A imparcialidade do magistrado é uma das bases nas quais se assenta toda a estrutura do Estado de direito e do monopólio do uso da força pelo Estado. O direito à imparcialidade judicial decorre justamente da segurança jurídica e tem, como contraface, o dever do magistrado no mesmo sentido. Sem a imparcialidade, ruiria o pressuposto no qual se apoia o Estado de direito, que é o monopólio do uso da força no interesse da sociedade. Sem a imparcialidade, assistir-se-ia a um retrocesso aos modelos de domínio baseados na vontade individual arbitrária e imprevisível, próprio das monarquias medievais.
André Ramos Tavares. Manual do poder judiciário. São Paulo: Saraiva, 2012.
Considerando o assunto abordado no texto precedente, discorra sobre os seguintes aspectos acerca da imparcialidade do magistrado:
1 dimensões subjetiva e objetiva da imparcialidade na doutrina e na jurisprudência do STF;
2 conceito e origem moderna da noção de neutralidade e sua diferença em relação à imparcialidade;
3 dimensões do princípio constitucional do juiz natural e sua relação com a imparcialidade;
4 garantias, vedações e impedimentos previstos na Constituição Federal de 1988 para preservar a imparcialidade.
A imparcialidade e do magistrado e suas implicações exige uma análise prévia e detida do Princípio do Juiz Natural, uma vez que aquela é decorrência deste.
O princípio do juiz natural, embora não expressamente instituído no texto da CF/88, manifesta-se no seu rol de direitos e garantias fundamentais individuais, precipuamente, nos incisos XXXVII e LIII do art. 5º. Nestes, respectivamente, veda-se a criação de tribunais de exceção pelo Estado e impõe-se que o exercicício da sua função jurisdicional por parte deste seja realizada por órgão competente nos termos da lei, sobretudo, da própria Constituição.
O conteúdo do princípio do juiz natural comporta, para a doutrina majoritária, três dimensões que limitam à atuação do poder estatal em sua função jurisdicional por meio da (1) vedação da instituição um juízo post factum dirigido por funções alheias ao Direito (tribunais de exceção), a contrario sensu, a necessária preexistência do órgão jurisdicional ao fato submetido à análise do judiciário; Como também, (2) mediante a imposição do julgamento por agente adequadamente investido nas atribuições de órgão jurisdicional competente nos termos da lei, sobretudo, da Constituição - que é a carta de competências do ordenamento jurídico brasileiro. Por derradeiro, (3) que este agente, o magistrado, seja imparcial.
Essa imparcialidade do Estado-juiz traduz no descomprometimento prévio do órgão judicante aos fatos e as partes que compõem a demanda disposta ao seu conhecimento. Ela se desdobra em dois aspectos, um de natureza subjetiva e outro de natureza objetiva.
No seu aspecto subjetivo, a imparcialidade do julgador é auferida em relação a convicção do juiz para com a causa, que deve ser desvinculada de juízos prévios, preferências e predileções que podem afetar a isonomia das partes no processo. Com vistas nisso, a fim de balizar a atuação do magistrado de acordo com o dever de imparcialidade, o ordenamento jurídico limita o seu exercício funcional em hipóteses nas quais presume-se a sua vinculação subjetiva à causa, como ocorre nas hipóteses legais de impedimentos e suspeições.
Noutro giro, no seu aspecto objetivo, a imparcialidade exige do órgão judicante a oferta de garantias suficientes para excluir quaisquer dúvidas e receios a respeito de sua imparcialidade. Ou seja, não basta a imparcialidade do agente que funciona na causa, ele também deve verter-se de "aparência de justiça". Disso resulta o estabelecimento de deveres e prerrogativas legais necessários à atuação independente do órgão judiciário, tais como a inamovabilidade, a vitaliciedade, a irredutibilidade de vencimentos, as prerrogativas de foro e as proibições à atuação profissional na advocacia ou na política.
De fato, a função jurisdicional pressupõe a imparcialidade, corolário do princípio da igualdade que informa o processo, que é atividade substitutiva do Estado na tutela dos conflitos de interesses dos indivíduos, dizendo o direito aplicável ao caso. Funcionando nessa atividade substitutiva, o juiz será o responsável por eleger a norma jurídica adequada, mediante atividade eminentemente criativa, imbuída de valores que fundamentam os critérios de escolha eleitos. De modo que, a sua pré-compreensão do mundo será um instrumentos necessários à aplicação do Direito.
Em virtude disso, a doutrina moderna tende a distinguir a imparcialidade do julgador e a neutralidade, sustendo que conceber a ideia de um juiz neutro é tão inverossímil quanto admitir a existência de um indivíduo neutro, apolítico. Sob tal lume, todo indivíduo carrega consigo pré-juízos e pré-conceitos que compõem sua pré-compreensão do mundo e da sociedade na qual vive, de maneira que não seria possível conceber um homem neutro a priori. A neutralidade que se exige do magistrado é para o processo, por intermédio de uma postura imparcial que obriga o magistrado a não realizar pré-julgamentos a partir suas convicções prévias, comprometedo-se, sobretudo, com adequada aplicação do Direito.
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