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26 de Fevereiro de 2016 Sentenças e Acórdãos · Direito Tributário
Sentença - Direito Tributário 001: responsabilidade tributária de Prefeito por DIRF falsa

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Paulo Pereira de Lima ajuizou a presente ação contra a União Federal, Adriana Caetano da Silva Pereira e Outros, objetivando ver excluída a sua responsabilidade pela multa aplicada pela Receita Federal por conta de entrega de DIRF com dados que não correspondiam à realidade. Alegou, em síntese, não ter sido responsável pela entrega da declaração. A União Federal, por sua vez, defende a responsabilidade tributária com base em vários dispositivos do Código Tributário Nacional e da legislação tributária.

Liminar indeferida.

Sem pedidos de produção de prova, passo a decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

a) Ilegitimidade passiva

Excluo da lide Adriana Caetano da Silva Pereira, tendo em vista não ter sido formulado pelo autor qualquer pedido contra ela, carecendo de objeto a ação neste ponto.

Tendo em vista que não se chegou nem mesmo a citá-la, não há o que se falar em verbas de sucumbência.

Quanto aos “Outros” réus, como consta na petição inicial, não houve detalhamento de quem seriam e, portanto, nada há que ser provido nesse ponto.

b) Mérito

No mérito, entendo que a razão está com o autor.

Inicialmente, verifico que a fraude apurada se iniciou em 2005, tendo o autor sido Prefeito de Perolândia até 2004. Isso significa que ela começou a ser praticada quando ele não estava mais no comando da Prefeitura, indicando claramente que seu agente foi outro, não o próprio Prefeito. Tanto é assim que a multa cobrada do autor se refere apenas a uma retificação de DIRF feita em 2009, ano em que ele retornou à Prefeitura de Perolândia. Destaco ainda que a DIRF retificadora que gerou a multa consta na fl. 221, trazendo como responsável pelo preenchimento “Renilda Rosa Ferreira”, que também consta como responsável pelo preenchimento de DIRF’s retificadoras de anos anteriores.

Caberia à Receita Federal uma fiscalização mais detalhada do ocorrido, especialmente porque a Prefeitura de Perolândia informou quem eram os responsáveis da área de contabilidade do município, conforme documento de fl. 57. A autoridade fiscal, para fins de responsabilização de pessoas físicas quanto à multa, deveria ter verificado junto ao SERPRO quem fez as transmissões da DIRF, caso realizadas por meio de certificação digital, ou ao menos ter apurado o número dos IP’s das máquinas de onde partiram as retificadoras. Diante desses IP’s, deveria ter indagado ao município qual o computador a ele vinculado. Deveria ainda ter pesquisado mais sobre “Renilda Rosa Ferreira”, a fim de apurar quem seria tal pessoa e se teria ligações com a Prefeitura de Perolândia, especialmente diante do quadro de fraudes idênticas em diversos municípios e supostamente cometidas pela mesma quadrilha.

Como a própria Fazenda Nacional colocou em sua contestação, a fundamentação legal para a aplicação da multa foi retirada do art. 86 da Lei nº 8.981/1995, § 3º, que fala em falsidade na declaração. Ora, a falsidade é produto de uma fraude e as fraudes são reguladas pelo também citado art. 72 da Lei nº 4.502/1964, que fala em ação ou omissão dolosa. Assim, não tendo sido provado que o Prefeito foi o agente transmissor das DIRF’s ou que alguém o tenha feito por sua ordem, não se pode falar em dolo. Ressalto, mais uma vez, que as fraudes começaram em gestão de outro Prefeito, o que faz presumir que foram feitas por pessoa diversa do autor e que não agia por ordem dele. O próprio nome de Renilda Rosa Ferreira como responsável pelo preenchimento de DIRF’s em anos anteriores indica isso.

Ainda que não se exigisse o dolo, por aplicação do art. 136 do CTN, o fato é que tal dispositivo do Código Tributário Nacional é aplicável ao agente do ato ou ao responsável por ele. Já foi dito que não ficou provado que o Prefeito foi o agente da transmissão das DIRF’s. Quanto à responsabilidade do art. 136, ela não se refere à responsabilidade tributária no sentido tratado em outros tópicos pelo CTN, mas à responsabilidade pelo ato infracional em si. É o caso de alguém cometer uma infração a mando de outra pessoa. Esta outra pessoa que expediu a ordem é o responsável a que se refere o art. 136 do CTN. No presente caso, diga-se mais uma vez, também não ficou provado que o Prefeito tenha dado a ordem para a retificação da DIRF, até porque a fraude vinha de gestão anterior.

Destaco que o art. 124 do CTN não socorre a Fazenda Nacional. Diz ele:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Não há previsão legal no sentido de que o Prefeito seja responsável solidário pelas multas aplicadas por conta de DIRF inexata. Assim, não há incidência do art. 124, inciso II, do CTN. Quanto ao inciso I, ele exige que a pessoa tenha interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Não é o que acontece no presente caso, pois uma DIRF falsa só interessa ao Prefeito se ele for um dos beneficiários por eventual restituição indevida de Imposto de Renda ou se o município lucrar alguma coisa com a fraude. Analisando os autos, não verifico o nome do autor entre o rol de beneficiários das DIRF’s e não há qualquer indicação de que o município possa ter sido beneficiado pela fraude.

Quanto à alegação de culpa in eligendo e culpa in vigilando, a União Federal não provou quem transmitiu a DIRF com informações falsas, ou seja, não é possível dizer sequer que foi um funcionário da Prefeitura. Pode ter sido pessoa estranha aos quadros da Prefeitura que, com acesso aos dados da declaração anterior, conseguiu elaborar uma nova declaração e a enviou. Pode ter sido um funcionário de carreira, concursado, não havendo então que se falar em culpa in eligendo pelo fato do Prefeito não ter nomeado tal pessoa para o cargo. E, ainda que seja um funcionário de carreira ou nomeado, não há que se falar em culpa in vigilando, por não ter ficado demonstrado que o Prefeito era o chefe direto do agente que transmitiu as declarações falsas. Querer responsabilizar um Prefeito por qualquer falha cometida em um município é inviabilizar o exercício de tal cargo político.

Sobre o tema, já há precedente jurisprudencial:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA POR APRESENTAÇÃO IRREGULAR DE GFIP. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE. PROCEDÊNCIA. 1. Agravo de Instrumento manejado em face da decisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, no qual se havia requerido a suspensão de medidas constritivas, bem como a retirada do nome do Embargante do Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados de Órgãos e Entidades Federais - CADIN. 2. O representante de pessoa jurídica de Direito Público só responde por infrações administrativas nos casos de atuação dolosa ou culposa, ou pela prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos. 3. A legislação tributária veda a responsabilização pessoal do agente quanto a atos que pratique sem culpa ou dolo, no exercício regular de mandato, não se impondo multa a prefeito por descumprimento de obrigação acessória do Município. Agravo de Instrumento provido. Embargos de Declaração prejudicados. (AG 200805001085488, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::20/10/2010 - Página::198.)

Enfim, o trabalho da Receita Federal foi falho, incompleto. Quisesse, poderia ter a autoridade fiscal aprofundado as investigações, colhendo dados junto ao SERPRO sobre a transmissão das declarações e questionando o município sobre tais dados. Mas, nada disso foi feito. A consequência de tal fiscalização incompleta é a impossibilidade de se responsabilizar uma pessoa física pelo ato, já que não foi identificado o agente da fraude, impossibilitando imputá-la ao Prefeito ou torná-lo responsável pela multa, já que não ficou comprovado que quem cometeu a fraude foi alguém a seu mando ou sob sua supervisão direta, além de não ter sido comprovado que o Prefeito se beneficiou de algum modo das fraudes.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, para declarar a inexigibilidade dos valores apurados no processo administrativo nº 10120-722.925/201244 em relação a Paulo Pereira de Lima, CPF nº 054.577.931-68. Em relação à ré Adriana Caetano da Silva Pereira, declaro o feito extingo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva.

Condeno a União ao ressarcimento das custas processuais adiantadas, bem como a pagar honorários calculados em 5% (cinco por cento) do valor, atualizado até a data do pagamento dos honorários, da dívida cuja exigibilidade foi afastada.

Apurada a certeza do direito, verifico que há risco de prejuízo irreparável ao autor caso seja mantida a exigibilidade do débito até o encerramento da presente ação, razão pela qual antecipo os efeitos da tutela para determinar à Fazenda Nacional a suspensão da exigibilidade da dívida discutida, no prazo de 10 (dez) dias da intimação da presente sentença, mantendo-se a suspensão até o trânsito em julgado ou ordem judicial em contrário. Após o trânsito em julgado, mantida a presente sentença, deverá haver o cancelamento do débito relativamente ao autor. No tocante à presente antecipação de tutela, estabeleço multa de R$ 200,00 (duzentos) reais por dia, caso seja descumprida a presente ordem.

Proceda-se à retificação da autuação, para a exclusão de Adriana Caetano da Silva Pereira do polo passivo.

Publique-se. Intimem-se.

Jataí, Goiás.

Alexandre Henry Alves

Juiz Federal

Autor: Alexandre Henry Alves
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