Natanael Silva ajuizou ação de manutenção de posse contra a União Federal, na qual sustenta que, há mais de vinte anos, detém a posse de determinado terreno, onde edificou casa e plantou um laranjal, do qual retira o seu sustento. Informa que, há um mês, foi intimado pelo órgão de fiscalização para desocupar a área no prazo de sessenta dias, ao argumento de que a terra pertenceria à União. Natanael, argumentando posse velha, invoca, na referida ação, o seu direito constitucional à moradia e ao trabalho, com base no artigo 6.º da Constituição Federal (CF). Sustenta, ainda, abuso de poder, ao argumento de ser o interesse da União no terreno apenas econômico, dada a valorização da área, que se tornou central, em face do crescimento da cidade. Alega, ainda, o autor ter direito de retenção do imóvel, até que sejam indenizadas as benfeitorias que ali construiu e requer que, na fase própria do processo, lhe seja reconhecido o direito à penhora do mesmo imóvel, como forma de garantir o pagamento da indenização pleiteada. Requer, também, a liminar para mantê-lo na posse e informa que, tão logo reúna testemunhas, ajuizará a competente ação de usucapião especial urbana, prevista no artigo 183 da CF.
Em contestação, a União informou que pretende firmar concessão de uso do terreno para a instalação de uma escola de aperfeiçoamento de agricultores.
Com base na situação hipotética apresentada, redija texto devidamente fundamentado, atendendo ao que se pede a seguir.
- Esclareça se há posse pelo particular em relação ao terreno e analise a adequação (ou inadequação) da ação de manutenção de posse, explicando se existe direito de retenção e indenização pelas benfeitorias.
- Explicite se seria possível penhorar o imóvel descrito para garantir o pagamento de eventual crédito contra a União.
- Informe a categoria do bem público sob análise, segundo a destinação, e descreva as características gerais desse tipo de bem.
- Esclareça se há possibilidade de usucapião do imóvel mencionado. [valor: 1,50 ponto]
- Conceitue permissão de uso e concessão de uso, estabelecendo as diferenças entre tais atos quanto à natureza jurídica, objeto, interesses envolvidos, necessidade, ou não, de prévia licitação; duração e possibilidade de indenização em caso de revogação, e analise a adequação da concessão de uso no caso concreto.
O Código Civil abarca as relações havidas no cotidiano da sociedade e dentre elas estão os direitos reais, os quais cuidam dos direitos de posso e propriedade dos bens. A fim de verificar os direitos atinentes aos envolvidos na tópica, cabe esclarecer alguns conceitos. Dispõe o art. 1196, CC que o possuidor será aquele que tem o exercício de fato de algum dos poderes inerentes à propriedade. Já o proprietário é aquele que tem o domínio do bem e também a faculdade de usar, gozar, dispor e reaver a coisa do poder de quem a possua injustamente. nos termos do art. 1228, CC. Já o detentor é aquele que não tem a posse e sequer a propriedade da coisa, de forma que apenas a conversa em nome de outrem. Tal instituto também é chamado de fâmulo da posse pela doutrina. Estabelecidas estas premissas já é possível verificar que Natanael nunca deteve a posse do bem imóvel, uma vez que este é bem público de propriedade da União e, portanto, este nunca fora passível de usucapião, eis que a legislação é expressa no sentido de que os bens públicos não estão sujeitos à usucapião (art. 102, CC). Assim, Natanael, nestes vinte anos, era mero detentor do bem público da União, uma vez que não é possível haver posse de bem de domínio público, mas tão somente detenção - entendimento este inclusive já consolidado pela jurisprudência pátria. Observa-se inclusive que a ação manejada por Natanael é inadequada já que não é possível requerer ao Poder Judiciário a manutenção de uma posse que nunca se teve. Por conseguinte, não tendo havido posse do bem público, mas mera detenção, Natanael igualmente não tem direito à indenização ou retenção pelas benfeitorias realizadas no imóvel porquanto a legislação confere tais direitos apenas ao possuidor, nos termos do art. 1219 a 1222, CC. No que tange à possibilidade de penhora do imóvel tem-se que esta também não é cabível, pois os bens públicos - dentre outras características que lhe são peculiares como a imprescritibilidade, inoponibilidade, alienabilidade condicionada - são impenhoráveis. Saliente-se que os bens públicos podem ser classificados em três espécies: (i) bens de uso comum, os quais são os rios, mares, praças, ruas (art. 99, I, CC); (ii) bens de uso especial, que são os destinados à Administração Pública para que sejam utilizados a serviço do Poder Público, tais como prédios de órgão, entidades, dentre outros (art. 99, II, CC); (iii) bens dominicais, que são aqueles que não possuem destinação específica, sendo estes os únicos passíveis de alienação (art. 99, III, e art. 101, CC), sendo esta a espécie do bem objeto da demanda. Em relação à alegação da União em sede de contestação de que utilizará o bem para firmar concessão de uso para instalação de escola de aperfeiçoamento agrícola é perfeitamente possível, uma vez que o ente federado pode dispor do bem dominical da forma que reputar adequada, desde que obedecidos os requisitos legais. A concessão e a permissão de uso de bens públicos nada mais são do que a possibilidade conferida à Administração Pública de, por meio de negociação com particulares, conceder o uso de um bem público a um particular. Ambas são formas de outorga de uso de bem público com a diferença de que a concessão é mais solene e deve ser efetuada por meio de contrato administrativo, precedido de autorização legal e de licitação na modalidade de concorrência. Já a permissão de uso de bem público é ato unilateral, precário e discricionário da Administração Pública a fim de permitir o uso de bem público pelo particular para que este persiga interesse próprio. Por se tratar de ato unilateral e precário, poderá ser revogado a qualquer tempo e, em regra, não importa em indenização ao particular. Ao contrário, a concessão de uso, por se tratar de contrato administrativo, confere direitos ao outorgado de forma que a Administração não tem a discricionariedade de rescindir o contrato a seu bel prazer, sendo que, a depender do caso concreto, eventual rescisão do contrato pode gerar direito à indenização do particular.
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