Sentença
Justiça Federal
TRF/1 - 15º Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 1ª Região - 2014
Sentença Cível

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Enunciado Nº 000010

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União, com o objetivo de compelir a ré a implantar órgão de defensoria pública da União no município X, tendo requerido, em antecipação de tutela, que se determinasse à ré, no prazo de quinze dias, a lotação provisória de, pelo menos, um defensor público naquele município, dado o evidente interesse público e social em pauta.


O MPF afirmou, inicialmente, que o objetivo da ação seria assegurar, na área sob jurisdição da subseção judiciária do município X, duas garantias constitucionais essenciais ao estado de direito democrático, quais sejam, o acesso à justiça e a assistência jurídica integral e gratuita.


O autor justificou sua legitimidade ativa para a causa, argumentando que os titulares desses direitos, transindividuais e de natureza indivisível, são pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato (serem carentes e necessitarem de um defensor público da União), o que caracterizaria o interesse como difuso, consoante previsto no Código de Defesa do Consumidor. Sustentou sua legitimidade, ainda, com base nos arts. 127, caput, e 129, incisos II e III, da Constituição Federal (CF), os quais legitimariam sua atuação na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis.


No que respeita ao objeto da ação, o MPF discorreu acerca do direito ao acesso à justiça, o qual, segundo o seu entendimento, constitui cláusula inafastável para o exercício da cidadania, previsto no art. 1.°, inciso II, da CF, acrescentando que de nada valeria a previsão de extenso rol de garantias constitucionais e legais, se não fosse dada ao titular do direito subjetivo violado a prerrogativa de recorrer aos órgãos judiciários.


O MPF prosseguiu, sob o argumento de que, não obstante as garantias constitucionais e legais, em se tratando de assegurar a assistência jurídica integral e gratuita ao cidadão, "o que se vislumbra é a mais veemente omissão da ré". Acrescentou que, apesar da dicção constitucional de ser a defensoria pública instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, a realidade era que a ré ainda não implantara, efetivamente, o órgão de assistência judiciária aos pobres.


Nesse contexto, concluiu, sustentando que, embora a ré tenha criado a Defensoria Pública da União, implantara-a de maneira deficiente, deixando considerável número de cidadãos sem o direito à assistência judiciária, tal como se verifica no município X, o qual, a despeito de contar com Vara Federal, Procuradoria da República, Delegacia da Polícia Federal e representação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), não possui Defensoria Pública da União.


O autor informou que expedira ofício ao defensor público-geral da União, solicitando informações acerca da previsão de nomeação de defensor público para o município X, e que, apesar de ter sido informado de que a questão seria objeto de avaliação, não houvera qualquer solução, razão por que requerera a antecipação da tutela para a lotação provisória de defensor público e a procedência do pedido final, para a implantação da Defensoria Pública da União no município X.


Citada, a ré apresentou contestação, na qual suscitou, preliminarmente, o não cabimento da ação civil pública para questionar ato discricionário da administração pública, nem para invocar inconstitucionalidade por omissão abstrata da União. Alegou, ainda, a ilegitimidade ativa do MPF, ao argumento de a ação não envolver interesses sociais e individuais indisponíveis.

Quanto ao mérito, informou que os cargos de defensor público da União são distribuídos de forma equânime no território nacional, sendo o número de cargos existentes, porém, insuficiente para atender à demanda de serviços constitucionalmente atribuídos à instituição, razão por que novos cargos foram criados, dos quais 70% foram destinados às unidades já existentes e 30% para as novas unidades a serem criadas.


Não obstante todo o esforço desenvolvido, não foi possível lotar um defensor público em cada uma das unidades da justiça federal, motivo pelo qual foram estabelecidos critérios objetivos, tais como número de varas da justiça federal, população dos municípios atendidos pela seção ou subseção judiciária, média do índice de desenvolvimento humano (IDH) dos municípios atendidos pela seção ou subseção da justiça federal, entre outros.


