Jorge, réu reincidente, foi condenado em primeiro grau à pena de dois anos de reclusão em regime fechado por furto consumado de uma garrafa de vodka de dentro de um supermercado, avaliada em R$ 80,00. Toda a ação de Jorge foi acompanhada por agentes de segurança que monitoravam seus movimentos por câmeras de circuito interno de vídeo. Imediatamente ao sair do supermercado sem pagar a garrafa de vodka, Jorge foi preso em flagrante delito pelos agentes de segurança do estabelecimento comercial.
Com base nessa situação hipotética, responda as seguintes questões, justificando suas respostas:
a) Houve a consumação do furto?
b) Considerando-se as circunstâncias do furto, seria possível alegar-se na defesa de Jorge o princípio da insignificância?
(a) Inicialmente, cabe esclarecer que o questionamento apresentado decorre da alegação formulada por alguns juristas no sentido de que o furto ocorrido em estabelecimentos monitorados por câmeras de vigilância e apetrechos congêneres, seria, na realidade, modalidade de crime impossível.
Com o intuito de explicar o crime impossível, a doutrina formulou duas teorias. A primeira teoria, denominada de teoria subjetiva, leva em consideração a intenção do agente. Portanto, haverá crime se o agente assim intencionou, mesmo que seja reconhecido a absoluta (ou relativa) impropriedade do meio ou do objeto. A segunda teoria (objetiva) se subdivide em duas outras: teoria objetiva pura e a teoria objetiva temperada. Ambas consideram a necessidade de analisar a idoneidade na tentativa, presente, portanto, o elemento objetivo do tipo.
Se a conduta perpetrada não gerar perigo de lesão ao bem jurídico, a tentativa será inidônea, podendo ser absoluta (quando o crime não se consumaria de qualquer jeito) ou relativa (quando a conduta poderia ter se consumado, mas isso só não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do agente).
Para a teoria objetiva pura, a inidoneidade (absoluta ou relativa) da tentativa sempre acarreta no reconhecimento da inexistência de crime.
Mas para a teoria objetiva temperada (adotada no Brasil, art. 17 CP) só haverá crime impossível quando a tentativa inidônea for absoluta; quando for relativa, deverá haver reconhecimento do crime em sua modalidade tentada.
Feitos esses esclarecimentos, cabe analisar o caso apresentado. O STJ pacificou o entendimento de que o furto ocorrido em estabelecimentos monitorados por câmeras não torna o crime impossível, mas apenas dificulta sua consumação. Desta forma, reconheceram que no caso, há tentativa inidônea relativa e não absoluta.
Como Jorge foi preso imediatamente ao sair do supermercado com a mercadoria subtra'ída, tendo sido monitorado durante toda a ação criminosa, há de se reconhecer que a res furtiva jamais deixou a esfera de vigilência dos seguranças do supermercado, não tendo, portanto, havido consumação do crime. Jorge, portanto, deverá responder pelo crime em sua modalidade tentada.
(b) Há grande controvérsia a respeito da impossibilidade de se aplicar o princípio da insignificância quando o réu é reincidente. O STF decidiu recentemente que não é possível estabelecer uma tese fixa de repercussão geral para o caso, devendo ser analisado cada caso concreto individualmente.
No caso apresentado, há que se reconhecer a incidência do princípio da insignificância, pois apesar de reincidente, as circunstâncias do caso (ausência de violência ou grave ameaça, valor reduzido do bem, entre outros fatores) permitem o reconhecimento da atipicidade material do fato pela aplicação do princípio da insignificância.
Muito boa a resposta Caroline. Ficou bem completa a abordagem, atentendo bem no caso de uma prova discursiva. Se fosse numa prova oral, quanto ao primeiro item creio que só mencionando os dois últimos parágrafos você já atenderia ao perguntado pelo examinador.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA