Maria, jovem integrante da alta sociedade paulistana, apesar de não trabalhar, reside há dois anos em um dos bairros nobres da capital paulista, visto que recebe do Estado de São Paulo pensionamento mensal decorrente da morte de seu pai, ex-servidor público. Ocorre que, após voltar de viagem ao exterior, foi surpreendida com a suspensão do pagamento da referida pensão, em razão de determinação judicial. Em razão disso, deixou de pagar a conta de luz de sua casa por dois meses consecutivos o que acarretou, após a prévia notificação pela concessionária prestadora do serviço público, o corte do fornecimento de luz em sua residência.
Considerando a narrativa fática acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.
A) À luz dos princípios da continuidade e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público, é lícito o corte de luz realizado pela concessionária?
B) O Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado irrestritamente à relação entre usuários e prestadores de serviços públicos?
a) Em regra, não caracteriza ofensa ao princípio da continuidade dos serviços públicos (art. 6º, inciso I, da Lei n. 8.987/95 e art. 22 do CDC) o corte no fornecimento de serviço público motivado pelo inadimplemento do usuário (art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei n. 8.987/95). Entende-se que tal medida é efetuada em benefício da coletividade, uma vez que, por força da necessidade de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, não se poderia atribuir à prestadora de serviços públicos o dever de arcar com o prejuízo relativo aos consumidores inadimplentes: assim, este custo, fatalmente, recairia sobre os consumidores pontuais, o que não deve ser tolerado. Registre-se que, excepcionalmente, o STJ reconhece a impossibilidade de suspensão do fornecimento de serviços públicos essenciais, quando esta medida puder ocasionar danos à integridade física do usuário, o que não se verifica, no caso.
b) O art. 6º, inciso V, do CDC pemite a aplicação das disposições contidas neste diploma aos serviços públicos. Há consenso no sentido de que os serviços públicos remunerados por meio de impostos (segurança pública, por exemplo) não atraem a incidência do Código de Defesa do Consumidor, por serem prestados uti universi e estarem fora do mercado de consumo. Nessas hipóteses, entende-se que se estabelece entre o contribuinte e a Administração Pública é estritamente de direito público. Também há relativo consenso no sentido de que os serviços públicos remunerados mediante tarifa ou preço público (energia elétrica, por exemplo), uma vez que estes são prestados uti universi e há nítida correspondência entre o valor pago e o serviço prestado. A controvérsia reside nos serviços públicos remunerados mediante taxa (art. 77 do CTN), uma vez que estes também são específicos e divisíveis. Há quem negue, peremptoriamente, a possibilidade de serviços remunerados por taxa serem regidos pelas disposições consumeristas, uma vez que o usuário não tem liberdade de escolha - pressuposto para o reconhecimento da condição de consumidor. Aqui, também haveria uma relação estritamente de direito público (administrativo-tributária). Esta é a posição do STJ. Por outro lado, há quem defenda a possibilidade de serviços públicos remunerados mediante taxa serem objeto da incidência do CDC, bastando que exista certa correspondência entre o preço público e o serviço prestado.
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