A União afirmou, ainda, que a unidade da Defensoria Pública da União na capital do estado em que se localiza o município X contava com apenas quatro defensores públicos, os quais não atuavam perante a instância judicial questionada pelo Ministério Público por falta de condições humanas e materiais, o que encontraria fundamento no princípio da reserva do possível.


Depois de proceder à análise da população e do IDH dos municípios sob jurisdição das varas federais sediadas na capital do estado, comparativamente com aqueles sob jurisdição da subseção judiciária do município X, a União sustentou que o critério adotado para a distribuição de cargos era condizente com a reserva do possível e com as reais necessidades da população, concluindo que a realocação de um defensor público da União para outra localidade prejudicaria a assistência jurídica do local de origem.


A ré invocou, por derradeiro, a garantia da inamovibilidade dos defensores públicos da União, concluindo que qualquer decisão que determinasse a remoção compulsória de defensor público da União feriria frontalmente a CF.


Pleiteou, ao final, a improcedência do pedido.


Intimado a manifestar-se a respeito da contestação, o MPF requereu o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.


Com base nessa situação hipotética e no direito aplicável à espécie, elabore a sentença, com observância no disposto no art. 458, incisos I a III, do Código de Processo Civil. Dispense o relatório e não crie fatos novos.

Resposta Nº 006791 por Edson da Silva


É o relatório. Passo a decidir.  

FUNDAMENTAÇÃO

            A matéria em discussão é somente de direito, dispensando outras provas além das que estão acostadas aos autos, permitindo julgamento antecipado, conforme solicitado pelo MP, nos termos do artigo 330, inciso I, do antigo CPC (atualmente, no artigo 355, do NCPC). No entanto, antes de adentrar ao mérito, há a necessidade de analisar as preliminares suscitadas.

I – PRELIMINARES:

            Conforme consta no artigo 1º, IV da Lei 7.347/85 e Código de Defesa do Consumidor, a ACP, dentre outras hipóteses, pode ser proposta em caso de dano a “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Seu objeto poderá ser a condenação em dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos do artigo 3º da referida lei.

            Primeiramente, a União, em sede de preliminar, questiona se a propositura de ACP é meio adequado para avaliar interferência do Poder Judiciário em ato supostamente discricionário da administração pública.

            Conforme H.N.Mazzilli (p.123), “a pretexto de conceder tutela de interesses transindividuais, não pode o Poder Judiciário administrar em lugar do administrador ou impor ao Poder Executivo diretrizes de oportunidade e conveniência que só a este incumbe considerar. Isso afasta, em princípio, a possibilidade de ações civis públicas ou coletivas em matérias cujo juízo discricionário seja conferida pela lei estritamente ao administrador (o chamado mérito administrativo discricionário).  

            No entanto, em sede de preliminar, conforme precedentes do STJ e do STF (tema 847), não é juridicamente incabível a promoção de ACP para provocar o Poder Judiciário a avaliar excepcionalidade máxima de controlar o mérito administrativo e os limites de concretização de direitos sociais prestacionais, razão pela qual rejeito a preliminar.

            Outra preliminar arguida pela União refere-se ao descabimento da ACP para invocar inconstitucionalidade por omissão abstrata da União.

             Dos fatos narrados, como existência de estrutura judiciária no Município (Vara Federal, órgão do MPF, Delegacia da Polícia Federal e outros) e necessidade de proteção à população hipossuficiente, trata-se de um situação de omissão concreta e não abstrata. No mérito, será avaliado se presente a reserva do possível para concretizar tal demanda suscitada pelo MP, mas não se pode proibir tal questionamento em preliminar, a qual rejeito.

            Por último, a União requereu a carência do direito de ação por ilegitimidade ativa do MPF para a Ação Civil Pública, a qual também rejeito. Verifica-se que o MPF requer a lotação de Defensor Público para garantia constitucional do acesso à Justiça e à defesa jurídica e gratuita dos mais necessitados. Em verdade, postula tal necessidade para toda a sociedade, preconizando interesse difuso e não individual heterogêneo, que repercutiria em acolhimento da preliminar. Assim, não assiste razão à União em requerer a carência da ação quando o MP busca solução jurisdicional para uma gama de pessoas indetermináveis do Munícipio “X”.

