Sentença
Justiça Federal
TRF/4 - 16º Concurso para Juiz Federal Substituto - 2014
Sentença Penal

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Enunciado Nº 001755

O Ministério Público Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais e com base no Inquérito Policial nº 00001234-56.2012.404.7000 e nos Procedimentos Criminais Diversos nos 00009876-54.404.7000 (quebra de sigilo de dados bancários e fiscais), 00008765- 43.404.7000 (quebra de sigilo telefônico, telemático e de dados) e 00008764-32.404.7000 (busca e apreensão), ofereceu denúncia em desfavor de Paulo Bono, brasileiro, casado, administrador, filho de José Bono e Ana Maria Bono, nascido em 05.05.1970, portador do RG nº 123.456/SC, residente e domiciliado na Rua 1500, 24, em Londrina/PR; Armando Cash, brasileiro, casado, médico, filho de Luiz Cash e Júlia Martins Cash, nascido em 12.06.1958, portador do RG nº 654.321/SC, residente e domiciliado na Avenida das Acácias, 1300, em Londrina/PR; Caio Ohio, brasileiro, casado, médico, filho de John Ohio e Patrícia Carls Ohio, nascido em 05.03.1954, portador do RG nº 765.432/SC, residente e domiciliado na Rua das Palmeiras, 15, em Londrina/PR; Manuel Preste, brasileiro, casado, administrador de empresas, filho de José Preste e Lucinda Alves Preste, nascido em 11.11.1965, portador do RG nº 321.654/SC, residente e domiciliado na Rua Alecrim, 99, em Curitiba/PR; e Haroldo Silba, brasileiro, casado, filho de João Carlos Silba e Marinalva Solano Silba, nascido em 04.01.1942, portador do RG nº 213.646/SC, residente e domiciliado na Rua XV, 27, em Curitiba/PR.


O inquérito policial acima referido, iniciado pela Polícia Federal de Londrina a partir da notícia de crime veiculada por Klaus Fish, tinha por objeto inicial a apuração dos crimes descritos nos arts. 135-A e 313-A do Código Penal.


Isso porque, no dia 5 de março de 2012, Klaus Fish e sua esposa, Ana Santos, levaram seu filho Nael Santos Fish, de 5 anos de idade, ao Hospital Federal. Ao chegarem à entrada de emergência, com Nael completamente desacordado, foram encaminhados à sala de triagem. Enquanto Nael era colocado na maca, o atendente solicitou a Klaus Fish que o acompanhasse até a Gerência. Paulo Bono, gerente administrativo, forneceu vários formulários para que Klaus preenchesse, ao mesmo tempo em que passou a tecer diversos comentários sobre o atendimento médico-hospitalar e, ao final, exigiu que Klaus lhe desse um cheque-caução.


Klaus comentou que saíram de casa “correndo” e assustados e que não tinham nenhuma folha de cheque. Paulo então exigiu que Klaus assinasse uma nota promissória, pois, do contrário, não poderia liberar o atendimento de Nael. Pediu desculpas a Klaus e disse que eram as normas do hospital e que foi a solução encontrada pela Diretoria para acabar com os calotes. Klaus, sem opção, pois percebeu que seu filho, de fato, não recebia atendimento médico, assinou a referida nota promissória. Assinados os documentos, Nael foi efetivamente atendido e internado, permanecendo no hospital por uma semana.


Após um mês do ocorrido, entre os dias 7 e 10 de abril de 2012, Klaus recebeu em sua casa, no Município de Cambé, uma correspondência do Ministério da Saúde com o relatório de atendimento de seu filho. Constatou que o hospital havia cobrado do Sistema Único de Saúde vários procedimentos que, em princípio, não tinham sido realizados e que havia informações desencontradas.


Indignado, pois foi obrigado a pagar a nota promissória assinada por ocasião do atendimento, compareceu à Delegacia da Polícia Federal em Londrina e relatou o ocorrido, apresentando a gravação da conversa que manteve com Paulo no dia do atendimento (realizada em seu telefone celular), recibo informal de pagamento, ficha de internação hospitalar e cópia da correspondência do Ministério da Saúde.


Instaurado o inquérito, a autoridade policial, após colher as declarações de Klaus e Ana, oficiou ao Ministério da Saúde solicitando informações que constavam no banco de dados do SUS, referentes ao atendimento em questão e aos pagamentos realizados ao hospital. Oficiou também ao hospital solicitando os prontuários e as informações sobre o respectivo atendimento.


Decorrido o prazo, o hospital não forneceu as informações. Reiterada a requisição, o hospital informou que não poderia fornecer os prontuários por questão de sigilo médico e que demais informações financeiras estavam inacessíveis por conta de problemas técnicos operacionais do sistema informatizado do hospital.


Recebidas as informações do Ministério da Saúde, constatou-se que o hospital, de fato, havia prestado informações inverossímeis, cobrando do SUS repasse de R$ 73.850,00 (setenta e três mil, oitocentos e cinquenta reais) pelo atendimento realizado a Nael.


Solicitadas informações complementares ao Ministério da Saúde, este informou que os dados foram inseridos no Sisus - Sistema Informatizado do Sistema Único de Saúde - e na base de dados do Ministério da Saúde, no Sistema de Informações Gerenciais de Saúde -Siges. Informou também que o sistema é gerenciado pelo Ministério da Saúde e auditado pela Controladoria-Geral da União; que esse sistema somente é acessado por meio de login e senha próprios e que, de acordo com os registros e dados do Hospital Federal, o responsável autorizado pela unidade é Paulo Bono.


Com a juntada dos documentos obtidos junto à Controladoria-Geral da União, verificou-se indícios de várias irregularidades na gestão do hospital, inclusive na aquisição de medicamentos, equipamentos e serviços (fatos ainda em apuração, anexo I).


Com a efetivação das medidas cautelares de busca e apreensão, de quebra de sigilo de dados bancários e fiscais e de interceptação telefônica, foram reunidos vários documentos e elementos de prova que evidenciam que os diretores e gestores do Hospital Federal transformaram o que deveria ser uma unidade de prestação de serviço público de saúde em uma organização criminosa, restando claro que se associaram, consciente e deliberadamente, para a prática de crimes.


Entre os crimes imputados à quadrilha, destacando que as investigações prosseguem e outros inquéritos já foram instaurados, têm-se os crimes dos artigos 313-A e 317 do Código Penal e o do artigo 90 da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações).


Segundo a denúncia, Paulo Bono, funcionário público responsável por prestar informações ao Ministério da Saúde, em conluio com os médicos Armando e Caio, inseriu vários dados falsos no Sisus (período de internamento, utilização de UTI, procedimentos médicos e exames, complexidade do atendimento, referência a inocorrente intervenção cirúrgica, CID), com isso logrando obter vantagem financeira em favor do hospital (aumento dos ganhos), que, em seguida, supõe-se, era artificialmente distribuída para si e para os dois médicos (fato em apuração em outro IPL). Observe-se que muitas informações disponibilizadas pelo hospital não seriam possíveis não fosse a colaboração direta dos dois médicos, Armando e Caio, principalmente, em razão do conhecimento técnico e dos prontuários físicos que eram arquivados no hospital.


Não bastasse, segundo o que também já restou apurado, Armando Cash, médico- presidente do hospital, Caio Ohio, diretor clínico, e Paulo Bono, gerente administrativo, solicitaram e, depois, receberam (mediante depósito na conta poupança de um terceiro, Raul Inácio, primo em segundo grau de Paulo) vantagem indevida.


De acordo com as informações bancárias obtidas e documentos apreendidos no hospital e na casa de Paulo, verificou-se a existência de oito depósitos na conta de Raul, junto ao Banco Best S/A, no montante de R$ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil reais). Registre-se que Raul, conquanto inicialmente tenha negado a existência dos depósitos, confrontado com os documentos colhidos nas diligências realizadas, confirmou ter emprestado a conta para Paulo, bem como tem realizado saques em espécie, entregando o dinheiro diretamente a Paulo. Admitiu, ainda, que, pelo favor ao primo, recebeu R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Rastreada a origem do dinheiro, verificou-se que se tratava de transferências bancárias, originárias do Banco Sun S/A, de conta de titularidade da empresa Forceps Equipamentos Hospitalares SC Ltda.


No curso das investigações, constatou-se que a empresa Forceps Equipamentos Hospitalares SC Ltda. havia se habilitado e vencido uma licitação do Hospital Federal para o fornecimento de equipamentos de diagnósticos por imagem, no valor de R$ 8.535.024,00 (oito milhões, quinhentos e trinta e cinco mil e vinte e quatro reais).


Da análise do procedimento licitatório, infere-se que das oito empresas que retiraram o edital, apenas quatro participaram efetivamente do certame, sendo que duas foram inabilitadas, e a Forceps, mesmo apresentando preço superior ao da outra licitante habilitada, logrou-se vencedora. Consta da ata que a empresa perdedora apresentou proposta com erro material, consubstanciado na soma equivocada dos preços de equipamentos e serviços, "impondo-se" a desconsideração da proposta. Consta da ata também que, diante da impugnação por parte do representante da empresa perdedora, no sentido de que soma aritmética simples dos preços indicados na proposta supria a pretensa falha, a comissão, acompanhando decisão de Paulo, designado por Armando como presidente da comissão de licitação, indeferiu a impugnação. Isso porque, a par do erro de cálculo, equívoco que não pode ser suprido pela comissão, não providenciou a empresa a tradução do certificado e do manual de garantias.


Destaca a denúncia que o representante legal da empresa Tears Equipamentos de Imagem, perdedora da licitação, Carlos Maia (fls. 1010-1013), ao ser inquirido pela autoridade policial, afirmou “que, desde o início, sentiu dificuldades e obstáculos para sua empresa participar do certame; que o alegado erro, aliás, decorreu de falha do edital e da própria comissão, que, ao republicar o edital, procedeu à modificação de algumas cláusulas e dos anexos, não deixando claro como os preços deveriam ser explicitados; que, no dia da abertura das propostas, sentiu pré-disposição da comissão em ajeitar o resultado, o que se comprovou com a absurda desclassificação da proposta; que a soma era simples, qualquer criança em processo de alfabetização acertaria o resultado; que a alegada falta de tradução do certificado e do manual de garantia é ainda mais absurda, pois não constava do edital a exigência, e, ainda que assim fosse, não é crível que a administração pública pague mais por um produto e serviço por conta de um problema criado e que facilmente pode ser resolvido, até porque havia prazo de 90 (noventa) dias para a entrega do equipamento, ou seja, o manual e a garantia poderiam ser entregues junto com o equipamento, como é comum em todos os outros procedimentos licitatórios”.


Diálogos interceptados com autorização judicial (procedimento em anexo) evidenciaram que, após a publicação do edital, bem como durante o procedimento licitatório, os sócios- proprietários da Forceps, Manuel Preste e Haroldo Silba, mantiveram vários contatos com Paulo e Armando, ajustando e combinando detalhes para que a empresa saísse vencedora da licitação. Apurou-se que não só cláusulas foram previamente acordadas como também uma comissão, na verdade, propina que seria paga no caso de o objeto ser adjudicado à Forceps. Destaca a denúncia, entre os diversos diálogos transcritos no procedimento em anexo, os mantidos nos dias 9 de junho e 19 de agosto, ambos de 2012:


9 de junho:

Paulo – Bom dia, Haroldo.

Haroldo – Bom dia, o que manda, chefe?

Paulo – Haroldo, vc falou com Manuel sobre aquela questão do Dr. Armando?

Haroldo – Ah... sim, ele acha um pouco complicado, mas ele disse que vamos dar um jeito... Paulo – Bem, é que tem a outra empresa... sabe como é...

Haroldo – Fica tranquilo, vamos dar um jeito.... é que, como eu havia prometido, a ideia é que seja bom para todo mundo...

Paulo – risos ... (inaudível)...

Haroldo – E como está o procedimento? Vc viu aquele e-mail sobre a cláusula da garantia técnica? Paulo – O Dr. Armando também me perguntou isso...

Haroldo – É que assim teremos mais margem... pois, como envolve também o serviço, a hora técnica depende de cada profissional.

Paulo – Ah... falando nisso, o Dr. Caio me perguntou sobre as especificações do equipamento. Haroldo – Mas eu não te mandei por e-mail?

Paulo – Sim, inclusive procurei seguir como vc havia orientado, mas, sei lá, não entendi direito o que ele disse... Haroldo – Vc entregou a eles aquele mimo que pedi para vc passar a eles?

Paulo – Sim... e o meu?

Haroldo – risos... primeiro a diretoria... risos Paulo – Pô, mas sem “eu”, o que seria deles... risos

Haroldo – Paulo, desculpe-me, preciso desligar, pois o Dr. Caio está me ligando. Paulo – Ok, falamos depois, mas fica tranquilo que está tudo sob controle.



19 de agosto:

Armando – Meu caro, boa tarde! Como estão as coisas?


Haroldo – Boa tarde, tudo se encaminhando como programado.

Armando – Que bom... estou precisando resolver isso logo, pois tenho uns compromissos, sabe, uns investimentos que fiz...

Haroldo – Ah... acredito que mais tarde, até amanhã, consigo disponibilizar uma parte. Armando – Uma parte? Pô, cara... nossa parte foi cumprida direitinho.

Haroldo – Não, não, fica tranquilo... mas sabe como é, a coisa não está fácil...

Armando – Bem, fácil não está para ninguem, por isso estou pedindo para vc me ajudar...

Haroldo – Bem, conversei ontem ainda com o Manuel e ele se comprometeu a hoje resolver aquela pendência do banco e, caso não conseguisse, autorizou-me a sacar do crédito que o hospital está para realizar esta semana... é a primeira parcela dos equipamentos...

Armando – Vou falar com Paulo, também, para ele agilizar o pagamento então... Haroldo – Seria ótimo, pois “uma mão lava a outra”... risos


Esclarece a inicial acusatória que Paulo, depois da busca e apreensão e das diligências realizadas, constituiu advogado, que acabou orientando seu cliente a colaborar com as investigações, visando aos benefícios legais, o que de fato se verificou.


Prossegue a denúncia afirmando que, com a continuidade das diligências e as informações prestadas por Paulo, verificou-se ainda que Armando, com o objetivo de inovar artificiosamente o estado das coisas, reimprimiu vários prontuários de atendimento e, na sequência, deletou arquivos digitais armazenados no HD do computador instalado na sala do conselho de administração do hospital, inclusive arquivos relacionados à licitação antes referida. Segundo Paulo, as ações iniciaram-se a partir do momento em que a autoridade policial passou a requisitar informações. Registra a denúncia que os fatos foram confirmados pelo Laudo Pericial do Setec/PF, que atestou a tentativa de supressão de dados, recuperados com uso de tecnologia (fls. 1.234-1.256 do IPL).


Por fim, ainda, afirma a denúncia que o rastreamento das informações bancárias, as informações do COAF e os documentos obtidos por meio de cooperação jurídica internacional comprovam que a associação criminosa amealhou, em pouco tempo, considerável patrimônio, sendo necessário adotar variados métodos de ocultação/dissimulação dos valores ilicitamente auferidos, entre eles a guarda física de vultosas quantias (ocultando sua localização) — vide autos de apreensão de fls. 874-887; na residência de Paulo, US$ 33.000,00; na residência de Armando, US$ 62.000,00, €37.000, R$ 137.000,00; na casa de Caio, US$ 45.000,00 e €15.000 — , e a aquisição de bens de elevado valor, de fácil guarda e que permitem ausência de registro de propriedades, como é o caso de obras de arte e relógios apreendidos (auto de apreensão de fls. 972-974). O denunciado Armando procurou dissimular a propriedade de um barco de expressivo valor em nome de uma clínica de estética de propriedade de sua filha, posteriormente apreendido (auto de apreensão de fls. 1022-1023). E, ainda, foram encontrados US$ 223.000,00 em uma conta nas Ilhas Cayman em nome da offshore PAC Discovered, cujos documentos comprovam tinham como responsáveis Paulo, Armando e Caio.


Ao final, imputou a Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio a prática, em concurso material, dos crimes descritos nos artigos 135-A, 288, 313-A e 317, todos do Código Penal, no art. 1º da Lei 9.613/98 e no art. 90 da Lei 8.666/93. Imputou, ainda, a Armando Cash a prática do crime do art. 314 do Código Penal e aos denunciados Manuel Preste e Haroldo Silba a prática, em concurso material, dos crimes dos arts. 288 e 333 do Código Penal e do art. 90 da Lei 8.666/93.


Pelo Ministério Público Federal, ainda, foi requerida a prisão preventiva dos réus Armando, Caio, Haroldo e Manuel. Sustentou, para tanto, que esses denunciados ostentam significativo patrimônio e capacidade financeira (inclusive com recursos no exterior) para deixarem o país a qualquer momento. Com relação a Armando, aduziu ainda que ele tentou obstruir as investigações, modificando provas.


O Juiz Federal de Londrina, por sua vez, declinou da competência para o processamento da ação ao Juízo da Vara Federal Criminal de Curitiba especializada em crimes de lavagem de dinheiro.


A denúncia foi, então, recebida em 23.06.2013. O pedido de prisão foi indeferido, aplicando-se aos réus medidas cautelares de fiança e apreensão de passaportes.


Os réus Paulo, Armando, Caio e Haroldo foram regularmente citados (eventos 6, 7, 8 e 9) e apresentaram resposta à acusação (eventos 15, 19, 23 e 25). Quanto ao réu Manuel Preste, não obstante as diversas diligências realizadas, inclusive por meio de cartas precatórias, não foi localizado para citação. Determinou-se, assim, a expedição de edital, nos termos do § 1º do art. 363 do Código de Processo Penal.


Decorrido o prazo do edital, sem manifestação do réu ou constituição de defensor, foi designada a Defensoria Pública da União para a defesa do réu.


Intimada sobre a designação, protestou pela suspensão do processo em relação ao réu, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal.


Examinadas as defesas preliminares, foram indeferidos os pedidos de absolvição sumária e determinado o prosseguimento do processo com a regular instrução, designando-se data para a oitiva das testemunhas de acusação e defesa. Foi deferido o requerimento do Ministério Público Federal para a juntada de documentos. Foi indeferido o pedido das defesas dos réus Armando e Caio para que fosse expedido ofício ao juízo cível da Subseção de Londrina, objetivando a obtenção de cópia do processo de mandado de segurança impetrado pela empresa Tears. Foi indeferido, também, o pedido formulado pela defesa do réu Armando no sentido de que o Ministério Público fosse instado, com base no princípio da indivisibilidade da ação penal, a aditar a denúncia para incluir no polo passivo Klaus Fish. Argumentou a defesa "que Klaus é 'mentiroso', pois o dinheiro por ele pago a Paulo (segundo apurado em sindicância interna do hospital), na verdade, o foi com o intuito de que Paulo não revelasse fato descoberto pelos funcionários do hospital, qual seja: que Klaus, com o intuito de obter autorização de permanência no Brasil, registrou Nael como sendo seu filho, sendo que, na verdade, Nael é filho de Ana e Severino, um pescador de Itajaí".


No curso da instrução processual, foram ouvidas testemunhas de acusação e defesa, juntados laudos do instituto de criminalística e complementada a tradução dos documentos obtidos mediante acordo de cooperação jurídica internacional (referentes a depósitos bancários e abertura de conta em nome de uma offshore denominada PAC Discovered).


Os réus Paulo, Armando e Haroldo foram interrogados, tendo sido decretada a revelia de Caio, porque não compareceu à audiência.


Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, as partes requereram a juntada de documentos e a atualização dos antecedentes criminais, o que foi deferido. A defesa de Caio requereu a expedição de carta rogatória para as Ilhas Cayman, objetivando a oitiva do gerente do banco, a fim de comprovar os fatos relacionados com a abertura da conta e a sua movimentação. A defesa do réu Haroldo requereu que fosse realizada a acareação entre a testemunha de acusação e ele próprio e ainda entre ambos e o corréu Paulo. Ambos pedidos foram indeferidos.


Em alegações finais, o Ministério Público Federal protestou, em síntese, pela condenação de todos os denunciados, porquanto comprovadas a materialidade e a autoria dos fatos delitivos. Com relação ao réu Paulo Bono, requereu a concessão de perdão judicial e, alternativamente, a redução de pena, nos termos do art. 4º da Lei nº 12.850/13. Argumentou que restaram sobejamente comprovados os fatos imputados na denúncia, ou seja, a prática dos crimes de quadrilha, corrupção passiva e ativa, fraude à licitação, inserção de dados falsos em sistema de informação e extravio de documentos. Também ficou comprovada mediante os laudos técnicos da Polícia Federal, os documentos obtidos com a quebra de sigilo fiscal e bancário e os documentos obtidos por cooperação jurídica, a lavagem de vultosas quantias, impondo-se, inclusive, o perdimento dos ativos. Requereu, ao final, a aplicação de penas exemplares para coibir práticas nefastas como as verificadas no caso, reconhecendo-se ainda as agravantes do abuso de poder e da violação de dever inerente ao cargo (art. 61, II, g, do Código Penal). Ainda com relação ao réu Armando, quanto ao crime do art. 314 do Código Penal, pediu a incidência da agravante do art. 61, II, b, do Código Penal. Com relação aos réus Haroldo e Manuel, o reconhecimento da agravante do art. 61, I, do Código Penal, uma vez que os registros de antecedentes criminais apontam que ambos foram condenados — sentença transitada em julgado em 20.12.2012 — por crime contra a administração nos autos nº 12345- 67.2005 (evento 123). Requereu, também, que seja reapreciado o pedido formulado com a inicial acusatória, no sentido de se decretar a prisão preventiva dos acusados, exceção, evidentemente, de Paulo, considerando, principalmente, as penas que espera sejam impostas, o poder aquisitivo dos réus e a possibilidade de fuga (fato, aliás, já concretamente verificado com Caio e Manuel).


Em alegações finais, a defesa de Paulo Bono, embora admita a veracidade dos fatos, alegou que, com relação a ele, os fatos são atípicos porque não agiu com consciência e vontade dirigida ao resultado (ausência de dolo). Argumentou que foi coagido e obrigado a agir como agiu, pois dependia do seu emprego, não sendo possível, à luz da razoabilidade, exigir-lhe conduta diversa. Ressaltou, ainda, que apenas cumpriu ordens, incidindo assim a excludente de punibilidade do art. 22 do Código Penal e, na remota hipótese de assim não se entender, a atenuante do art. 65, III, c, do Código de Processo Penal. Afirmou, também, que estava com sérias dificuldades financeiras (busca e apreensão do veículo e execução do condomínio), sentindo-se acuado pelos cobradores e credores, vindo a ceder às pressões dos empresários por absoluto estado de necessidade. Aduziu que a maior prova de sua idoneidade foi o acordo de colaboração que fez com o Ministério Público, de sorte que lhe deve ser concedido o perdão judicial.


A defesa de Armando alegou, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal para apurar o crime do art. 135-A, porque a pretensa vítima é um particular, inexistindo, assim, ofensa a bens ou direitos da União ou das suas autarquias; a incompetência da Vara Federal Criminal especializada de Curitiba, pois os fatos ocorreram em Londrina; a inépcia da denúncia, pois não foram descritos os fatos e as circunstâncias dos crimes que lhe são imputados, extraindo-se da peça incoativa que foi denunciado apenas por ser o diretor- presidente do hospital (responsabilidade objetiva). Sustentou que, com relação ao imaginário crime de formação de quadrilha, sequer a denúncia se preocupou em descrever a estabilidade e a permanência da associação ou mesmo descrever o papel de cada um dos denunciados. Ainda em preliminar, arguiu a nulidade da prova referente à gravação realizada por Klaus, pois clandestina, logo ilícita, e, por conseguinte, de todo o processo, porquanto desencadeado a partir da prova viciada; a nulidade da prova obtida pela interceptação telefônica e, por conseguinte, do processo, inclusive porque deferida e prorrogada por juízo que não é o ora processante — afirma, ainda, que inexistiam elementos suficientes para autorizar a invasão à intimidade do acusado (violação ao princípio da proporcionalidade); o cerceamento de defesa; porque não houve a transcrição integral dos diálogos obtidos na interceptação telefônica, tendo o Ministério Público criado fatos a partir de diálogos desencontrados. No mérito, negou todas as imputações. Afirmou que é um verdadeiro absurdo imputar-se a um médico reconhecido pelo seu trabalho social e assistencial fatos desconexos e imaginários. Que sua profissão lhe permite ganhos razoáveis e que não precisaria se associar a ninguém, principalmente para a prática de crimes. Que o Ministério Público não comprovou que os valores encontrados em sua residência não são fruto de seu trabalho. Que, se crime há, nisso tudo, deve ele ser imputado ao próprio Klaus, o denunciante, a quem o ora investigado processará por calúnia e difamação. Aliás, renova a contradita dessa testemunha de acusação, devendo ser considerado nulo seu depoimento. Afirmou que a denúncia é um verdadeiro abuso do poder de acusar, como se observa, por exemplo, da imputação do art. 314 do Código Penal, pois pela descrição, quando muito, haveria subsunção ao tipo descrito no art. 347 do Código Penal, aplicável pelo princípio da especialidade. Que não houve extravio de qualquer livro oficial ou documento (aliás sequer descrito na inicial) e que ainda que imaginariamente se pudesse cogitar da suposta infração, esqueceu-se a acusação da elementar do tipo "em razão do cargo", não descrita nem provada — reitera que o acusado era médico. Que não houve qualquer inovação ou modificação, sendo que reimprimir prontuários não é crime nem deletar arquivos, pois não integram a figura típica. Que, por conta de um defeito elétrico, vários equipamentos do hospital foram avariados, como é o caso do computador referido na denúncia, submetido à assistência técnica, não podendo, assim, ser imputado ao defendente qualquer erro ou defeito no HD. Quanto à licitação, venceu a empresa com o melhor preço. Que cumpria à acusação comprovar que a desclassificação/inabilitação das demais empresas foi ilegal. Que jamais solicitou ou recebeu qualquer valor da empresa Forceps e que é absurda a acusação de lavagem de dinheiro. Que, ainda que houvesse o imaginário recebimento, consubstanciaria mero exaurimento do imputado crime de corrupção. Que a aquisição de joias e obras de arte não é ilícita e muito menos caracteriza lavagem de dinheiro. Que seus ganhos declarados à Receita Federal comprovam a compatibilidade de seus ganhos com seu patrimônio. Que, se houvesse a intenção de lavar qualquer ganho, não teria utilizado a empresa da própria filha.


A defesa de Caio também alegou a incompetência da Vara Federal Criminal de Curitiba, ao argumento de que a competência firmada por resolução do tribunal viola princípios constitucionais da legalidade e do juiz natural. Suscitou, ainda em preliminar, nulidade da prova obtida pela interceptação telefônica e, por conseguinte, do processo, pois sequer havia indícios contra si para ter violado seu direito à intimidade. Conforme a lei, a interceptação é meio subsidiário de investigação, não encontrando amparo constitucional a adoção como meio principal de investigação, porquanto exclui o próprio direito ao silêncio; nulidade da prova obtida por cooperação jurídica internacional, uma vez que a tradução dos documentos não instruiu a denúncia, a par de não estar devidamente fundamentada a decisão que a autorizou; cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova essencial à defesa — ofício ao juízo de Londrina visando à obtenção de cópia do mandado de segurança impetrado pela empresa Tears; e o cerceamento de defesa pelo indeferimento de oitivas de testemunhas da defesa, principalmente o Ministro da Saúde e o Deputado Estadual Chico, colaborador honorífico do hospital. No mérito, negou todas as imputações. Afirmou também que sua profissão lhe permite ganhos razoáveis e que seu patrimônio é absolutamente compatível com seus ganhos. Que o Ministério Público não comprovou que os valores encontrados em sua residência não são fruto de seu trabalho e que é da acusação esse ônus. Que não é crime guardar dinheiro em espécie em casa. Que, como se pode observar dos diálogos descritos na inicial, não há menção a qualquer fato ilícito e, ademais, são referências indiretas a seu nome por terceiros. Que o Ministério Público não logrou comprovar qualquer nexo de causalidade entre os crimes imputados e as ações do ora defendente. Que jamais solicitou ou recebeu qualquer valor da empresa Forceps e que não conhece seus proprietários. Que a licitação em referência foi toda dirigida por Paulo e que quem o designou para a comissão de licitação foi Armando. Que não assinou qualquer documento relacionado à licitação, não praticando, assim, qualquer ato de ofício. Que os valores encontrados em uma conta vinculada à offshore devem- se ao fato de que em 2011, junto com outros médicos, inclusive o corréu Armando, decidiram pela aquisição de um equipamento de tomografia; e, por orientação do despachante aduaneiro, a aquisição por meio de uma offshore importaria na redução da carga tributária. Que os valores constituem uma reserva de capital para o pagamento da última parcela do equipamento, conforme evidenciam os documentos apresentados com a defesa preliminar. Por fim, argumentou que a denúncia é totalmente imprestável, pois não descreve as circunstâncias elementares e as circunstâncias fáticas, impedindo o exercício regular da defesa. Requereu que fosse levantada a revelia e desconsiderado o pedido de prisão, uma vez que, lhe assistindo o direito ao silêncio, não pode ser considerado revel por não comparecer ao seu interrogatório.


A Defensoria Pública da União, na defesa do acusado Manuel, limitou-se a protestar pela nulidade do processo, pois não foi motivada a antecipação das provas, requerendo, uma vez mais, a suspensão do processo em relação ao acusado Manuel Preste.


A defesa de Haroldo Silba arguiu, em preliminar, a nulidade da prova decorrente da interceptação telefônica e, por conseguinte, do processo, pois não foram fundamentadas as renovações ou prorrogações; a inépcia da denúncia, por não descrever minimamente as condutas imputadas a cada um, não sendo suficiente a mera referência às elementares do tipo penal – aduz que o absurdo maior é a imputação de formação de quadrilha, pois, além de não descrever a participação de cada suposto integrante, esqueceu-se a acusação de descrever e, ao final, de comprovar o animus associativo prévio, bem como estabilidade e permanência dessa associação; a nulidade da instrução, pois o juiz, no juízo deprecado, inverteu a ordem da oitiva das testemunhas de defesa, aliás, interferindo diretamente na sua oitiva, em afronta ao disposto no art. 212 do Código de Processo Penal; cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de acareação entre o ora defendente e Paulo e entre o ora defendente e a testemunha de acusação Divino Silva. No mérito sustentou que a participação na licitação em questão foi o único relacionamento mantido com o hospital e com os seus dirigentes. Que não conhecia o Dr. Armando nem o Dr. Caio e que veio a conhecer Paulo quando visitou o hospital para oferecer produtos e equipamentos comercializados pela empresa Forceps. Que não houve ajuste algum para a empresa vencer a licitação. Que várias empresas concorreram ao procedimento, não havendo, assim, o preenchimento do elemento objetivo, pois não se pode sustentar que não houve competitividade no certame. Com relação à imputação de corrupção, como afirmado em seu depoimento em juízo, o defendente admite que repassou valores ao hospital por meio da conta de Raul. Todavia, os repassou não com o intuito de corromper Paulo ou Armando ou Caio, mas em razão do interesse em apoiar o projeto de ampliação do hospital, que visava ao atendimento de pessoas dependentes de drogas e portadores de doenças crônicas. Que Paulo, ao expor o projeto, afirmou ao defendente que dariam recibos das doações, assim vislumbrou uma oportunidade para obter deduções do imposto de renda pessoa jurídica. Afirmou que, embora atípica a conduta, caso venha a ser condenado deve ser aplicada a atenuante da confissão, nos termos do art. 65, III, d, do Código de Processo Penal.


Na sequência, os autos foram conclusos para sentença.


Com base no relato acima, de situação hipotética, elabore sentença penal contendo fundamentação, dispositivo e dosimetria.





Resposta Nº 002028 por João Josué


                II. Fundamento

                II.1. Preliminares e prejudiciais de mérito

                Os réus apresentaram defesas próprias com preliminares comuns e particulares. Deste modo, fundamenta-se pela ordem apresentada por defesa e caso sejam coincidentes, far-se-á per relationem, por economia e facilitação no entendimento.

                A defesa do réu Armando Cash apresentou diversas preliminares, sendo a de incompetência (i) a Justiça Federal seria incompetente para julgar do tipo do artigo 135-A, do Código Penal, por inexistência de violação ao bem jurídico da União ou das suas autarquias; (ii) incompetência da vara especializada de Curitiba, pois os fatos ocorreram em Londrina;

                A Justiça Federal é competente para julgar o artigo 135-A, do Código Penal em razão do artigo 109, IV, da CF/88, tendo em vista que estão conexos, em razão das pessoas, pelas provas e circunstâncias do artigo 313-A e artigo 1º, da Lei 9.613/98, pois os réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio utilizaram de inserção de dados incorretos para exigirem do SUS o repasse de R$ 73.850,00 ao hospital e posteriormente ocultaram e dissimularam a origem do direito sujo pela lavagem de capitais. Portanto, há atração pela conexão da Justiça Federal.

                Igualmente não há violação ao juiz natural e ao princípio da legalidade o deslocamento dos autos para vara especializada, o deslocamento não tem o condão de alterar o juiz naturalmente competente previsto no artigo 109, IV, da CF/88. Há resolução do Conselho da Justiça Federal, reconhecida constitucionalidade pelo STF: a especialização de varas temáticas pode ser atrativa dos processos cujo conteúdo a elas sejam pertinentes sem que venha a ferir o princípio do juiz natural ou ao da legalidade. Neste sentido também afasta-se a preliminar apresentada pela defesa de Caio Ohio.

                Apresentou questão procedimental pendente de produção de prova pedido de renovação de contradita na fase do artigo 402, do CPP, houve o indeferimento em razão da preclusão A contradita ou acareação deve ser apresentada no momento em que ocorre, tal como a ordem do artigo 400, do CPP, além de haver certa discricionariedade, conforme o artigo 230, in fine, do CPP. Já decidiu o STF que não se pode ter uma nulidade guardada para ser alegada quando a parte crer ser o melhor momento, mas no momento em que ocorre – nulidade de algibeira.

                A inépcia quanto à ausência de descrição dos fatos e circunstâncias da peça acusatória em que o réu Armando Cash diz haver responsabilidade objetiva, não prospera, pois há descrição dos fatos (degravação das conversas entre Haroldo Silba em 19 de agosto; reimpressão de vários prontuários; deletou arquivos digitais armazenados em HD do computador instalado na sala do conselho de administração do hospital, inclusive os relacionados à licitação). Há fatos e circunstâncias descritas na denúncia que afastam a inépcia levantada.

                Armando Cash alegou atipicidade pela ausência dos elementos normativos “estabilidade” e “permanência” descritos na denúncia para o crime de associação, e ausência da descrição da conduta de cada réu. Não há violação ou cerceamento de defesa ou mesmo inépcia da acusação, o STF, com jurisprudência pacífica, já assentou que não há necessidade de descrição pormenorizada de cada réu, cada participação individualizada, mas que seja imprescindível a demonstração que houve participação e divisão de tarefas. Quanto aos elementos normativos, serão demonstrados ao longo da fundamentação de cada crime imputado aos réus.

                Suscitou ainda o réu Armando Cash que há nulidade pelo meio de obtenção da prova: (i) captação ambiental realizada por Klaus foi clandestina, portanto obtida com vício de origem; (ii) interceptação telefônica autorizada por juiz incompetente e em razão de diversas e infundadas prorrogações, sem indícios concretos, caracterizando interceptação por prospecção; (iii) cerceamento de defesa pela ausência de transcrição integral e criação de fatos pelo Ministério Público a partir da manipulação dos diálogos descontextualizados.

                A captação ambiental realizada por Klaus tem amparo legal, pois era participante do diálogo, interessado diretamente na produção da prova, exercício regular de direito de demonstrar lesão ao seu direito – neste sentido, os tribunais superiores tem jurisprudência consolidada. Portanto, não há violação da intimidade de quem foi gravado e dessa gravação constatada, após investigações preliminares (artigo 5º, § 3º, do CPP), indícios concretos do que capturado (v. g., informações do Ministério da Saúde de que o hospital teria exigido repasse de R$ 73.850,00 pelos serviços prestados a Nael). Portanto, não houve prospecção, mas indícios concretos. Em todo caso, se a origem da prova pela captação ambiental fora ilícita, os demais meios de investigações legitimariam a medida (artigo 157, § 1º, do CPP; artigo 9.034/95, artigo 2º, II e IV, revogada pela Lei 12.850/13, com migração do conteúdo típico daquela para os artigos 3º, II e III, dessa lei revogadora).

                A interceptação telefônica foi decretada por autoridade competente para a ação principal, nos termos do artigo 1º, da Lei 9.296/96, pois o deslocamento posterior para vara especializada não torna ilegal a prova obtida.

                As prorrogações foram necessárias para melhor obtenção da prova, haja vista a dificuldade encontrada pelo Ministério Público Federal na colheita de informações preliminares: solicitou informações ao hospital sobre o prontuário e aos gastos de Klaus com seus serviços, negadas com justificação de sigilo mérito e problemas técnicos operacionais do sistema informatizado do hospital, respectivamente. Assim, cumprido o artigo 2º, II, da Lei 9.296/96.

                Não há necessidade de transcrição integral da interceptação telefônica, jurisprudência consolidada dos tribunais. A integralidade é mera circunstância, pois há áudio que demonstra os ajustes entre Paulo-Haroldo, em 09.06.2012, Armando-Haroldo, em 19.08.2012.

                Essas transcrições revelam as ações significativas dos interlocutores, que não estão descontextualizados, mas demonstram substratos típicos e significativos a evidenciar ajustes prévios para fraudar licitações (“aquele e-mail sobre a cláusula da garantia técnica?”), corrupção passiva (“sabe, uns investimentos que fiz...” e “vou falar com o Paulo, também, para ele agilizar o pagamento então”), quadrilha (“uma mão lava a outra”) e lavagem de capitais pela dissimulação (“autorizou-me a sacar do crédito que o hospital está para realizar esta semana... é a primeira parcela dos equipamentos...”).

                Alega o réu Caio Ohio cerceamento de defesa pelo indeferimento de ofício ao juízo de Londrina visando à obtenção de cópia do mandado de segurança, sem razão, pois é ato da parte que dispensa atuação do juízo desta ação penal. Portanto, ausente cerceamento de defesa.

                Igualmente não há cerceamento de defesa pelo indeferimento de oitivas de testemunhas da defesa: deve ser feita antes da fase de instrução, especialmente expedição de carta rogatória para as Ilhas Cayman, conforme entendimento sumulado do STF, mas apenas na fase do artigo 402, do CPP, fora requerida pela defesa de Caio Ohio, pois sua necessidade não surgiu de circunstância ou fatos apurados na instrução, mas teria o intuito de provar abertura de conta e sua movimentação.

                 Alega Caio a inépcia da denúncia por não descrever as circunstâncias elementares e as circunstâncias fáticas, impedindo o exercício regular da defesa, remete-se este questionamento ao já fundamentando quando da defesa de Armando Cash, per relationen.

                Também, alega Caio a nulidade pelo meio de obtenção da prova: (i) interceptação telefônica sem indícios concretos, violando seu direito à intimidade; (ii) a interceptação não foi o último recurso a ser utilizado, portanto seu uso foi inconstitucional e excluiu seu direito ao silêncio; (iii) não foi encartada na denúncia tradução dos documentos obtidos pela cooperação jurídica internacional implicada pela infundada decisão que a autorizou. Com exceção desta última indagação, todas as outras estão no contexto do quanto já fundamentado, per relationem, nos questionamentos do réu Armando Cash.

                Quanto à nulidade pela não tradução dos documentos obtidos pela cooperação jurídica internacional e a infundada decisão que a autorizou, não prospera, pois a tradução será realizada se necessária, nos termos do artigo 236, do CPP. Do contexto em que está inserida, na afirmação da denúncia o rastreamento das informações bancárias, as informações do COAF e os documentos obtidos por meio de cooperação jurídica internacional comprovam a associação criminosa: o que ser quer provar é a associação criminosa através da trilha que o dinheiro deixou (follow the money).

                A defesa do réu Manuel Preste diz que: i) não foi motivada a decisão de antecipação das provas; ii) suspensão dos autos nos termos do artigo 366, do Código de Processo Penal, e iii) ausência de motivação da decisão denegatória da suspensão aludida.

                A antecipação de provas atende o artigo 156, I, do CPP, pois evidente a necessidade da produção antecipada: a autoridade policial solicitou informações ao hospital e não obteve êxito, fortalecendo a hipóteses dos crimes dos artigos 135-A e 313-A, ambos do CP, noticiada pelo Klaus Fish; informações prestadas pelo Ministério da Saúde, o hospital exigira R$ 73.850,00 pelo serviço prestado a Nael Santos Fish, filho de Klaus; os dados inseridos nas bases de dados do Sisus, Siges foi acessado por meio de login e senha do responsável autorizado do Hospital Federal, Paulo Bono; documentos da CGU indicam várias irregularidades na gestão do hospital, inclusive aquisição de medicamentos e serviços (fatos ainda em apuração – anexo I).

                Também, houve vários inquéritos demonstrando a necessidade e imprescindibilidade da medida: 00001234.56.2012.404.7000 (inquérito policial), 00009876-54.404.7000 (quebra de sigilo de dados bancários e fiscais), 00008765-43.404.7000 (quebra de sigilo telefônico, telemático e de dados) e 00008764-32.404.7000 (busca e apreensão).

                Acertadamente não se aplicou o artigo 366, do CP, tendo em vista que há norma específica (artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/98), embora o réu não tenha cometido nenhum crime de lavagem de capitais, estes autos têm crimes em conexão com aquele, e pela interpretação sistemática que se faz artigo 366 em comento, fora indicado defensor dativo para o réu Manuel Preste, portanto, não há nulidade por cerceamento de defesa.

                A defesa do réu Haroldo Silba alega nulidade pelo meio de obtenção de prova da interceptação telefônica por ausência de fundamentação de renovações ou prorrogações, já fundamentada quando dos questionamento de Armando Cash, per relationem remete-se a mesma fundamentação.

                Alega também inversão da ordem das testemunhas, conforme artigo 212, do Código de Processo Penal, interferindo diretamente na sua oitiva, mas somente na fase do artigo 402, do CPP, e não momento adequado e perante o juiz deprecado competente. Portanto, precluso.

                Também, alega o indeferimento de acareação entre o defendente e Paulo e aquele e a testemunha de acusação Divino Silva, igualmente, em momento inoportuno, conforme o artigo 402, do CPP, está precluso.

                Alega Haroldo Silba inépcia e atipicidade: ausência de descrição mínima das condutas imputadas a cada uma, não sendo suficiente a mera referência às elementares do tipo de formação de quadrilha, não descrevendo a participação, o animus associativo prévio, a estabilidade, a permanência. Esta preliminar já foi fundamentada quando dos questionamentos da defesa de Armando Cash, a qual a ela se remete.

 

                II.2. Mérito

                A sistemática de apresentação para a análise do mérito dos crimes imputados aos réus seguirá o mecanismo da quadrilha utilizada pelos réus, dividindo-se em dois núcleos de atuação, congregando os réus conforme a divisão de tarefas em cada núcleo.

                II.2.1. Artigo 288, do Código Penal

                A associação utilizada pelos réus Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Preste e Haroldo Silba agia em dois núcleos:

                i) para o núcleo da captação de dinheiro com a inserção de dados falsos, estão Paulo Bono, gerente administrativo, Armando Cash, presidente do Hospital Federal, Caio Ohio, diretor clínico, com violação de dever funcional (artigo 327, § 1º, do CP), praticaram as condutas dos artigos 135-A, 313-A e 314, todos do CP, artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                ii) para o núcleo da captação de dinheiro com fraude à licitação, estão Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Preste e Haroldo Silba, ambos sócios na empresa Forceps Equipamentos Hospitalares SC LTDA, praticaram as condutas dos artigos 317, 333, ambos do CP, artigo 90, da Lei 8.666/98, artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                A materialidade da associação está provada nos diversos procedimentos investigatórios: 00001234.56.2012.404.7000 (inquérito policial), 00009876-54.404.7000 (quebra de sigilo de dados bancários e fiscais), 00008765-43.404.7000 (quebra de sigilo telefônico, telemático e de dados) e 00008764-32.404.7000 (busca e apreensão).

                A materialidade para o primeiro núcleo está demonstrada nos documentos fornecidos pelo Ministério da Saúde, onde havia o pedido de repasse de R$ 73.850,00 pelo atendimento de Nael Santos Fish, com a inserção de dados falsos participando Paulo Bono (o funcionário autorizado, tinha login e senha no sistema do Sisus e Siges), apoio técnico dos médicos Armando Cash (presidente do hospital) e Caio Ohio (diretor clínico).

                Ainda, para encobrir os rastros da conspiração formada, Armando Cash, com o objetivo de inovar artificiosamente o estado das coisas, reimprimiu vários prontuários de atendimento, depois apagou arquivos digitais armazenados no HD, inclusive os relativos à licitação, tal como diz o artigo 314, do CP.

                A materialidade para o segundo núcleo está igualmente demonstrada pela solicitação e recebimento de vantagem indevida, através de depósito na conta poupança Raul Inácio, primo em segundo grau de Paulo, conforme informações bancárias obtidas e documentos apreendidos no hospital e na casa de Paulo, verificou-se a existência de oito depósitos na conta de Raul, junto ao Banco Best S/A, no valor de R$ 850.000,00.

                A materialidade dos crimes está presente na interceptação telefônica que o canal espião logrou êxito em capturar em 09.06.2012 e 19.08.2012, contendo diálogos e ajuste prévio entre Paulo-Haroldo e Armando-Haroldo, para fraudar licitações (“aquele e-mail sobre a cláusula da garantia técnica?”), corrupção passiva (“sabe, uns investimentos que fiz...” e “vou falar com o Paulo, também, para ele agilizar o pagamento então”), quadrilha (“uma mão lava a outra”) e lavagem de capitais pela dissimulação (“autorizou-me a sacar do crédito que o hospital está para realizar esta semana... é a primeira parcela dos equipamentos...”).

                O dinheiro sujo era lavado através ocultação pela guarda física de vultuosas quantias, conforme autos de apreensão de fls. 874-887: na residência de Paulo, US$ 33.000,00; na residência de Armando, US$ 62.000,00, € 37.000, R$ 137.000,00, na casa de Caio, US$ 45.000,00 e € 15.000; obras de arte, relógios (auto de apreensão, fls. 972-974). Armando procurou dissimular a propriedade de barco de expressivo valor em nome da clínica de sua filha, posteriormente apreendido. Encontrados US$ 223.000,00 em conta nas Ilhas Cayman em nome da offshore PAC discovered, de Paulo, Armando e Caio, conforme documentos.

                Ainda, a lavagem de dinheiros com a ocultação da origem dos valores com o depósito na conta de Raul realizado pela empresa Forceps por ter vencido a licitação. O dinheiro recebido do Ministério da Saúde era sacado custear a licitação, conforme degravação de interceptação telefônica entre Armando-Haroldo em 19.08.2012.

                Assim, a autoria, a vontade e a consciência de agir estão evidenciadas pela sofisticada estrutura criminosa, não deixa dúvidas da associação.

                A descrição dos fatos demonstra que há tipicidade para a quadrilha aqui descrita, associaram-se aproveitando de Hospital Federal para transforma-lo em empreendimento conspiratório, praticando diversos crimes.

                Estão presentes para a configuração da quadrilha: a divisão de tarefas, a estabilidade, a permanência, a vontade de associação mais de três pessoas para fins de cometer crimes.

                É assente nos tribunais superiores que os participantes da quadrilha não necessitam praticar todos os crimes, basta o dolo de associação para fins específicos de cometer de crimes. Neste sentido, há uma quadrilha com divisões de tarefas.

                Deste modo, condeno os réus Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Preste e Haroldo Silba ao crime do artigo 288, do CP.

                II.2.2. Artigo 135-A, e 313-A, ambos do Código Penal

                O artigo 135-A, do Código Penal, foi inserido no ordenamento jurídico pela Lei 12.653/2012, em 28.05.2012. Os fatos ocorreram em 05.03.2012, portanto são atípicos os fatos imputados aos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio, sendo que a novatio legis incriminadora não pode retroagir para punir os réus, conforme artigo 2º, do CP, artigo 5º XXXVI, da CF/88, e artigo 9º, do Pacto de San José da Costa Rica. Desta forma, estão absolvidos os réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio do crime do artigo 135-A, do CP.

                Quanto ao artigo 313-A, do CP, o funcionário público (artigo 327, § 1º, do CP) autorizado Paulo Bono (gerente administrativo), coadjuvado por Armando Cash (presidente do hospital) e Caio Ohio (diretor clínico) violaram dever de ofício, inserindo dados falsos no Sisus e Siges para obter vantagem indevida com a cobrança de serviço não prestado a Nael Santos Fish no valor de R$ 73.850,00.

                A materialidade está na farta documentação apresentada e segundo a denúncia, os réus inseriram vários dados falsos no Sisus (período de internamento, utilização de UTI, procedimentos médicos e exames, complexidade do atendimento, referência a inocorrente intervenção cirúrgica, CID).

                A autoria é inconteste, Paulo Bono era o funcionário autorizado, estava em conluio com os médicos Armando e Caio, aos quais facilitaram a inserção de dados que somente esses teriam o conhecimento técnico e dos prontuários físicos que eram arquivados no hospital.

                A vontade de agir e a consciência dos réus também estão estampadas nos autos: cobraram por serviço não prestado ao filho de Klaus, este fora obrigado a assinar nota promissória para ver seu filho atendido, posteriormente, para justificar o serviço não prestado pelo hospital, os três réus (Paulo, Armando e Caio) inseriram e facilitaram a inserção de dados falsos nos sistemas do Sisus e Siges, mediante alteração de prontuários, com a finalidade de receber pelo serviço que não prestaram.

                Tais eventos praticados pelos réus Paulo, Armando e Caio são típicos, aplicando-se o artigo 313-A, do CP, inseriram e facilitaram funcionário autorizado (Paulo tinha o login e senha do sistema, conforme informações fornecidas pelo Ministério da Saúde) a inserir dados falsos (inseriram período de internamento, utilização de UTI, procedimentos médicos e exames etc.) com a finalidade de obter vantagem indevida para si (cobrando repasse de R$ 73.850,00).

                Está presente a ilicitude de inserção de dados falsos em sistema de informações do Sisus e Siges, é vedada pelo ordenamento essa inserção.

                O réu Paulo Bono, administrador e gerente administrativo do hospital, confessou os fatos, alegou atipicidade porque não agira com dolo. Disse também que fora coagido e obrigado a agir como agiu, pois dependia do emprego, não podendo dizer que havia como exigir conduta diversa, cumprindo ordens nos termos do artigo 22, do CP, e deveria ser aplicado o artigo 65, III, c, do CP.

                O réu Paulo Bono agiu com dolo. Primeiro a conduta de preparar recebimento de valores, cobrando de forma equivocada Klaus (exigir caução mediante preenchimento de nota promissória é ilícito administrativo, regulamentado por norma da ANS), depois inseriu dados falso, valendo-se de sua autorização perante o Sisus e Siges, com a finalidade de obter vantagem indevida.

                Não houve coação ou inexigibilidade de conduta diversa, a escusa do artigo 22, do CP, a coação não foi irresistível, ausente, portanto, essa escusa. Não poderia dizer que cumprira ordem, pois somente ele era o autorizado a agir.

                O réu Paulo Bono disse que estava em estado de necessidade em razão das dificuldades financeiras (busca e apreensão do veículo e execução do condomínio), sentindo-se acuado pelos cobradores e credores, vindo a ceder às pressões dos empresários. Afirma que sua idoneidade pode ser aferida pelo acordo de colaboração que vez com o Ministério Público.

                Não se pode considerar que dificuldades financeiras legitimariam as pessoas a atuar na criminalidade, ainda mais organizada, como de fato está imerso o réu Paulo Bono. Se houvesse idoneidade de sua pessoa, não teria se envolvido em pelo menos cinco crimes (nestes autos) até agora investigado e processado. Para a aplicação do estado de necessidade seria possível apenas indagar uma requisito: a busca e apreensão do veículo e execução do condomínio eram legítimas? Foram provocadas por ato de inadimplência, estado esse colocado pelo réu em razão de uma vida sem controle financeiro? Deste modo, não é possível solidarizar sua insolvência descontado do dinheiro público.

                Quanto à colaboração do réu Paulo Bono, será avaliada quando da dosimetria da pena. Portanto, é de rigor a condenação dos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio no crime do artigo 313-A, do CP.

                II.2.3. Artigo 314, do Código Penal: emendatio libelli

                A defesa do réu Armando Cash alega a desclassificação do artigo 314 para o artigo 347, ambos do Código Penal, pelo princípio da especialidade. Não se trata de aplicar o princípio da especialidade, mas de aplicar o artigo 383, do CPP, a emendatio libelli.

                O verbo extravio é conduta omissiva e o réu Armando Cash agiu comissivamente para inovar artificiosamente para influenciar em processo penal ainda não iniciado, nos termos do parágrafo único do artigo 347 do CP. Agiu com fraude processual com o fim de induzir a erro o juiz.

                A materialidade deste crime, para encobrir os rastros da conspiração formada, Armando Cash, com o objetivo de inovar artificiosamente o estado das coisas, consistiu em reimprimir vários prontuários de atendimento, depois apagou arquivos digitais armazenados no HD, inclusive os relativos à licitação, tal como diz o artigo 347, do CP.

                O réu agiu com convicção e vontade para fins de apagar os rastros da inserção de dados falsos tipificados no artigo 313-A, do CP, justamente para evitar o resultado deste tipo, incidindo na fraude processual, para induzir a erro o juiz.

                Deste modo, é típica a ação livre praticada pelo réu Armando Cash. Não há erro ou defeito no HD, o meio artificioso utilizado pelo réu foi atestado pelo Laudo Pericial do Setec/PF, que atestou a tentativa de supressão de dados, recuperados com uso de tecnologia (fls. 1234-1256 do IPL).

                Assim, condeno o réu Armando Cash ao crime do artigo 347, do CP.

 

                II.2.4. Artigos 317, 333, ambos do Código Penal e artigo 90, da Lei 8.666/93

                A materialidade da corrupção ativa está demonstrada pela solicitação e recebimento de vantagem indevida, através de depósito na conta poupança de um terceiro, Raul Inácio, primo em segundo grau de Paulo, conforme informações bancárias obtidas e documentos apreendidos no hospital e na casa de Paulo, verificou-se a existência de oito depósitos na conta de Raul, junto ao Banco Best S/A, no valor de R$ 850.000,00.

                No início Raul negou, depois revelou que havia emprestado a conta para Paulo, aquele tem realizado saques em espécie, entregando dinheiro para Paulo, pelo favor, recebeu R$ 5.000,00. Seguindo o dinheiro, as transferências bancárias originaram do Banco Sun S/A, de conta de titularidade da empresa Forceps Equipamentos Hospitalares SC LTDA, ao qual demonstra a materialidade do artigo 333, do CP.

                Esses fatos estão conexos ao crime do artigo 90, da Lei 8.666/93, pois a empresa Forceps Equipamentos Hospitalares SC LTDA havia se habilitado e vencido uma licitação para fornecimento de equipamentos de diagnóstico por imagem, no valor de R$ 8.535.024,00.

                O processo licitatório para o fornecimento de equipamentos de diagnósticos por imagem, no valor de R$ 8.535.024,00,

                Assim, a autoria para a corrupção ativa e passiva está presente, os réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio, Paulo utilizava a conta de seu primo em segundo grau Raul, onde a empresa Forceps, através de seus sócios Manuel Prestes e Haroldo Silba, depositou R$ 850.000,00, propina essa originada por ter vencido o processo licitatório do Hospital Federal no valor de R$ 8.535.024,00.

                Estão presentes também a vontade e consciência livres dos réus Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Prestes e Haroldo Silba em auferir vantagem indevida diante da Administração Pública, agiram todos conspirando, os três primeiros réus (intraneus) solicitaram e receberam dinheiro dos dois últimos (extraneus) que também ofereceram e prometeram dinheiro todos juntos para fraudar procedimento licitatório. Podem-se evidenciar essas vontades e consciências livres das transcrições das interceptações telefônicas em 09.06.2012 e 19.08.2012.

                Deste modo, há tipicidade para a corrupção ativa e passiva: os réus agiram com prévio ajuste solicitando, recebendo, oferecendo e prometendo vantagens indevidas para si, para a prática de ato decorrente do dever de ofício, consistente em fraudar o caráter competitivo do processo licitatório, tendo como resultado a adjudicação o objeto da licitação.

                A defesa do réu Haroldo Silba alegou ausência de materialidade e atipicidade para o crime de corrupção passiva, pois o dinheiro repassado para a conta do hospital foi para apoiar o projeto de ampliação do mesmo, não foi para corromper Paulo ou Armando ou Caio, afirmou ao defendente que Paulo, ao expor o projeto, daria recibos das doações, vislumbrando oportunidade para obter deduções do imposto de renda da pessoa jurídica.

                Tal alegação de Haroldo Silba não se justifica em razão dos diálogos interceptação em 09.06.2012 e 19.08.2012 entre Paulo-Haroldo e Armando-Haroldo. Neste segundo diálogo, Haroldo compromete-se a “disponibilizar uma parte”.

                Para a fraude, o artificialismo da competição foi desmascarado pelo representante legal da empresa Tears Equipamentos de Imagem, perdedora da licitação, Carlos Maia (fls. 1010-1013), destaca a denúncia. Carlos Maia, inquirido pela autoridade policial afirmou que houve diversas modificações nas cláusulas e anexos quando da republicação do edital, não deixando claros os preços que deveriam ser explicitados. Notou também uma predisposição da comissão da licitação e um tratamento não isonômico.

                A defesa de Armando Cash disse que a acusação não demonstrou que a desclassificação/inabilitação fora ilegal. No entanto, pela narrativa da denúncia quando da participação de Carlos Maia, evidencia-se que exigências absurdas foram obstáculos à lisura, à transparência para uma saudável competição.

                A defesa e Caio afirma que não participou da licitação, Paulo fora indicado por Armando para a comissão, não tendo praticado ato de ofício. Caio participou de atos tendentes e significativos no contexto para fraudar a competição quando pratica a corrupção. Diálogos entre Paulo-Haroldo, em 09.06.2012, captados pelo canal espião transcrito, revelam: “falando nisso, o Dr. Caio me perguntou sobre as especificações do equipamento” e “Vc entregou a eles aquele mimo que pedi para vc passar a eles?”. Caio praticou ato de ofício, conforme artigo 84, § 1º, da Lei 8.666/93, c/c artigo 327, § 1º, do CP.

                A defesa de Haroldo Silba sustentou a ausência de ajuste prévio e ausência de artificialismo na competição. Conforme ficou claro o diálogo interceptação em 09.06.2012 entre Paulo-Haroldo, evidencia-se o ajuste prévio e bem revelador do artificialismo como meio de fraudar o procedimento licitatório, corroborado pelo depoimento de Carlos Maia (fls. 1010-1013). A empresa Forceps adjudicou o objeto da licitação.

                Deste modo, resta a condenação dos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio no crime do artigo 317, do CP, com aumento de pena, por terem praticado ato com infringência do dever funcional, qual seja, cuidar dos interesses do Hospital Federal, também condeno-os pelo crime do artigo 90, da Lei 8.666/93, acrescido também da terça parte conforme o artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/93.

                Condeno também os réus Manuel Preste e Haroldo Silba nos crimes do artigo 333, do CP, c/c artigo 90, da Lei 8.666/93.

                II.2.5. Artigo 1º, da Lei 9.613/98

                Aplica-se o artigo 1º, da Lei 9.613/98, com a redação da Lei 12.683, de 09.07.2012, tendo em vista que as condutas dos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio não cessaram, conforme a interceptação telefônica captada em 19.08.2012, e a denúncia recebida em 23.06.2013.

                O alto grau de sofisticação estruturada pela conspiração dos réus Paulo, Armando, Caio e a participação de Manuel e Haroldo, contribuíram para a lavagem do dinheiro sujo. Os três primeiros colocaram, dissimularam e integraram o dinheiro recebido do Ministério da Saúde e da corrupção passiva dos dois últimos réus extraneus para fraudarem licitação.

                 A materialidade da ocultação e dissimulação da origem da propina que os réus Paulo, Armando e Caio colocaram o dinheiro através ocultação pela guarda física de vultuosas quantias, conforme autos de apreensão de fls. 874-887: na residência de Paulo, US$ 33.000,00; na residência de Armando, US$ 62.000,00, € 37.000, R$ 137.000,00, na casa de Caio, US$ 45.000,00 e € 15.000; obras de arte, relógios (auto de apreensão, fls. 972-974). Armando procurou dissimular a propriedade de barco de expressivo valor em nome da clínica de sua filha, posteriormente apreendido. Encontrados US$ 223.000,00 em conta nas Ilhas Cayman em nome da offshore PAC Discovered, de Paulo, Armando e Caio, conforme documentos.

                Ainda, a lavagem de dinheiros com a ocultação da origem dos valores com o depósito na conta de Raul realizado pela empresa Forceps por ter vencido a licitação. O dinheiro recebido do Ministério da Saúde era sacado custear a licitação, conforme degravação de interceptação telefônica entre Armando-Haroldo em 19.08.2012.

                Têm-se os tipos de lavagem: i) elaborada, com o reinvestimento criminoso em atividades legais, integrando o direito sujo, agora lavado, na compra de barco; ii) elementar: depósito em conta bancária da offshore PAC Discovered.

                O alto grau de estrutura organizada conspiratória para lavar o dinheiro sujo demonstra a vontade e consciência livre para a prática da ocultação e dissimulação de dinheiro e valores provenientes do Ministério da Saúde e da corrupção passiva.

                As condutas dos réus Paulo, Armando e Caio são típicas, incidindo no artigo 1º, da Lei 9.613/98: dissimularam e ocultaram os valores recebidos de crimes praticados em associação por outros dois réus. Utilizaram-se de atos escusos para lavar a origem dos valores recebidos, vertendo-os em posse de moeda estrangeira (dólares e euros) sem comprovante de câmbio e transações lícitas, propriedade de barcos registrado em nome de clínica da filha de Armando, obras de artes e relógios, a offshore PAC Discovered com conta nas Ilhas Cayman. Essas condutas são todas elas vedadas pelo ordenamento jurídico.

                A defesa de Armando Cash alega que: i) o dinheiro encontrado em sua casa é fruto de seu trabalho, e se há crime nisso, deveria ser imputado ao próprio Klaus, que o processaria por calunia e difamação; ii) não solicitou ou recebeu dinheiro e portanto não poderia lavar, se houvesse recebido, seria mero exaurimento do crime de corrupção; iii) que seus rendimentos são compatíveis com os declarados na Receita Federal; iv) se tivesse intenção de lavar, não teria utilizado a empresa da filha.

                As alegações de Armando não prosperam, pois: i) vultuosa quantia de dinheiro nacional e estrangeiro (dólares e euros), sem a respectiva documentação das transações, tal como determina o artigo 65, da Lei 9.069/95, artigo 1º, da Resolução n. 2.524/98, do CMN; ii) não há mero exaurimento do dinheiro recebido no crime de corrupção passiva, mas para a infração do dever funcional, portanto, há nítida distinção normativa; iii) não houve documentação demonstrando a origem dos bens apreendidos; iv) a empresa da filha foi uma das integrações utilizadas, nenhum documento foi apresentado e a empresa de sua filha não interpôs medidas processuais para reclamar a titularidade.

                A defesa do réu Caio Ohio alegou ausência de materialidade e autoria: i) guardar dinheiro em casa não é crime, não sendo o dinheiro encontrado fruto de seu trabalho, sendo o ônus da acusação; ii) o dinheiro encontrado em uma conta vinculada à offshore deve-se ao fato de em 2011, junto com outros médicos, inclusive o corréu Armando, decidiram pela aquisição de um equipamento de tomografia, orientação do despachando aduaneiro, sendo que a importação através de uma offshore reduziria a carga tributária, constituindo reserva de capital para última parcela do equipamento (documentos em anexo);

                As alegações de Caio Ohio não prosperam: i) a mesma fundamentação apresentada para refutar a defesa de Armando, per relationem; ii) por ser Hospital Federal, as aquisições devem ser precedidas de licitação, não cabendo reserva de capital, ainda mais para redução de carga tributária, tal alegação não implica em reconhecer erro de proibição, tendo em vista que o réu Caio solicitou e recebeu dinheiro para fraudar licitação onde o objeto era justamente para o fornecimento de equipamentos de diagnósticos por imagem.

                Portando, condeno os réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio no crime do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

 

                III. Dispositivo

                Julgo parcialmente a pretensão acusatória proposta pelo Ministério Público Federal para:

                a) rejeitar as preliminares arguidas pelas defesas, conforme fundamentadas;

                b) absolver os réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio do crime do artigo 135-A, do Código Penal;

                c) absolver o réu Armando Cash do crime do artigo 314, do CP, e aplicando o artigo 383, do CPP, para condená-lo no crime do artigo 347, do CP;

                d) condenar os réus Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Preste e Haroldo Silva no crime do artigo 288, do Código Penal;

                e) condenar os réus Paulo Bono, Armando Cash e Manuel Preste no crime dos artigos 313-A, 317, ambos do CP, em concurso material;

                f) condenar os réus Manuel Preste e Haroldo Silva no crime do artigo 333, do Código Penal;

                g) condenar os réus Paulo Bono, Armando Cash, Caio Ohio, Manuel Preste e Haroldo Silva, nos crimes do artigo 90, da Lei 8.666/93, e os três primeiros com aumento do artigo 84, § 2º, da Lei 8.666/93;

                h) homologar a colaboração premida do réu Paulo Bono, nos termos do artigo 4º, da Lei 12.850/13.

                Assim, passo à dosimetria da pena, conforme o artigo 68, do CP.

 

                IV. Dosimetria da pena

                IV.1. Paulo Bono

                A culpabilidade do réu Paulo Bono é exacerbada, considerando que é administrador, ocupa o cargo de gerente administrativo no Hospital Federal, sabia que não poderia cobrar nota promissória, conforme determina resolução da ANS, inseriu dados falsos no Sisus e Siges, solicitou e recebeu dinheiro para fraudar licitação, tudo mediante conspiração com outros funcionários públicos e empresários, e lavou o dinheiro sujo, carga negativa; antecedentes, não possui, sem carga; conduta social, não há mostras, sem carga; personalidade do réu é demasiada voltada para a criminalidade, atuou com indiferença ao próximo, sua vida particular estava desestruturada (busca e apreensão em veículo, inadimplência em condomínio), mesmo tendo conta nas Ilhas Cayman (US$ 223.000,00) e quantia em espécie em seu poder (US$ 33.000,00), carga negativa; motivos presentes são próprios do tipo, não havendo nenhum específico que tenha sido revelado, sem carga; circunstâncias e consequências, o réu valeu-se de sua condição de funcionário público para, violando seu dever, aproveitar de pessoas em estado de necessidade e exigir nota promissória para ser atendido, violando norma regulamentar da ANS, tudo isso contribuiu para a lavagem do capital, em associação com outros dois réus, funcionários públicos que ocupavam cargo de gerência, e ainda, inseriu dados falsos para conseguir dinheiro de órgão público, praticou corrupção ativa para fraudar licitação e lavar o dinheiro sujo, a prejudicar a prestação de serviços públicos, criar situação de insegurança pública, violar interesse da Administração pública, criar artificialismo em concorrência pública e causar abalo no sistema financeiro nacional, cargas negativas; comportamento da vítima é irrelevante, sem carga. Deste modo, as penas-bases devem ser: 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 2 anos de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 7 anos de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                Na segunda fase, agrava-se a pena em 1/6, pela incidência do artigo 61, II, g, do CP, chegando-se provisoriamente a pena de: 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 2 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos e 6 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 8 anos e 2 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                Na terceira fase, aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 1º do artigo 317, do CP, chegando-se a pena de 11 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 4º do artigo 1º, da Lei 9.613/98, chegando-se a pena de 10 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 2º do artigo 84, da Lei 8.666/93, chegando-se a pena de 4 anos e 8 meses de detenção. Os demais permanecem conforme a segunda fase, não definitivamente.

                Aplica-se o concurso material entre os crimes, chegando-se a pena de 32 anos e 4 meses de reclusão e 4 anos e 8 meses de detenção.

                Para a pena de multa, aplica-se o sistema bifásico, atendendo-se ao que estabelecido nos artigos 49 e 60, ambos do CP, e às circunstâncias judiciais e legais analisadas com carga negativa, fixo a pena de multa, exceto para o artigo 288, do CP, com a mesma base, a pena de 800 dias-multa.

                Há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Pedro Bono nos autos, conforme o dinheiro e bens obtidos com a atividade criminosa, utilizando-se de conspiração e prevalecendo-se do cargo publico, fixo o valor do dia-multa de 1/3 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, corrigindo-se monetariamente quando do pagamento.

                No entanto, considerando a colaboração do réu Paulo Bono ter tido eficácia, conforme os inciso II, III e IV do artigo 4º da Lei 12.850/13, é cabível a redução em 1/3 da pena aplicada, tornando-a definitiva em 21 anos e 8 meses a pena de reclusão e 3 anos e 8 meses de detenção e a pena de 800 dias-multa.

                O regime deve ser o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, a, do CP. Insubstituível as penas aplicadas, incabível a suspensão condicional da pena. Considerando que o réu respondeu o processo em liberdade, não infringindo nada além do que aqui já exposto, viável que recorra em liberdade. O réu deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.2. Armando Cash

                A culpabilidade do réu Armando Cash é exacerbada, considerando que é médico, ocupa o cargo de presidente no Hospital Federal, sabia que não poderia cobrar nota promissória, conforme determina resolução da ANS, deu apoio técnico para o réu Paulo Bono inserir dados falsos no Sisus e Siges, solicitou e recebeu dinheiro para fraudar licitação, tudo mediante conspiração com outros funcionários públicos e empresários, e lavou o dinheiro sujo, carga negativa; antecedentes, não possui, sem carga; conduta social, não há mostras, sem carga; personalidade do réu é demasiada voltada para a criminalidade, atuou com indiferença ao próximo, conta em instituição financeira nas Ilhas Cayman (US$ 223.000,00) e quantia em espécie em seu poder (US$ 62.000,00, € 37.000, R$ 137.000,00), utilizou-se da clínica da filha para dissimular propriedade (barco), carga negativa; motivos presentes são próprios do tipo, não havendo nenhum específico que tenha sido revelado, sem carga; circunstâncias e consequências, o réu valeu-se de sua condição de funcionário público para, violando seu dever, aproveitar de pessoas em estado de necessidade e exigir nota promissória para ser atendido, violando norma regulamentar da ANS, tudo isso contribuiu para a lavagem do capital, em associação com outros dois réus, funcionários públicos que ocupavam cargo de gerência e diretor clínico, e ainda, forneceu inteligência técnica para facilitar a inserção de dados falsos para conseguir dinheiro de órgão público, praticou corrupção ativa para fraudar licitação e lavar o dinheiro sujo, a prejudicar a prestação de serviços públicos, criar situação de insegurança pública, violar interesse da Administração pública, criar artificialismo em concorrência pública e causar abalo no sistema financeiro nacional, cargas negativas; comportamento da vítima é irrelevante, sem carga. Deste modo, as penas-bases devem ser: 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 1 ano e 3 meses de detenção a pena do artigo 347, do CP, 2 anos de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 7 anos de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                Na segunda fase, agrava-se a pena em 1/6, pela incidência do artigo 61, II, g, do CP, chegando-se provisoriamente a pena de: 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 2 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos e 6 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 8 anos e 2 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98; agrava-se a pena em 1/6, pela incidência do artigo 61, II, b, do CP, chegando-se provisoriamente a pena de 1 ano e 6 meses de detenção a pena do artigo 347, do CP.

                Na terceira fase, aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 1º do artigo 317, do CP, chegando-se a pena de 11 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 4º do artigo 1º, da Lei 9.613/98, chegando-se a pena de 10 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 2º do artigo 84, da Lei 8.666/93, chegando-se a pena de 4 anos e 8 meses de detenção. Os demais permanecem conforme a segunda fase, não definitivamente.

                Aplica-se o concurso material entre os crimes, chegando-se a pena de 31 anos e 11 meses de reclusão e 5 anos de detenção.

                Para a pena de multa, aplica-se o sistema bifásico, atendendo-se ao que estabelecido nos artigos 49 e 60, ambos do CP, e às circunstâncias judiciais e legais analisadas com carga negativa, fixo a pena de multa, exceto para o artigo 288, do CP, com a mesma base, a pena de 1.000 dias-multa.

                Há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Armando Cash nos autos, conforme o dinheiro e bens obtidos com a atividade criminosa, utilizando-se de conspiração e prevalecendo-se do cargo publico, fixo o valor do dia-multa de 1 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, corrigindo-se monetariamente quando do pagamento.

                O regime deve ser o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, a, do CP. Insubstituível as penas aplicadas, incabível a suspensão condicional da pena. Considerando que o réu respondeu o processo em liberdade, não infringindo nada além do que aqui já exposto, viável que recorra em liberdade. O réu deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.3. Caio Ohio

                A culpabilidade do réu Caio Ohio é exacerbada, considerando que é médico, ocupa o cargo de diretor clínico no Hospital Federal, sabia que não poderia cobrar nota promissória, conforme determina resolução da ANS, utilizou-se de seus conhecimentos técnicos para facilitar a inserção de dados falsos no Sisus e Siges, solicitou e recebeu dinheiro para fraudar licitação, tudo mediante conspiração com outros funcionários públicos e empresários, e lavou o dinheiro sujo, carga negativa; antecedentes, não possui, sem carga; conduta social, não há mostras, sem carga; personalidade do réu é demasiada voltada para a criminalidade, atuou com indiferença ao próximo, sua vida particular estava desestruturada (busca e apreensão em veículo, inadimplência em condomínio), mesmo tendo conta nas Ilhas Cayman (US$ 223.000,00) e quantia em espécie em seu poder (US$ 45.000,00, €15.000), carga negativa; motivos presentes são próprios do tipo, não havendo nenhum específico que tenha sido revelado, sem carga; circunstâncias e consequências, o réu valeu-se de sua condição de funcionário público para, violando seu dever, aproveitar de pessoas em estado de necessidade e exigir nota promissória para ser atendido, violando norma regulamentar da ANS, tudo isso contribuiu para a lavagem do capital, em associação com outros dois réus, funcionários públicos que ocupavam cargo de gerência, e ainda, inseriu dados falsos para conseguir dinheiro de órgão público, praticou corrupção ativa para fraudar licitação e lavar o dinheiro sujo, a prejudicar a prestação de serviços públicos, criar situação de insegurança pública, violar interesse da Administração pública, criar artificialismo em concorrência pública e causar abalo no sistema financeiro nacional, cargas negativas; comportamento da vítima é irrelevante, sem carga. Deste modo, as penas-bases devem ser: 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 2 anos de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 7 anos de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                Na segunda fase, agrava-se a pena em 1/6, pela incidência do artigo 61, II, b, do CP, chegando-se provisoriamente a pena de: 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 313-A, do CP, 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP, 2 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos e 6 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93, 8 anos e 2 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98.

                Na terceira fase, aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 1º do artigo 317, do CP, chegando-se a pena de 11 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 317, do CP; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 4º do artigo 1º, da Lei 9.613/98, chegando-se a pena de 10 anos e 10 meses de reclusão a pena do artigo 1º, da Lei 9.613/98; aumenta-se em 1/3, pela incidência do § 2º do artigo 84, da Lei 8.666/93, chegando-se a pena de 4 anos e 8 meses de detenção. Os demais permanecem conforme a segunda fase, não definitivamente.

                Aplica-se o concurso material entre os crimes, chegando-se a pena de 32 anos e 4 meses de reclusão e 4 anos e 8 meses de detenção.

                Para a pena de multa, aplica-se o sistema bifásico, atendendo-se ao que estabelecido nos artigos 49 e 60, ambos do CP, e às circunstâncias judiciais e legais analisadas com carga negativa, fixo a pena de multa, exceto para o artigo 288, do CP, com a mesma base, a pena de 800 dias-multa.

                Há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Pedro Bono nos autos, conforme o dinheiro e bens obtidos com a atividade criminosa, utilizando-se de conspiração e prevalecendo-se do cargo publico, fixo o valor do dia-multa de 1/3 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, corrigindo-se monetariamente quando do pagamento, tornando-a definitiva em 32 anos e 4 meses de reclusão, 4 anos e 8 meses de detenção e a pena de 800 dias-multa.

                O regime deve ser o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, a, do CP. Insubstituível as penas aplicadas, incabível a suspensão condicional da pena. Considerando que o réu respondeu o processo em liberdade, não infringindo nada além do que aqui já exposto, viável que recorra em liberdade. O réu deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.4. Manuel Preste

                A culpabilidade do réu Manuel Preste é exacerbada, considerando que é empresário, sócio de empresa que participou de licitação para fornecer equipamento de diagnóstico, sabia que não poderia fraudar licitação, nem praticar corrupção ativa aos funcionários públicos, utilizou-se de sua posição de empresário e poder aquisitivo para fraudar licitação, tudo mediante conspiração com outros funcionários públicos e empresários, carga negativa; antecedentes, possui condenação transitada em julgado em 20.12.2012, devendo ser considerada como agravante na segunda fase, sem carga; conduta social, não há mostras, sem carga; personalidade do réu é demasiada voltada para a criminalidade, atuou com indiferença ao próximo, associou-se a funcionários públicos para fraudar a competitividade de licitação, conspirou e corrompeu funcionários públicos, carga negativa; motivos presentes são próprios do tipo, não havendo nenhum específico que tenha sido revelado, sem carga; circunstâncias e consequências, o réu valeu-se de seu poder aquisitivo de sócio de empresa para, corrompendo-os, associar a funcionários públicos para fraudar licitação, a prejudicar a prestação de serviços públicos, criar situação de insegurança pública, violar interesse da Administração pública, criar artificialismo em concorrência pública, cargas negativas; comportamento da vítima é irrelevante, sem carga. Deste modo, as penas-bases devem ser: 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 333, do CP, 2 anos de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93.

                Para a segunda fase, deve-se aplicar o entendimento do TRF4R para a reincidência quando houver concurso de crimes, artigo 61, I, do CP, em 1/6, chegando-se a pena intermediária de: 8 anos e 11 meses de reclusão a pena do artigo 333, do CP, 2 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos e 6 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93.

                Aplica-se o concurso material entre os crimes, chegando-se a pena de 11 anos e 3 meses de reclusão e 3 anos e 6 meses de detenção.

                Para a pena de multa, aplica-se o sistema bifásico, atendendo-se ao que estabelecido nos artigos 49 e 60, ambos do CP, e às circunstâncias judiciais e legais analisadas com carga negativa, fixo a pena de multa em 600 dias-multa.

                Não há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Manuel Preste nos autos, fixo o valor do dia-multa de 1/4 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, corrigindo-se monetariamente quando do pagamento, tornando-a definitiva em 11 anos e 3 meses de reclusão, 3 anos e 6 meses de detenção e a pena de 600 dias-multa.

                O regime deve ser o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, a, do CP. Insubstituível as penas aplicadas, incabível a suspensão condicional da pena.

                Considerando que o réu respondeu o processo em liberdade, está foragido, não atendeu o chamado do Poder Judiciário, cometeu crime contra Administração Pública, é reincidente, é de rigor a decretação de sua prisão preventiva. O réu deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                IV.5. Haroldo Silba

                A culpabilidade do réu Haroldo Silba é exacerbada, considerando que é empresário, sócio de empresa que participou de licitação para fornecer equipamento de diagnóstico, sabia que não poderia fraudar licitação, nem praticar corrupção ativa aos funcionários públicos, utilizou-se de sua posição de empresário e poder aquisitivo para fraudar licitação, tudo mediante conspiração com outros funcionários públicos e empresários, carga negativa; antecedentes, possui condenação transitada em julgado em 20.12.2012, devendo ser considerada como agravante na segunda fase, sem carga; conduta social, não há mostras, sem carga; personalidade do réu é demasiada voltada para a criminalidade, atuou com indiferença ao próximo, associou-se a funcionários públicos para fraudar a competitividade de licitação, conspirou e corrompeu funcionários públicos, carga negativa; motivos presentes são próprios do tipo, não havendo nenhum específico que tenha sido revelado, sem carga; circunstâncias e consequências, o réu valeu-se de seu poder aquisitivo de sócio de empresa para, corrompendo-os, associar a funcionários públicos para fraudar licitação, a prejudicar a prestação de serviços públicos, criar situação de insegurança pública, violar interesse da Administração pública, criar artificialismo em concorrência pública, cargas negativas; comportamento da vítima é irrelevante, sem carga. Deste modo, as penas-bases devem ser: 7 anos e 8 meses de reclusão a pena do artigo 333, do CP, 2 anos de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93.

                Para a segunda fase, deve-se aplicar o entendimento do TRF4R para a reincidência quando houver concurso de crimes, artigo 61, I, do CP, em 1/6, chegando-se a pena intermediária de: 2 anos e 4 meses de reclusão a pena do artigo 288, do CP, 3 anos e 6 meses de detenção a pena do artigo 90, da Lei 8.666/93. Em relação ao crime de corrupção, o réu confessou, devendo esta ser compensada com a agravante da reincidência seguir com a pena-base.

                Na terceira fase, não há circunstâncias legais.

                Aplica-se o concurso material entre os crimes, chegando-se a pena de 10 anos de reclusão e 3 anos e 6 meses de detenção.

                Para a pena de multa, aplica-se o sistema bifásico, atendendo-se ao que estabelecido nos artigos 49 e 60, ambos do CP, e às circunstâncias judiciais e legais analisadas com carga negativa, fixo a pena de multa em 600 dias-multa.

                Não há elementos suficientes para se aferir a situação econômica do réu Manuel Preste nos autos, fixo o valor do dia-multa de 1/4 do salário-mínimo vigente à época dos fatos por dia de multa fixado, corrigindo-se monetariamente quando do pagamento, tornando-a definitiva em 10 anos de reclusão, 3 anos e 6 meses de detenção e a pena de 600 dias-multa.

                O regime deve ser o inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, a, do CP. Insubstituível as penas aplicadas, incabível a suspensão condicional da pena.

                Considerando que o réu respondeu o processo em liberdade, está foragido, não atendeu o chamado do Poder Judiciário, cometeu crime contra Administração Pública, é reincidente, é de rigor a decretação de sua prisão preventiva. O réu deve entregar o passaporte, na forma do artigo 320, do CPP.

 

                V. Disposições finais

                As últimas instruções desta sentença:

                a) deixo de aplicar o artigo 91, I, do CP, e o artigo 387, IV, do CPP, por não haver pedido expresso. No entanto, nada impede que os prejudicados busquem por meio próprio, a indenização no cível;

                b) oficiar o órgão da classe médica para providências relativas aos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio, pela violação à Resolução Normativa n. 44, de 24.07.2003;

                c) oficiar ao órgão da Administração Pública ao qual o Hospital Federal está vinculado, para proceder conforme ao artigo 92, I, a e b, do CP, relativamente aos réus Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio;

                d) decreto o confisco, nos termos do artigo 91, II, b, c/c § 1º, do CP, dos bens dos réus depositados na instituição financeira nas Ilhas Cayman, devendo a mesma para depositar os valores da offshore dos réus, e deve ser perdido em favor da União;

                f) perda, em favor da União, do produto e quaisquer direitos e valores e vantagens auferidos com o crime, nos termos do artigo 7º, I, da Lei 9.613/98;

                g) com o trânsito em julgado, proceda-se conforme o artigo 122, 133, do CPP, dos bens de Paulo Bono, Armando Cash e Caio Ohio que foram apreendidos;

                h) pagamento de custas processuais e despesas processuais, nos termos do artigo 804, do CPP;

                i) com o trânsito em julgado, lançar o nome dos réus no rol dos culpados, comunicando aos órgãos de segurança, informando as restrições, v. g., eleitoral, nos termos do artigo 72, do Código Eleitoral, para o cumprimento do artigo 15, III, da CF/88, registro de antecedentes criminais aos órgãos dos dados criminais, bem como para fins de estatística, conforme o artigo 809, do Código de Processo Penal.

                Publique-se na íntegra. Registre-se. Intimem-se.

                Local e data.

                Juiz Federal Substituto.

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