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26 de Fevereiro de 2016 Sentenças e Acórdãos · Direito Administrativo
Sentença - Direito Administrativo 001: responsabilidade estatal. Acidente de militar em serviço

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE JATAÍ


Processo N° 0000512-50.2012.4.01.3507 - VARA ÚNICA DE JATAÍ


SENTENÇA


1. RELATÓRIO


Valdivino Borges da Silva ajuizou a presente ação contra a União Federal. Alega que era militar e se acidentou em serviço em 2005, o que o levou a uma cirurgia ortopédica. Em 2007, mesmo com parecer médico para que fosse afastado de atividades físicas, foi obrigado a participar da Ordem Unida e novamente se machucou, o que causou lesão irreversível. Por isso, pede condenação em danos físicos e morais.

A União contestou, alegando ausência de causa de pedir, falta de pedido e prescrição. No mérito, diz que a condenação em danos morais de ente público não é de ordem objetiva.

Sem pedidos de produção de prova, passo a decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO


a) Ausência de causa de pedir e falta de pedido


Ao contrário do que alega a ré, a causa de pedir está presente. Segundo o autor, é a conduta da ré de obrigar o autor a participar de uma atividade física quando ele tinha indicação médica para não participar. Quanto ao pedido, ele ficou claro: indenização por danos físicos e morais.

Rejeito tais preliminares.


b) Prescrição


Não há prescrição no presente caso. A prescrição de prestações contra a Fazenda Pública se dá em cinco anos, conforme Decreto 20.910/1932. Conforme jurisprudência reiterada, por se tratar de norma especial, o Decreto em questão afasta a aplicação de outras normas que tratam da prescrição.

Segundo consta nos autos, o acidente que vitimou o autor se deu durante a Parada Diária do dia 21 de março de 2007 (fl. 39). Como ele ingressou com a ação em 01/03/2012, não transcorreu o prazo de cinco anos e não ocorreu a prescrição.


c) Mérito


No mérito, entendo que a razão está com o autor.

É certo que, em princípio, não cabe indenização por danos morais quando um militar se fere durante suas atividades usuais. Porém, o presente caso foge à regra. Isso porque o autor foi examinado pelo serviço médico do próprio Exército em 08 de março de 2007, tendo sido exarado o seguinte parecer (fl. 148 – destaquei):


Apto para o serviço do Exército, com recomendações. Convém ser dispensado de esforços físicos, serviço armado e atividades operacionais por 30 (trinta) dias, a contar de 11 mar. 07, com término em 09 abr. 07.


A sindicância levada a cabo pelo Exército concluiu que o acidente que vitimou o autor se deu em serviço, sendo que o autor se acidentou “no exercício de suas atribuições funcionais, quando realizava movimentos de ordem unida durante a parada diária do dia 21 de março de 2007” (fl. 39).


Segundo o Manual de Campanha C 22-5 – Ordem Unida, 3ª edição, 2000, aprovado pela Portaria nº 079-EME, de 13 de julho de 2000, do Estado-Maior do Exército, assim é conceituada a Ordem Unida (destaquei):


A Ordem Unida se caracteriza por uma disposição individual e consciente altamente motivada, para a obtenção de determinados padrões coletivos de uniformidade, sincronização e garbo militar. Deve ser considerada, por todos os participantes – instrutores e instruendos, comandantes e executantes – como um significativo esforço para demonstrar a própria disciplina militar, isto é, a situação de ordem e obediência que se estabelece voluntariamente entre militares, em vista da necessidade de eficiência na guerra.


O mesmo Manual diz que constitui um dos objetivos da Ordem Unida (item 1.4, e):


Possibilitar, consequentemente, que a tropa se apresente em público, quer nas paradas, quer nos simples deslocamentos de serviço, com aspecto enérgico e marcial.


O item 1.7 do Manual é bem claro (destaquei):


Através da Ordem Unida, a tropa evidencia, claramente, os quatro índices de eficiência:

(1) moral - pela superação das dificuldades e determinação em atender aos comandos,

apesar da necessidade de esforço físico;

(2) disciplina - pela presteza e atenção com que obedece aos comandos;

(3) espírito de corpo - pela boa apresentação coletiva e pela uniformidade na prática de exercícios que exigem execução coletiva; e

(4) proficiência - pela manutenção da exatidão na execução.


Ora, fica claro que, ao determinar ao autor que ele deveria participar da Ordem Unida, a qual exige esforço físico e prática de exercícios, conforme Manual do próprio Exército, o comando da unidade ignorou o parecer médico e colocou o autor deliberadamente em risco. Não se tratou de acidente normal das atividades militares, porque o autor não estava em suas condições normais, de acordo com a avaliação do serviço médico do Exército. A situação normal seria o autor ter sido colocado para executar tão somente tarefas que não demandassem esforço físico.


Nota-se, assim, que houve uma ação estatal, qual seja a determinação do comando da unidade militar para que o Cabo Valdivino Borges da Silva participasse de uma atividade que envolve esforço físico, conforme Manual do próprio Exército. Houve um dano ao autor, conforme farta documentação acostada aos autos, dano esse que levou à sua incapacidade definitiva para o serviço do Exército (fl. 20). Esse dano foi causado pela atividade física à qual o autor foi submetido em 21/03/2007, durante suas atividades militares, conforme conclusão da sindicância movida pelo próprio Exército (fl. 39). Logo, há uma ação, um dano e um nexo de causalidade. Mas, não se trata de responsabilização objetiva, já que ficou demonstrado que o autor tinha parecer médico do Exército no sentido de não poder ser submetido a atividades físicas no período em que sofreu a lesão, mas mesmo assim o comando da unidade decidiu não poupá-lo da Ordem Unida. Isso revela uma ação imprudente, sem a cautela recomendável para a situação do autor. Sendo a ação culposa, tem-se a incidência da responsabilidade subjetiva.


Provado o nexo causal entre os danos sofridos pelo autor e a conduta do comando da unidade militar, bem como o caráter culposo da ação, resta caracterizado o direito à indenização. Isso porque é inegável que a exclusão do serviço militar após anos de carreira, impondo ao autor a necessidade de recomeçar sua vida profissional, com as restrições causadas por uma lesão definitiva no joelho, causa uma angústia e um sofrimento emocional exacerbados, que vão além dos meros dissabores do cotidiano.


E nem se fale que a existência de lei específica para a carreira militar afasta o direito à indenização, pois esse argumento já foi rejeitado pelos tribunais, conforme se vê abaixo (destaquei):


ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. VERIFICAÇÃO DE EXISTÊNCIA DO DANO E REVISÃO DO QUANTUM ESTABELECIDO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. LEI ESPECÍFICA (LEI 6.880/80) PARA ATIVIDADE MILITAR NÃO ISENTA A RESPONSABILIDADE DO ESTADO EM DANOS MORAIS. 1. O acórdão recorrido

baseou-se em argumentos de natureza eminentemente fática para fixar a existência do dano moral e fixar o valor da indenização. Nesse caso, a análise da pretensão da recorrente exigiria que se reexaminasse o conjunto probatório dos presentes autos. A pretensão de simples reexame de provas, além de escapar da função constitucional deste Tribunal, encontra óbice na Súmula 7/STJ, cuja incidência é induvidosa no caso sob exame. 2. Ademais, esta Corte tem jurisprudência pacífica no sentido de que a existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei 6.880/80) não isenta a responsabilidade do Estado, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, em danos morais causados a servidor militar em decorrência de acidente sofrido durante o serviço, como é o caso dos autos. Agravo regimental improvido. (AGRESP 201002152106, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:23/11/2011 ..DTPB:.)


Em relação ao valor da indenização, é preciso analisar as circunstâncias de sua origem e suas consequências. Pelo depoimento que consta na fl. 179, feito durante sindicância do Exército sobre o acidente que envolveu o autor, fica patente que a culpa dos oficiais que decidiram pela manutenção do autor na escala de serviço foi elevada, pois, além do parecer médico contrário, o autor argumentou reiteradamente que não poderia fazer atividades físicas. Ainda assim, a ordem foi mantida. A culpa se mostra, então, exacerbada. As consequências do ato foram desastrosas, provocando uma revolução negativa e permanente na vida profissional do autor. Tais elementos indicam a necessidade de uma indenização em valor superior ao que normalmente se condena em casos simples de danos morais por inscrição indevida em cadastros de inadimplentes, por exemplo. Aqui, não se trata de um dano circunstancial, mas de um dano permanente.


Por outro lado, entendo que a indenização não pode ser elevada a ponto de causar um indevido enriquecimento à parte indenizada.


Assim, tenho por suficiente a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigíveis a partir da presente sentença nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Tal quantia engloba tanto danos físicos quanto morais.


3. DISPOSITIVO


Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos iniciais, extinguindo o feito com resolução do mérito, para condenar a União Federal a indenizar o autor pelos danos sofridos na atividade de militar, conforme relatado na fundamentação, sendo a indenização estabelecida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigíveis a partir da presente sentença nos termos do


Manual de Cálculos da Justiça Federal.


Condeno a União a pagar honorários calculados em 5% (cinco por cento) do valor atualizado da condenação.


Publique-se. Intimem-se. Jataí, Goiás.


Alexandre Henry Alves

Juiz Federal

Autor: Alexandre Henry Alves
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