II. DO MÉRITO.

            No mérito, tornar-se-á necessário determinar se o pedido do MP de exigir a lotação provisória de defensor público e consequente implantação da Defensoria Pública da União no Município X é caso que se enquadra em situação muito excepcional de controle de atos administrativos discricionários, nos termos autorizativos de jurisprudência do STJ e STF. Se o controle requerido não estará sindicando o mérito administrativo em demasia, mas sim zelando pelos princípios constitucionais do artigo 37, da Constituição Federal/88, principalmente da legalidade/juridicidade

            Há a máxima na qual o “Poder Judiciário não pode controlar o mérito administrativo", de modo que ao analisar qualquer ação judicial, inclusive ACPs que ao versarem sobre a concretização de direitos sociais prestacionais e sobre a definição de políticas públicas em suas feições transindividuais deve haver limites, sob pena de efeitos nocivos como a de o julgador substituir o administrador em suas decisões válidas e afetar a separação de poderes prevista no artigo 2, da Constituição Federal.

            Nota-se que o Poder Público apresentou critérios pré-estabelecidos para a omissão de Defensor Público no Município X alegando distribuição equânime no território nacional. Confirmou novos cargos, ou seja, age destinando 70% dos profissionais para unidades já existentes e 30% para novas unidades. Falou-se dos critérios objetivos como varas da justiça federal, população dos municípios atendidos e média de IDH, dentre outros.

            No tocante à reserva do possível, tendo em vista que os recursos do Estado são limitados, vislumbra-se um verdadeiro impedimento para a concretização, infelizmente,  de todos os direitos sociais que a população necessita, exigindo-se prioridades. Sem dúvida, a esses Poderes políticos, através de critérios razoáveis, pode-se exigir a alocação de recursos públicos vinculados. Quando se trata de atos discricionários há que se ter muito cuidado em não extrapolar a análise do mérito do ato (oportunidade e conveniência) embasando-se a possível avaliação do Magistrado em legalidade do ato administrativo e sua conformidade com os princípios que regem a atividade da Administração Pública, com fulcro no artigo 37 da Constituição Federal. 

            Não restam dúvidas de que o acesso à Justiça sem Defensor Público resta prejudicado no Munícipio X, o que deveria ser uma prioridade sanar, seja por parte do Poder Executivo ou, agora, por meio da própria DPU, que adquiriu autonomia orçamentária para tanto, no entanto, vale ressaltar, que o ordenamento jurídico prevê, em substituição à figura do defensor, o uso de advogado dativo, a ser designado na forma da Lei 1.060/50.  

            Cabe ressaltar que o assunto foi avaliado, em sede de repercussão geral pelo STF, em RE 887.671, pelo Ministro relator Marco Aurélio, sendo objeto do tema 847 – Definição dos limites à atuação do Poder Judiciário quanto ao preenchimento de cargo de Defensor Público em localidades desamparadas, mas pendente de julgamento pelo Plenário até a presente data.

DISPOSITIVO:

            Ante o exposto, com supedâneo no artigo 2º, da Constituição Federal e alternativa de designar advogados dativos em substituição à Defensores Públicos no Munícipio, conforme Lei 1.060/50 e enquanto não julgada em Plenário do STF o tema 847, JULGO IMPROCEDENTE a Ação Civil Pública.

            Saliente-se que o Ministério Público Federal e, inclusive DPU, poderá fiscalizar o cumprimento do atendimento de população carente por advogados dativos, enquanto pendente decisão do STF neste sentido.

            Declaro o processo resolvido no seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC de 2015.

            Sem custas e sem honorários.

            P.R.I.

            Data e local

            Juiz federal.

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