Tício e Caio, que estão na faixa dos 40 anos de idade, são brasileiros e formam uma união estável homoafetiva. São domiciliados na Itália, onde trabalham. Desejam adotar a adolescente Talita, brasileira com 14 anos de idade, cujos pais foram destituídos do poder familiar e hoje vive em um abrigo nesta cidade do Rio de Janeiro.
Questões:
1) é possível tal adoção?
2) A mesma seria nacional ou internacional?
3) Caso possível a adoção, descreva o procedimento a ser adotado;
4) No encontro entre as partes, a equipe técnica do Juízo constatou uma perfeita empatia entre os candidatos à adoção e a adolescente. Por isso, e considerando que os pretendentes precisam retornar ao trabalho, poderiam eles obter a guarda provisória da adolescente e a levar para a Itália enquanto aguardam o desfecho do processo de adoção?
Nos termos do art. 51 do ECA, considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto na Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional; é modalidade de adoção excepcional, que somente terá lugar quando não for possível a colocação em família substituta residente ou domiciliada no Brasil e apenas se o local de residência dos adotantes for, assim como o Brasil, ratificante da mencionada Convenção.
Desse modo, embora o casal Tício e Caio sejam brasileiros, por terem residência na Itália, será considerado o processo adotivo como adoção internacional, e, na forma do § 1º do art. 51 do ECA, somente terá lugar quando comprovado que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 da mesma lei e que, em se tratando de adoção de adolescente (pessoa em desenvolvimento entre 12 e 18 anos, conforme previsto no ECA), este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1ºe 2º do art. 28 da mesma lei.
O casal estrangeiro terá que se habilitar perante a Autoridade Central do país de residência, no caso, a Itália, que será responsável por elaborar um dossiê a respeito deles para ser encaminhado ao Brasil e instrumentalizar o pedido de adoção. O casal interessado escolherá um estado brasileiro para onde deverá ser encaminhado o dossiê, através de organismos estrangeiros credenciados para atuar no Brasil ou pela via governamental, entre a Autoridade Central Estrangeira e a Autoridade Central Administrativa Federal, sendo que deverão ser traduzidos os documentos em língua estrangeira por tradutor público juramentado.
As comissões estaduais deverão atuar desde a fase que antecede o estágio de convivência, que deverá ser mínimo de 30 dias, nos termos do § 3º do art. 46 do ECA, até pelo menos 2 anos após a adoção das crianças e adolescentes, que terão residência no país de acolhida.
Atualmente, também é possível que o adotante estrangeiro requeira seu cadastramento no Cadastro Nacional de Adoção do CNJ.
Deve-se acrescentar que, no caso, também está preenchido o requisito legalmente previsto no § 3º do art. 46 do ECA para adoção no que diz respeito à diferença de idade mínima de 16 anos entre os adotantes e o adotado; e também comprovado o indispensável requisito de que sejam os adotantes casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família, para que seja deferida a adoção conjunta (§ 2º do art. 46 do ECA).
A homossexualidade do casal também não representa obstáculo ao deferimento da adoção, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça, em decisão que fez consagrar o princípio da igualdade e que se deva somente demonstrar condições ao desenvolvimento sadio da criança ou do adolescente no ambiente familiar, independentemente da orientação sexual dos adotantes.
Finalmente, é necessário ao menos o cumprimento do tempo de estágio de convivência no Brasil, podendo ser autorizada a viagem da criança ou adolescente ao exterior, acompanhada pelos adotantes, antes do trânsito em julgado do procedimento.
A questão foi respondida de forma perfeita, com redação clara, linguagem correta, abordando todos os questionamentos de forma completa. Ainda, houve menção da legislação, inclusive internacional, no que concerne o tema, bem como o entendimento dos Tribunais Superiores. Parabéns, nota 10!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
18 de Maio de 2018 às 17:08 Bonfília disse: 0
A questão foi respondida de forma bastante completa, com clareza, organização e respeitando as regras gramaticais.
Quanto aos três primeiros questionamentos a resposta está excelente e completamente correta, com fundamento na legislação, na jurisprudência e resolução do CNJ.
Entretanto, quanto ao último questionamento, a resposta não seguiu o entendimento do examinador deste concurso. Com efeito, apesar de existirem entendimentos no sentido de ser possível, com base no princípio do melhor interesse da criança, o deferimento da guarda provisória após o estágio de convivência, o examinador deste concurso entendeu que a guarda provisória não é medida cabível em sede de procedimento de adoção internacional. Como parece que o concurso não publicou o espelho de correção, não foi possível saber a fundamentação usada pelo examinador. Mas para a correção não ficar sem fundamento, vale ressaltar que o artigo 31 do ECA é expresso em somente admitir colocação em família substituta estrangeira na modalidade de adoção. Além disso, o artigo 33, parágrafo 1o do mesmo diploma legal admite a guarda para regular posse de fato nos procedimentos de tutela e adoção, mas exclui de forma expressa o deferimento de referida medida na adoção por estrangeiros.
Portanto, levando-se em consideração a vedação do ECA quanto à guarda provisória no procedimento de adoção para estrangeiros, bem como diante da falta de entendimento consolidado na jurisprudência dos Tribunais quanto ao deferimento de tal medida, parece-me mais prudente defender, em prova de concurso, não ser possível o deferimento da guarda provisória, principalmente se o examinador não tem artigos publicados defendendo essa possibilidade ou decisões deferindo tal medida. Nota 8 por causa do último item da questão, mas, de qualquer forma, a resposta ficou muito boa.