Sentença
Justiça Federal
TRF/1 - 16º Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 1ª Região - 2015
Sentença Cível

clique aqui e responda esta questão
Enunciado Nº 000319

DA PETIÇÃO INICIAL


Maria, qualificada nos autos, ajuizou ação de rito ordinário contra a União e a Universidade Federal do Saber, objetivando a condenação de ambas em danos materiais e morais. Maria alegou ter sido submetida a uma cirurgia laparoscópica para tratamento de endometriose no Hospital Universitário da segunda ré, no qual fora internada pelo SUS, em função de histórico de infertilidade, infecção urinária de repetição e dor pélvica.

Afirmou que, poucos dias após a cirurgia, ocorrida em 1.°/2/2007, passou a sentir insistente dor abdominal, o que motivou seu retorno ao Hospital Universitário, quando os médicos teriam dito que o quadro seria normal após o tipo de cirurgia a que se submetera. Relatou ter se dirigido ao mesmo hospital outras três vezes, ocasiões em que recebeu igual explicação médica.

Maria destacou que permaneceu com as dores abdominais por vários anos, o que muito a afligia e impedia de exercer qualquer atividade laborativa devido ao incômodo persistente, ao qual acreditava estar condenada até a morte, já que a explicação médica que lhe fora prestada é de que seria normal. Esclareceu que se mudou para outra cidade no ano de 2012, quando foi aconselhada por vizinhos a realizar consulta no hospital do município para confirmar seu diagnóstico. Assim, em 1.°/8/2012, Maria submeteu-se a um exame de raio X, por meio do qual foi detectada a presença de uma lâmina de bisturi no local em que suas dores eram constantes e no qual fora feita uma das incisões para a cirurgia laparoscópica, quando então passou a ter ciência de que isso a deixara com o quadro de intenso sofrimento.

Com o exame em mãos, Maria retornou ao Hospital Universitário e foi submetida a uma nova cirurgia, em 1.°/9/2012, agora para retirada da lâmina de bisturi, sem que o referido hospital assumisse que tal instrumento teria sido deixado em seu abdome na ocasião da cirurgia laparoscópica anterior.

A autora salientou nunca ter feito outra cirurgia que não fosse a laparoscópica, tendo realizado apenas dois partos normais após a referida cirurgia, razão pela qual seria certo que a lâmina de bisturi somente poderia ter sido introduzida no seu abdome na única intervenção cirúrgica a que fora submetida, de responsabilidade dos profissionais da segunda ré.

Maria postulou a condenação das rés em danos morais no valor de R$ 500.000,00, devido à insuportável dor que a acompanhou durante anos, bem como aos danos materiais consistentes em lucros cessantes, pela remuneração salarial que deixou de perceber por todo o período, já que não tinha condições de procurar emprego nem de nele permanecer em função do seu quadro de dor persistente. Por isso, solicitou o valor mensal de R$ 1.000,00 desde a data do evento danoso, compatível com sua qualificação profissional, indicada como auxiliar de serviços gerais, conforme a última anotação em sua CTPS, na qual está registrada a dispensa do trabalho na data de 10/1/2006.



DA CONTESTAÇÃO DA UNIÃO


Em sua peça de defesa, a União alegou preliminar de ilegitimidade passiva, com o argumento de que o suposto ato lesivo informado pela autora não teria sido praticado por nenhum preposto direto seu, já que a equipe médica que realizou a cirurgia pertence aos quadros funcionais da Universidade Federal do Saber, que tem personalidade jurídica distinta, como autarquia federal, e que o só fato de o procedimento ter sido realizado com recursos financeiros do SUS não seria suficiente para caracterizar sua responsabilidade pelo evento tido como danoso.


A União também sustentou preliminar de prescrição, uma vez que, ajuizada a ação apenas em 1.°/2/2014, já teria decorrido o prazo prescricional previsto no nosso ordenamento jurídico desde a data da cirurgia laparoscópica, indicada pela autora como o evento que lhe causou dano.


No mérito, a União sustentou ausência de comprovação de que a autora não tivesse realizado outras cirurgias, não se podendo afirmar que o esquecimento da lâmina de bisturi teria ocorrido na cirurgia por ela indicada. Defendeu que os valores postulados a título de indenização seriam absurdos e que a autora não teria comprovado impossibilidade de trabalho devido a suas condições físicas, já que as dores relatadas não seriam impeditivas do labor. Destarte, conclui que não procede o pleito por lucros cessantes.



DA CONTESTAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SABER


A Universidade Federal do Saber sustentou a mesma preliminar de prescrição arguida pela União, além de litisconsórcio passivo necessário com o médico Dr. Sávio, chefe da equipe médica que realizou o procedimento cirúrgico na autora, já que teria direito de regresso contra ele no caso de eventual condenação.

Na parte meritória, a universidade aduziu que o ato médico configura obrigação de meio e não de resultado e que sua equipe agiu com todo desvelo durante a cirurgia, que, por si só, implica riscos, inclusive de que algum equipamento médico eventualmente possa ser esquecido, sem que isso implique qualquer risco à vida do paciente, embora, na hipótese, não haja prova de que a lâmina de bisturi tivesse sido introduzida no organismo da autora durante a cirurgia relatada, especialmente porque na cirurgia laparoscópica não se utiliza bisturi.

Ao final, defendeu o absurdo dos valores indenizatórios pleiteados, de modo a corroborar a tese exposta pela União, e enfatizou a ausência de comprovação de qualquer inaptidão para o trabalho decorrente do quadro clínico afirmado na inicial.



DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL


Na fase processual adequada, o magistrado postergou o exame das preliminares para o momento da sentença e, durante a instrução, foi produzida unicamente prova pericial, cujo laudo esclareceu o seguinte:


1) no procedimento laparoscópico, utiliza-se bisturi apenas para incisão mínima para abertura da pele, em torno de 1 centímetro na região periumbilical e 0,5 centímetro em fossas ilíacas;


2) em exame radiológico datado de 1.°/8/2012, foi detectada a presença de objeto estranho nas adjacências da cirurgia laparoscópica a que foi submetida a autora, posteriormente retirado cirurgicamente e confirmado como sendo uma lâmina de bisturi de tamanho n.º 15, compatível com as utilizadas para a realização de incisões para procedimento laparoscópico;


3) a autora relatou ter realizado dois partos normais após a cirurgia laparoscópica e não há sinais visíveis de que se tenha submetido a outro procedimento cirúrgico até o momento.

As partes apresentaram alegações finais escritas, cada uma sustentando suas teses inicialmente expostas, estando os autos conclusos para o magistrado há trinta dias.


A propósito da situação hipotética acima apresentada, profira sentença adequada, sem acrescentar fatos novos, para a solução do caso, e considere dispensado o relatório. Na sentença, apresente fundamentação jurídica necessária para a análise das preliminares e do mérito, se for o caso.

Resposta Nº 006067 por Eliezer Pernambuco


É o relatório. Passo a decidir, iniciando pelo exame das questões preliminares.

Fundamentação

1. Preliminares

1.1 Da ilegitimidade passiva da União Federal

Acato a preliminar de ilegitimidade arguida pela União. Na demanda ora em apreciação, não há como se postular indenização em face do ente da federação que apenas financia o serviço de saúde, sem operá-lo diretamente. Nesse mesmo sentido, encontra-se na jurisprudência dos Tribunais Superiores o entendimento de que o mero custeio no âmbito do SUS não atrai responsabilidade do ente público por erro médico ocorrido em hospital ou clínica particular, cujos fundamentos devem ser aplicados ao presente caso.

1.2. Do não cabimento de denunciação da lide

Pretendeu a autarquia federal corré a inclusão, no pólo passivo da demanda, do agente público que dirigiu o procedimento cirúrgico relatado na exordial, alegando eventual direito de regresso em face deste.

Não obstante a referência feira a um litisconsórcio necessário, o que de fato se apresenta é uma autêntica denunciação da lide ao menciond, digo, mencionado profissional médico, postulação essa que não pode ser recebida nesta sede.

Isso porque, tratando a pretensão deduzida de responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público - a qual é, em regra, objetiva em razão de comando constitucional (art. 37, § 6º, da Carta da República) -, tem-se verdadeira faculdade da, digo, uma faculdade da suposta vítima em nomear apenas esta entidade. Tal faculdade, consoante análise colhida de precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), busca conferir maior dinamismo processual e permitir que eventual reparação se da, digo, se dê de forma célere, não se afigurando como possível a discussão acerca de culpa do agente público se a parte autora não a apresenta como causa de pedir.

Verifico, ainda, a presença das demais condições da ação, bem como dos pressupostos de desenvolvimento processual, pelo que passo, portanto, à análise do mérito.

2. Mérito

2.1. Da ausência de prescrição

Rejeito a alegação de prescrição. Não se discute que a pretensão reparatória da parte autora se sujeita ao prazo estabelecido no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, o qual se encontra em plena vigência. Nesse sentido já se fixou a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao afastar a incidência dos prazos gerais de prescrição, previstos no Código Civil de 2002, em casos semelhantes.

Ocorre que o termo inicial do prazo não é aquele apontado pelas rés. Aqui me posiciono, digo, Posiciono-me aqui nos termos da interpretação consagrada em precedentes do e. STJ que, à luz da noção de "actio nata", indica que o nascimento da pretensão se dá no momento do efetivo conhecimento da lesão sofrida, sendo este o correto termo em que começa o curso da prescrição.

Logo, o quinquênio legal, "in casu", iniciou-se em 1º de agosto de 2012, não tendo se operdo, digo, operado a prescrição até a presente data.

2.2. Do evento danoso

A responsabilidade civil se fundamenta em três elementos: o nexo causal entre a conduta e o resultado, a culpa genérica e o dano.

No que tange ao primeiro elemento elencado, entendo estar comprovado que o resultado (consistente nas dores abdominais, digo, lesões sofridas pela autora em razão do instrumento cirúrgico indevidamente inserido em seu corpo) tem como causa o procedimento realizado no Hospital Universitário da autarquia corré.

É cediço que, em razão do princípio do livre convencimento motivado, o magistrado dispõe de livre apreciação da prova, não estando adstrito à prova técnica consubstanciada no laudo pericial. Contudo, no presente caso, a perícia logrou demonstrar, acima de qualquer dúvida razoável, que o citado bisturi fora inserido no abdome da autora no curso da cirurgia laparoscópica, afastando as alegações da parte ré, que não produziu qualquer prova que sugira curso causal diverso do ora apontado.

2.3. Da incidência da regra de responsabilidade objetiva

Conforme brevemente exposto acima, a demanda se fundamenta na responsabilidade de pessoa jurídica de direito público, incidindo na hipótese a norma constitucional de responsabilidade civil ad, digo, objetiva do Estado, dispensando comprovação de culpa dos agentes vinculados à autarquia corré, e vedando a discussão da acerca da culpa nos casos em não alegada pela vítima, restando incabíveis os argumentos deduzidos acerca da natureza da obrigação contida no procedimento médico levado a efeito no precitado Hospital Universitário.

Resta, pois, analisar a existência do terceiro elemento: a configuração do dano sofrido pela vítima.

2.4. Do dano moral caracterizado

Encontra-se provada a ocorrência do dano moral. Essa espécie de dano é consubstanciada na violação a um direito da personalidade, o que de fato se constata, à vista da inserção indevida de um instrumento cirúrgico no corpo da autora, obviamente sem anuência desta, e permanecendo alojado ali por mais de cinco anos.

Dessa forma, a autarquia corré lesionou o direito da autora à sua integridade física, extraído das normas do art. 13 e 14 do Código Civil.

Ressalto que é despicienda a discussão trazida pelas partes acerca da maior ou menor intensidade das dores sofridas pela autora. Na atualidade, compreende-se o sofrimento psíquico como apenas uma das formas de exteriorização do dano moral, não se confundindo com sua efetiva materialização, que, no presente caso, dá-se, "in re ipsa".

2.5. Do dano moral não caracterizado

Não vislumbro a existência de suporte probatório apto a demonstrar a existência de dano material no aspecto dos lucros cessantes. Com efeito, há elemento de prova indicando que a autora deixou de exercer atividade laborativa em momento bastante anterior ao evento danoso (mais de um ano antes da cirurgia), não sendo este, portanto, a causa de cessação daquela.

Também não se demonstrou de forma suficiente que o quadro de dor persistente tenha impossibilitado que a autora exercesse atividades de forma genérica. Ao contrário, relatou-se que a autora, após a consumação da lesão, submeteu-se a dois partos normais. É notório, na forma do art. 334, I, do Código de Processo Civil vigente (CPC), que o processo, digo, parto normal dá ensejo, em regra, a desgaste físico sem par, e não foi aduzido que as dores causadas pelo bisturi tenham causado qualquer interferência, por exemplo, nos cuidados de sua prole.

O que se poderia perquirir a títul, digo, seria a eventual ocorrência de danos emergentes, como a provável aquisição de medicamentos para aliviar as dores contínuas, porém não houve pedido nesse sentido, e eventual condenação configuraria julgamento "extra petita".

2.6. Da indenização

Dada a presença dos elementos da responsabilidade civil, impõe-se à corré, digo, à autarquia corré o dever de indenizar, com fulcro nos arts. 186 e 927 do Código Civil, o dano moral sofrido pela autora.

A fixação do "quantum" indenizatório submete-se a prudente juízo, tendo sempre em conta o critério legal, qual seja, a extensão do dano (art. 944, "caput", do Código Civil), bem como as lições doutrinárias que orientam que a reparação do dano moral consiste em uma verdadeira compensação, vez que não há autêntica recomposição do bem lesionado.

Tomando em conta essas premissas, entendo como desproporcional o valor postulado pela autora, mormente ao se constatar que não há evidência de efeitos perenes da lesão sofrida. O que se verifica é que o dano cessou com a extração do instrumento cirúrgico de seu corpo.

Entendo, portanto, que a quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) amolda-se à compensação do dano em questão, tendo por base, ainda, o período de cinco anos em que este persistiu, sem solução. Incidem na hipótese, ainda, os consectários previstos no art. 389 do Código Civil.

Dispositivo

Diante de todo o exposto:

I. em relação à dedução dos pedidos em face da União Federal, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC;

II. em relação à denunciação da lide a Sávio, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC;

III. em relação à demanda deduzida em face da Universidade Federal do Saber, julgo procedente em parte o pedido da autora, para condenar essa autarquia federal a indenizar Maria por danos morais, pagando-lhe a quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), que ora arbitro; acrescida de juros de mora incidentes desde 1º de fevereiro de 2007, equivalentes à remuneração aplicável à caderneta de poupança, nos termos da interpretação dada pelo é, digo, e. STF em sede de controle concentrado, ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97; bem como de atualização monetária desde o arbitramento calculada pelo IPCA-E.

A ré condenada é isenta de custas na Justiça Federal. Porém, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios, que ora fixo, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 500,00 (quinhentos reais), e consectários acima.

Esta sentença não se sujeita a reexame obrigatório, ante o disposto no art. 475, § 2º, do CPC. Havendo trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se.

P.R.I.

Local e data

Juiz Federal Substituto

Outras Respostas deste Enunciado
Clique em cada nome para ver a resposta.

Elaborar Resposta

Veja as respostas já elaboradas para este enunciado

Elabore a sua resposta agora e aumente as chances de aprovação!


Faça seu login ou cadastre-se no site para começar a sua resposta.


É gratuito!


0 Comentários


Seja o primeiro a comentar

Outras Respostas deste Enunciado

Pessoas que mais responderam

01º Jack Bauer
422 respostas
02º MAF
358 respostas
03º Aline Fleury Barreto
224 respostas
04º Sniper
188 respostas
05º Carolina
155 respostas
06º SANCHITOS
127 respostas
07º rsoares
119 respostas
08º amafi
105 respostas
09º Ailton Weller
100 respostas
10º Guilherme
95 respostas
11º Gabriel Henrique
89 respostas
12º Ulisses de Lima Alvim
84 respostas

Ranking Geral

01º Jack Bauer
3374 pts
02º MAF
3086 pts
04º Aline Fleury Barreto
1931 pts
05º SANCHITOS
1403 pts
06º Sniper
1335 pts
07º Carolina
1176 pts
08º Guilherme
1079 pts
09º amafi
998 pts
10º rsoares
920 pts
11º Natalia S H
888 pts
12º Ailton Weller
792 pts
Faça sua busca detalhadamente

QUESTÃO

PEÇA

SENTENÇA

Mostrar Apenas: