade pesqueira, que atuam na limpeza e no preparo do pescado para a sua comercialização. (Máximo de 60 linhas. O que ultrapassar não será considerado)
Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da Vara Cível de Pasárgada
O Ministério Público Federal vem por meio do seu procurador que assina infra, com mandato ex lege, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face da União, com representação em tal endereço.
O Ministério do Trabalho editou ato em que restringiu o acesso ao seguro-defeso às mulher pescadoras, o que é ilícito e deve ser anulado.
Preliminarmente, observe-se que a competência é deste juízo federal por conta do órgão emisso do ato, o MT, órgão da União, incidindo o inciso I do art. 109 da CF/88. Além disso, trata-se de ato que diz respeito a serviço titularizado pela União, o de prestação de seguro-defeso, no âmbito da previdência social. Firme o interesse federal no caso.
Observe-se ainda que a pretensão se baseia em direito que não é de ordem trabalhista ou militar, remanescendo atribuição do Ministério Público Federal de agir judicialmente.
Pois bem, quanto ao mérito prontamente, inicialmente, tal qual consta de instrumento juntado aos autos obtido no inquérito civil que deu origem a esta ação, há provas de que as mulheres participam do ciclo econômico da pesca artesanal, conforme estudo da Universidade Federal do Estado, que comprovou que as mulheres participam da atividade de limpeza, em que pese não participem da captura. Ainda que a lei 10.779/2003 se refira apenas à atividade de captura, é de se dar interpretação extensiva ao dispositivo de forma a abarcar em seu âmbito a todos os participantes do ciclo, afinal, a vedação à pesca prejudica todos os que participam da atividade econômica respectiva. Sendo objetivo da previdência o de proteger o trabalhador em situação de desemprego involuntário, é evidente que se impõe esta interpretação ampliativa (inciso III do art. 201 da CF).
É de se observar ainda que estudos antropológicos analisados atestam que a presença da mulher na atividade de pesca artesanal é baixa por conta do modelo eminentemente patriarcal que vigora nestas comunidades. Portanto, há dificuldade à mulher de participar da atividade de captura por conta do próprio meio social. Não é de se negar à mulher direito conferido ao homem causado por estas características sociais.
Por fim, observe-se que há prova de que as mulheres receberam também o seguro-defeso durante os últimos 12 (doze) anos. É evidente que há uma expectativa patrimonial destas pessoas em receber estas prestações a qual não pode ser quebrada por conta de uma nova interpretação meramente literal da lei sem se levar em conta a situação concreta que o entendimento anterior gerou. Impõe-se o respeito à boa-fé destas pessoas. Os direitos sociais não podem ficar à mercê de interpretações deste tipo, mas deve se verificar na própria realidade social.
Portanto, tendo em conta o exposto, requer-se a anulação do novo entendimento firmado no âmbito do Ministério do Trabalho e que se determine a retomada da observância do anterior, retomando-se por consequência a prestação do seguro-defeso às mulheres.
Pede deferimento.
Data.
Assinatura
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