Blaise Pascal, matemático e filósofo do século XVII, é muitas vezes lembrado por observação no sentido de dividir os homens em duas categorias: os justos, que se creem pecadores, e os pecadores, que se consideram justos. À luz de tal reflexão, é possível dizer que o juiz não deve ser justo, pois se o for produzirá injustiça ? Deve o magistrado crer-se injusto, pois assim será justo? A partir de tais provocações, discorra brevemente, em no máximo duas laudas, sobre o fazer justiça em decisões judiciais.
Os seres humanos são por natureza falíveis. Só às divindades se daria a aptidão para serem infalíveis, portanto, não “pecadoras”.
Reduzir os homens a duas categorias, “justos que se creem pecadores”, e “pecadores que se creem justos” é de um maniqueísmo que não se coaduna com a atual ideia de justiça.
Talvez, no contexto dos séculos XVII a XIX, onde havia linearidade de pensamento, maior padronização, fronteiras mais nítidas, prolongamento das mudanças, imposições de ideias, tal lógica fosse aceitável.
A hermenêutica (interpretação do direito, por vezes se confundindo com o justo) contemporânea se caracteriza em um contraponto àquele estado de coisas, por apresentar, o direito atual transformações no sentido de apresentar pensamento sistêmico, coexistência de diferenças, fronteiras mais tênues (entre direito e outras ciências bem como entre os ramos do direito), negociação e diálogo.
O juiz não é mais o “boca da lei”, referido por Montesquieu, que deveria da forma mais mecânica possível, as leis editadas pelo Legislativo, nem mesmo o que possui liberdade de interpretação somente dentro da moldura kelseniana.
A lógica formal silogística (com subsunção, premissa maior, premissa menor e síntese) cede à lógica do razoável, esta defendida por Ricaséns Sichs.
Na era atual, do pós-positivismo, o direito apresenta grandes transformações como: reconhecimento da força normativa da Constituição; expansão da jurisdição constitucional; desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação.
É uma nova hermenêutica, e também a chamam de pós-constitucionalismo, neoconstitucionalismo e onde se tem uma substituição dos códigos por Constituições, da legalidade pela constitucionalidade, bem como há a valorização dos princípios, que são além de normas (Dworkin; Alexy), também ferramentas importantes na interpretação constitucional e até mesmo legal.
A incapacidade do direito de acompanhar as mudanças sociais, bem como as antinomias inatas ao ordenamento jurídico geram a necessidade de mecanismos de hermenêutica contemporânea: hard cases, casos difíceis que resolvem pela técnica do decisionismo, e mutação constitucional (atualiza a constituição pela mudança do sentido e alcance, sem mudança de texto). Esses métodos se agregam aos já tradicionais métodos da interpretação (lógico-sistemático, gramatical, lógico e histórico).
O conceito de justiça é um dos grandes problemas filosóficos desde a antiguidade. Fazer justiça remete à própria discussão sobre o que é justiça. E há um grande paradoxo nas concepções sobre o que é justo, pois, sendo justo para um, pode ser injusto para outro em uma mesma relação; o que é liberdade para um pode ser considerado subversão para o outro
Cumprir a lei conforme as regras do direito posto (material e processual) pode ser injusto, a depender do caso.
Atualmente, cumprir a lei também implica cumprir a Constituição e nesse particular a resolução de questões judiciais é diferente da dicotomia legal x ilegal.
É possível que na resolução de um caso difícil (onde há dois ou mais caminhos/princípios aplicáveis) o juiz tenha que usar do decisionismo (está em suas mãos a escolha entre opções igualmente constitucionais). Os princípios não se excluem como a lei na subsunção, mas cedem no caso concreto.
Deve, o juiz, ter em mente que o justo não é o que lhe é justo, ou necessariamente lhe pareça justo, mas sim o justo para as partes – o que melhor conduza à pacificação social, ou satisfação de necessidades imediatas, tendo em vista a proporcionalidade (tida em nossa jurisprudência como sinônimo de proporcionalidade), necessidade e adequação.
A afirmativa do autor pode ainda ser verificada por outros ângulos, um, o autoengano (incapacidade humana de aquilatar determinados aspectos do mundo exterior) e o outro se referindo à falibilidade de nossas percepções subjetivas.
Mais importa a própria justeza e conformidade (aplicar as normas legais/ constitucionais, o contraditório e fundamentar adequadamente) das decisões que a própria autoimagem do magistrado, ao julgar-se (considerar-se) ou não justo.
Inegável que a percepção subjetiva de si permite uma melhor autocrítica em vista da qualidade de suas decisões bem como do comportamento ao decidir em vista de seus próprios juízos prévios, pré-conceitos e regras da experiência, no sentido de se aproximar ou se afastar da justiça do caso concreto balizada por sua visão de mundo.
A técnica jurídica, a dogmática, a adesão à melhor jurisprudência ajudam a afastar subjetividades, mas nem tudo é técnica. Há que se encontrar um meio termo, que melhor se ajuste à boa prestação jurisdicional.
Ser justo é, ademais, ser previsível e respeitar o princípio da igualdade material, e esses dois atributos trazem estabilidade, que deve ser um dos ideais de um sistema jurídico, pois quanto mais justo o juiz, mais estável é a Justiça e as próprias decisões judiciais.
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