No ano de 2005, força-tarefa instalada no estado do Tocantins, integrada pelo INSS, pelo Departamento de Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, com a finalidade de apurar e combater delitos perpetrados contra o sistema da seguridade social, recebeu denúncia anônima a respeito da existência, na sede do INSS da capital desse estado, de um esquema de favorecimento de empresas mediante a obtenção fraudulenta de certidões negativas de débito (CNDs) e(ou) de certidões positivas com efeito de negativas (CPENs), no qual estariam envolvidos o procurador federal Dimas Nogueira, que tinha a seu cargo as execuções fiscais naquela capital, o servidor da justiça federal Jônatas Araújo, o despachante José Fonseca e algumas empresas ali sediadas, entre elas, o Frigorífico Bom Conselho Ltda. e o Supermercado Santa Cruz Ltda., pertencentes ao mesmo grupo econômico.
De acordo com a denúncia anônima, Dimas Nogueira utilizava-se do cargo de procurador federal para favorecer, em processos administrativos, empresas devedoras de contribuições previdenciárias, o que fazia por meio da emissão de pareceres que ensejavam o recebimento de recursos com efeito suspensivo, ao que se seguia a consequente emissão de CPEN, que, expressando regularidade fiscal, propiciava às empresas a participação em licitações, bem como por meio da emissão indevida de CND, em troca das quais recebia quantias em dinheiro, depositadas em contas de terceiros, a título de remuneração de supostos serviços prestados, e, depois, repassadas ao procurador.
Ainda conforme a denúncia, o Frigorífico Bom Conselho Ltda., devedor de altas somas ao INSS, obtivera indevidamente a título de compensação de créditos com a autarquia, decorrentes de processos judiciais ainda em curso em primeiro grau , nos meses de janeiro de 2003, agosto de 2003 e junho de 2004, CNDs liberadas pelo procurador; e o Supermercado Santa Cruz Ltda., igualmente devedor contumaz do INSS, obtivera, por meio de parecer emitido pelo mesmo procurador, visando à subida de um recurso administrativo da empresa anteriormente negado pelo serviço de arrecadação do INSS, por falta de fundamentação legal , a suspensão da exigibilidade do crédito e, em consequência, a emissão de CPENs.
Foi instaurado inquérito policial, instruído com várias peças administrativas remetidas, em caráter reservado, pelo INSS da capital do estado cópias de CNDs, emitidas e de CPENs autorizadas pelo procurador, bem como de pareceres por ele exarados em processos do interesse das referidas empresas , e, dada a gravidade dos fatos denunciados, o juiz da 10.ª Vara Federal de Palmas TO, a pedido da autoridade policial, deferiu, fundamentadamente, em 3/10/2005, a interceptação telefônica das pessoas físicas e jurídicas citadas, tendo concedido prorrogação das escutas, várias vezes: em 18/10/2005, 2/11/2005, 17/11/2005, 17/12/2005, 23/1/2006, 20/2/2006, 11/6/2006, 23/7/2006, 20/8/2006, 6/9/2006, 7/10/2006 e 5/11/2006 em razão de movimento paredista dos policiais federais, houve suspensão das escutas no período de 11/3/2006 a 10/6/2006.
Nas gravações telefônicas efetuadas até 2/12/2005 mercê das prorrogações concedidas, com fundamentação, até essa data , registra-se, em diálogo entre o procurador federal e o advogado das duas sociedades limitadas, Antônio Câmara, que, pela emissão das CNDs, nos meses de janeiro de 2003, agosto de 2003 e junho de 2004, o procurador receberia do Frigorífico Bom Conselho Ltda., em cada operação, a quantia de R$ 15.000,00, que seria depositada na conta bancária (agência 25 do Banco Pantanal S.A., em Palmas TO) da empresa Butique de Carnes Exóticas Ltda., do mesmo grupo empresarial. Consta das mesmas gravações que, pela emissão de quatro pareceres referentes à subida de recursos administrativos do Supermercado Santa Cruz Ltda. que implicaram a suspensão administrativa da exigibilidade do crédito tributário de R$ 500.000,00 e a emissão das correspondentes CPENs , receberia o procurador federal, na mesma sistemática, a quantia de R$ 80.000,00.
Está registrado, ainda, nas interceptações telefônicas efetuadas, a partir de 18/12/2005, com ordem judicial prorrogadas por mero despacho Defiro a prorrogação. Prossiga-se. que Jônatas Araújo, técnico judiciário que chefiava o setor de protocolo e distribuição da Justiça Federal de Palmas TO, prometera, por quatro vezes, ao advogado das mencionadas sociedades à alegação de que mantinha relacionamento amoroso com uma assessora do juiz interferir junto à 15.ª Vara Federal daquela seccional para que o magistrado determinasse, em execução fiscal contra o frigorífico, a expedição de CPEN, sob o fundamento de que dera em segurança do juízo títulos da dívida pública federal expedidos em 1950 e avaliados pela Fundação Getúlio Vargas. Consta das gravações, ademais, conversa entre o servidor e o advogado, na qual o primeiro afirma que somente trabalharia para o segundo mediante pagamento adiantado, tendo este dito, em resposta, que já pagara adiantado outras vezes, sem ter obtido o resultado esperado.
Pelas gravações telefônicas efetuadas entre 3/10/2005 e 2/12/2005, constatou-se, ainda, que um dos elementos mais ativos dos delitos era José Fonseca, despachante com grande prestígio profissional e muitos contatos na capital, que estabelecia a conexão entre as sociedades limitadas mencionadas e o procurador federal, via de regra, por intermédio de Antônio Câmara, advogado das sociedades, recebendo, em contrapartida, comissões das duas partes. O despachante trabalhava com a participação ativa de um ajudante, Rudá Monteiro, estudante de 17 anos, casado e pai de dois filhos.
Constatou-se que os valores devidos ao procurador federal, que não tinha licença para advogar, eram depositados na conta bancária (agência 25 do Banco Pantanal S.A) da empresa Butique de Carnes Exóticas Ltda., tendo sido repassados ao interessado, na condição de diretor do Rotary Clube, a título de empréstimo, R$ 100.000,00, sem nenhuma garantia, e R$ 25.000,00, a título de pagamento por serviços de assessoria jurídica, tudo com o conhecimento e participação de Daniel Alves, gerente da mencionada agência bancária e cunhado de Antônio Câmara.
Em diligência de busca e apreensão realizada em razão da investigação das pessoas citadas, foram apreendidos vários documentos: na residência do procurador federal, Dimas Nogueira, uma anotação, de próprio punho, feita em agenda pessoal, com autenticidade confirmada, acerca dos honorários que receberia do frigorífico e do supermercado, no valor de R$ 50.000,00 e de R$ 70.000,00, respectivamente; na residência do servidor federal Jônatas Araújo, dois cartões de visita de Antônio Câmara e uma agenda oferecida como brinde pelo escritório desse advogado; na residência de José Fonseca, o despachante, extratos bancários emitidos pela Caixa Econômica de Tocantins, que registravam depósitos de valores correspondentes a 20% das quantias recebidas por Dimas Nogueira, em datas compatíveis com as operações bancárias realizadas pelo procurador, uma agenda com anotações pessoais, entre as quais consta o registro de diversos serviços de despachante prestados ao escritório de advocacia de Antônio Câmara, incluindo-se o de obtenção de CNDs e CPENs em nome de várias sociedades empresárias, entre elas, o Frigorífico Bom Conselho Ltda. e o Supermercado Santa Cruz Ltda., e uma procuração particular, com amplos poderes, para que o despachante as representasse perante as repartições públicas em geral.
Em perícia efetuada, por ordem judicial, no computador pessoal de Antônio Câmara, verificou-se o registro de agendamento de audiências com o procurador federal, em janeiro de 2003, em setembro de 2003, em maio de 2004 e em agosto de 2004, tendo duas dessas audiências, conforme anotações registradas pelo advogado na agenda eletrônica, versado sobre a emissão de certidões de regularidade fiscal das empresas que representava. Nos arquivos eletrônicos, entre peças processuais, foram encontrados memorandos encaminhados pelo advogado às referidas sociedades Frigorífico Bom Conselho Ltda. e Supermercado Santa Cruz Ltda., nos quais solicitava depósitos na conta bancária da empresa Butique de Carnes Exóticas Ltda., registrada no Banco Pantanal S.A., a título de serviços jurídicos prestados pelo procurador federal.
Ouvidos no inquérito policial, o procurador federal, o advogado e o servidor público negaram as imputações, tendo afirmado o primeiro que os valores recebidos originavam-se de empréstimo solicitado ao Banco Pantanal S.A. e de pagamento por serviços de assessoria jurídica prestados. O despachante afirmou que exercia atividades lícitas, recebendo por elas a devida retribuição, e negou ter exercido corretagem de atividades ilícitas, embora admitisse conhecer, de longa data, o procurador federal e o advogado. Entretanto, Rudá Monteiro, ajudante do despachante, confessou toda a atividade ilícita evidenciada nas gravações, inclusive a relacionada à emissão de outras CNDs e CPENs, ressalvando que supunha, em razão da pouca idade e pelo porte profissional do despachante, que se tratava de atividade lícita. O gerente bancário confirmou o empréstimo a Dimas Nogueira, afirmando que a ausência de garantia se devera à condição de cliente especial conferida ao procurador, tal como sucedia com outros clientes.
Findo o inquérito, a denúncia foi oferecida, tendo sido Dimas Nogueira, procurador federal, considerado o arquiteto da trama criminosa, acusado dos crimes previstos nos arts. 288 (formação de quadrilha) e 317, § 1.º (corrupção passiva), c/c o previsto no art. 29, todos do Código Penal, e, ainda, no crime previsto no art. 1.º, V e VI, da Lei n.º 9.613/1998 (lavagem de capitais). Pediu-se-lhe, também, a perda do cargo público.
A Jônatas Araújo, servidor da justiça federal, foi imputado o crime previsto no art. 332 do Código Penal (tráfico de influência).
José Fonseca, o despachante, e seu ajudante, Rudá Monteiro, foram acusados dos crimes previstos nos arts. 288 e 333 (corrupção ativa), c/c o previsto no art. 29, todos do Código Penal.
Antônio Câmara, advogado das sociedades empresárias, foi incurso nos crimes previstos nos arts. 288 e 333, c/c o previsto no art. 29, todos do Código Penal, bem como no previsto no art. 1.º, V e VI, da Lei n.º 9.613/1998.
A Daniel Alves, gerente do banco, foram imputados os crimes previstos nos arts. 288 e 333, c/c o previsto no art. 29, todos do Código Penal, e, ainda, o previsto no artigo 1.º, V e VI, da Lei n.º 9.613/1998.
A denúncia foi instruída, também, com peças de processo administrativo instaurado, no âmbito do INSS, para apurar a conduta do procurador federal, um dos responsáveis pelas execuções fiscais contra as referidas sociedades, havendo-se concluído pela insuficiência de provas para a aplicação de penalidade administrativa. Recebida a denúncia após a defesa escrita de todos os acusados , sobrevieram a audiência de instrução e julgamento e o interrogatório, tendo todos os acusados repetido as versões do inquérito. Na prova oral, Torquato Vieira, um dos gerentes de núcleo do banco, arrolado pela denúncia, afirmou que constantemente ouviam-se rumores de que o gerente Daniel Alves mantinha negócios não esclarecidos com Antônio Câmara, seu advogado. Oficiado o banco para que remetesse ao juízo os comprovantes dos serviços prestados e do empréstimo feito ao procurador, não houve resposta. A instrução demonstrou que todos os acusados são tecnicamente primários, excetuando-se o despachante, José Fonseca, já anteriormente condenado, em sentença definitiva, por corrupção ativa, e com outro registro condenatório, pendente de recurso, pelo crime de exploração de prestígio.
Em alegações finais, o Ministério Público Federal reiterou os termos da denúncia, confortada pelas provas documentais e orais, pedindo, ainda, que o procurador fosse responsabilizado pelo respectivo crédito tributário em razão das CNDs expedidas em fraude.
A defesa de todos os acusados arguiu a nulidade da investigação sob o argumento de ter sido ela baseada em denúncia anônima, em flagrante afronta ao texto constitucional, bem como de as interceptações telefônicas terem sido autorizadas, em grande parte, pelo prazo de trinta dias e sem a devida justificação mediante meros despachos de prorrogação , contrariamente ao que dispõem a lei de regência e a jurisprudência, em ostensiva violação das garantias constitucionais e do devido processo legal. No mérito, pediu a absolvição dos réus por insuficiência de provas, tendo o acusado Rudá Monteiro pedido a aplicação, na hipótese de sua condenação, da atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal.
Sem mais diligências, os autos foram conclusos para a sentença.
Em face dos fatos hipotéticos anteriormente apresentados, prolate a respectiva sentença, com base nos requisitos previstos no art. 381 do Código de Processo Penal (exceto o do inciso VI), examinando e decidindo todas as questões manejadas pelas partes.
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QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA