Em uma Comarca de juízo único, o Promotor de Justiça, preocupado com muitos menores que perambulam e bebem pelas ruas à noite, requereu ao Juiz de Direito a expedição de portaria visando ao recolhimento de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis, após as 22 horas, ou na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas. Como o candidato decidiria tal pleito à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente?
Conforme mandamentos constitucionais e legais (art. 227 e ss, da CF e art. 1º e ss, do ECA), compete à família, comunidade, sociedade e ao Estado colocar a salvo crianças e adolescentes de toda forma de negligência, além de assegurar diversos direitos fundamentais.
A par disso, a autoridade judiciária detêm poder normativo/disciplinar a tutelar os infantes em atividades e locais que possam ser prejudiciais a seu desenvolvimento, conforme art. 149, ECA. Contudo, tal poder é adstrito às hipóteses previstas no ordenamento protetivo, sendo defeso determinações de caráter geral e abstrato - §2º, do referido artigo.
Dessa forma, o requerimento de diversas restrições de direitos pelo membro do parquet não encontram sustentação normativa e acabam por ferir garantias fundamentais dos próprios infantes, notadamente à liberdade de locomoção (art. 16, ECA).
Em que pese a boa intenção, e o fato de as medidas serem até mesmo salutares à proteção dos infantes, a expedição de uma portaria nesse sentido extrapolaria o poder disciplinar (e concreto) deferido aos magistrados, causando indevida interferência em matéria que deveria ser implementada por meio de Lei, função esta do poder legislativo e não do judiciário.
Assim, pelo breve exposto, decidiria pelo indeferimento do requerimento pleiteado.
Perfeito, cara. Pra complementar, essa posição que você defendeu também já foi adotada pelo STJ:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. PORTARIA
EDITADA POR JUÍZO DA COMARCA. RESTRIÇÃO DO DIREITO DE PERMANÊNCIA E
LOCOMOÇÃO DE MENORES DESACOMPANHADOS DOS PAIS OU RESPONSÁVEL LEGAL
EM RUAS E LOGRADOUROS PÚBLICOS. NORMA DE CARÁTER GENÉRICO, ABSTRATA
E SEM FUNDAMENTAÇÃO. ART. 149 DO ECA. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. O entendimento firmado em ambas Turmas que compõem a Primeira
Seção desta Corte Superior é no sentido de que "é preciso delimitar
o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do
Poder Legislativo sobre a matéria" (HC 207.720/SP, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, Segunda Turma, DJ de 23/2/12).
2. "Nos termos do art. 149 do ECA (Lei n. 8.069/1990), a autoridade
judiciária pode disciplinar, por portaria, a entrada e permanência
de criança ou adolescente desacompanhados dos pais ou responsáveis
nos locais e eventos discriminados no inciso I, devendo essas
medidas ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de
caráter geral, ex vi do § 2º" (REsp 1.292.143/SP, Rel. Min. TEORI
ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe de 21/6/12).
3. Na caso em exame, a Portaria 17/04-DF que instituiu horário
máximo de permanência de menores desacompanhados dos pais ou
responsável legal nas ruas da Comarca de Itaporã/MS é de caráter
geral, abstrata e sem nenhuma fundamentação de sua necessidade,
razão pela qual não deve subsistir, por ofensa ao art. 149 do ECA.
4. Ordem concedida para declarar a ilegalidade da Portaria
017/2004-DF, de 5/5/04, editada pelo Juízo da Única Vara da Comarca de Itaporã/MS.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA