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6 de Julho de 2018 Artigos jurídicos · Redação de sentenças cíveis
Ônus da sucumbência quando há litisconsórcio

Recebi uma dúvida bem interessante postada no fórum da “Prática de Sentença – TJ do Rio Grande do Sul (Turma 03)”, a qual reproduzo aqui por imaginar que muitos alunos também têm essa mesma dúvida.

Vamos lá:

Professor, quando há resultado diferente para cada réu, e havendo condenação solidária em apenas parte da condenação (como no exemplo que vou colocar abaixo), qual seria a melhor forma de distribuir a condenação em custas processuais?

Penso no seguinte exemplo:

Ana (A) pede indenização por danos materiais e morais em face de Bruna (B), Carla (C) e Denise (D).

Os pedidos em face de "D" foram julgados inteiramente improcedentes. "D" em nada sucumbiu.

"B" foi condenada ao pagamento de indenização por danos materiais.

"B" e "C" foram, solidariamente, condenadas ao pagamento de indenização por danos morais.

Nesse caso, como ficará a distribuição do pagamento das custas processuais?

E os honorários?

Obrigada!

Vou desenvolver um pouco mais aqui a resposta que publiquei no nosso fórum de debates do curso. Vamos imaginar o caso que a nossa aluna criou nos seguintes termos, colocando valores, para ficar mais claro o exemplo:

· Autora: Ana

· Rés: Bruna, Carla e Denise

· Pedidos: a) condenação das rés, solidariamente, em indenização por danos materiais no valor de R$ 30.000,00; b) condenação das rés, solidariamente, em indenização por danos morais no valor de R$ 90.000,00

· Valor da causa: R$ 120.000,00

Agora, vamos criar um dispositivo de sentença que abrangesse um acolhimento total da pretensão de Ana, mas não contra todas as rés:

Ante o exposto, resolvo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para:

a) julgar parcialmente procedente o pedido de indenização por danos materiais para condenar a ré Bruna a pagar à autora indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), corrigidos desde a data do desembolso pelo IPCA e com incidência de juros simples de 1% (um por cento) ao mês, também desde o desembolso das despesas com o conserto do veículo;

b) julgar parcialmente procedente o pedido de indenização por danos morais, par condenar solidariamente as rés Bruna e Carla a pagarem à autora indenização no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais), corrigidos monetariamente desde a presente data pelo IPCA, além de juros de mora desde o evento danoso (data do acidente), calculados de forma simples em 1% ao mês.

No caso, eu não coloquei no dispositivo da sentença o que era julgado improcedente por entender que isso não é necessário (embora muitos juízes optem por descrever, no dispositivo, também o que não foi acolhido).

Como ficaria então a questão dos ônus da sucumbência? Vamos dividir a análise por partes.

a) Honorários de sucumbência:

Vejamos primeiro os honorários advocatícios. Diz o CPC (destaquei):

Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.

Art. 87. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.

§ 1º A sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput.

§ 2º Se a distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários.

A intenção do legislador com tais dispositivos foi, a meu ver, evitar que a multiplicidade de partes em qualquer dos polos pudesse fazer com que as condenações nas despesas e honorários se tornassem mais relevantes do que a condenação principal. Imagine que João entra com uma ação contra dez pessoas, pedindo indenização de R$ 100 mil, pedido esse acolhido na íntegra para condenar os réus, solidariamente, a pagar esse montante. Se não houvesse distribuição proporcional dos honorários, poderíamos chegar ao absurdo de cada réu ser condenado a pagar ao advogado do autor 20% do valor da condenação, alcançando-se um montante de R$ 200 mil de honorários, quantia maior do que a indenização pedida. Para evitar situações assim, o Código de Processo Civil prevê a responsabilidade proporcional dos litisconsortes (não importa o polo em que estejam). Mesmo a previsão do art. 87, § 2º, não afasta essa proporcionalidade, na medida em que o vencido que arcar com tudo, por conta da solidariedade prevista nesse dispositivo, poderá acionar os demais vencidos na sequência, nos termos do art. 283 do Código Civil.

Em síntese, havendo litisconsórcio ativo ou passivo, o cálculo dos ônus da sucumbência deve levar em conta o conteúdo econômico da causa, de modo que os honorários a que cada polo (polo = conjunto de litisconsortes ativos ou passivos) ficar sujeito nunca ultrapasse o limite de 20% desse conteúdo econômico, a não ser nas hipóteses do art. 85, § 8º, do CPC (causas de valor inestimável ou de irrisório proveito econômico).

Feitas essas observações de ordem teórica, passemos então a aplicá-las ao fictício caso prático, na certeza de que os exemplos são facilitadores da compreensão.

Vamos estabelecer que os honorários naquele nosso modelo (o da Ana vs. Bruna + Carla + Denise) serão arbitrados em 10%, para facilitar as nossas contas. Como eu expliquei, a intenção do Código de Processo Civil, a meu ver, é que os honorários sejam estabelecidos entre 10% e 20% do conteúdo econômico da causa. Como adotamos os 10% e como nossa lide envolve pedidos da ordem global de R$ 120.000,00 (soma das indenizações pretendidas), os honorários totais que serão distribuídos aos advogados envolvidos em cada polo devem ser de, no máximo, R$ 12.000,00 por polo.

É preciso, pois, analisar cada uma das lides para verificar como ficará a questão dos honorários.

1) Ana x Denise: Ana pediu a condenação de Denise ao pagamento total de R$ 120.000,00 (somatório das duas indenizações), solidariamente com as duas outras rés. Isso significa que, se o pedido fosse totalmente procedente, as três rés seriam condenadas a pagar R$ 120.000,00. Só que o CPC diz que a responsabilidade é proporcional, o que significa que, para fins de despesas e honorários, cabe dividir esse valor total por três, pois são três pessoas no polo passivo. Assim, no caso de procedência total das pretensões da autora, caberia condenar Denise a pagar ao advogado de Ana honorários calculados em 10% sobre 1/3 da condenação, ou seja, sobre R$ 40.000,00. Como Denise foi, na verdade, vencedora da lide contra Ana, esta é que será condenada a pagar ao advogado de Denise honorários calculados em uma porcentagem sobre 1/3 do valor corrigido da causa. Uma possibilidade de redação seria a seguinte, que estabeleceria o valor de R$ 4.000,00 para o patrono de Denise:

Tendo sido julgados improcedentes os pedidos da autora contra a ré Denise, condeno a autora a pagar ao advogado da ré honorários advocatícios calculados em 10% (dez por cento) sobre 1/3 (um terço) do valor atualizado da causa, nos termos do art. 87 do CPC.

2) Ana x Bruna: Bruna sucumbiu totalmente diante de Ana, já que foi condenada a pagar sozinha a indenização por danos materiais (R$ 30.000,00) e ainda foi condenada a pagar solidariamente com Carla a indenização por danos morais (R$ 90.000,00). Isso significa que ela será condenada a pagar R$ 12.000,00 para o advogado de Ana? Não! Vamos condená-la a pagar 10% sobre o valor total da indenização por danos materiais, já que ela sucumbiu sozinha em relação a esse pedido, e vamos condená-la a pagar 10% sobre a metade do valor da indenização por danos morais, vez que, nesse caso, Carla sucumbiu junto com ela. Com isso, o valor nominal a que Bruna estará sujeita, a título de honorários de sucumbência, sem contar correção e juros, será de R$ 7.500,00 (10% x 30 mil + 10% x 45 mil). Exemplo de redação possível:

Condeno a ré Bruna a pagar ao advogado de Ana honorários advocatícios calculados em 10% (dez por cento) sobre o valor integral da condenação por danos materiais, mais 10% (dez por cento) sobre metade do valor da condenação por danos morais, nos termos do art. 87 do CPC.

3) Ana x Carla: nesta última relação processual, há um complicador, pois a sucumbência foi recíproca. Como não há compensação de honorários (CPC, art. 85, § 14), cada uma delas deverá ser condenada. A sucumbência de Carla foi relativamente à indenização por danos morais, solidariamente com Bruna. Por isso, vamos condená-la a pagar honorários advocatícios calculados em 10% sobre a metade dessa indenização, o que dará, sem contar juros e correção monetária, o valor de R$ 4.500,00. Por outro lado, a sucumbência de Ana em relação a Carla foi no tocante à indenização por danos materiais. Por isso, vamos condenar Ana a pagar honorários de sucumbência calculados em 10% sobre o valor desse pedido, dividido por três, já que Carla não arcaria sozinha com a indenização na hipótese da pretensão de Ana ser acolhida na íntegra contra todas as rés. Isso daria, sem contar juros e correção, honorários de R$ 1.000,00 em favor do advogado de Carla (10% x 30 mil x 1/3). Redação possível para a sentença:

Em virtude da sucumbência recíproca, condeno Carla a pagar honorários de sucumbência em favor do advogado de Ana, calculados em 10% sobre a metade da indenização por danos morais, nos termos do art. 87 do CPC. Condeno ainda Ana a pagar honorários de sucumbência em favor do advogado de Carla, calculados em 10% de 1/3 (um terço) do valor atualizado do pedido referente à indenização por danos materiais, também nos termos do art. 87 do CPC.

Nosso quadro de condenações ficaria assim então, levando-se em conta apenas os valores nominais, sem juros ou correção monetária:

Condenações contra o polo ativo

Condenações contra o polo passivo

Ana x Bruna

-

R$ 7.500,00

Ana x Carla

R$ 1.000,00

R$ 4.500,00

Ana x Denise

R$ 4.000,00

-

TOTAL POR POLO

R$ 5.000,00

R$ 12.000,00

Observe que, no final das contas, o advogado de Ana irá receber R$ 12.000,00 de honorários, que correspondem a 10% sobre o conteúdo econômico da causa, uma vez que Ana receberá todas as indenizações pretendidas. Por outro lado, Ana pagará R$ 5.000,00 de honorários para os advogados de Carla e Denise, já que, em relação a elas, suas pretensões não foram julgadas todas procedentes.

Parece complicado, e é um pouco mesmo, mas a prática leva à redação de sentenças com mais facilidade, mesmo em casos complexos assim. Basta ter em mente que o CPC determina que cada parte arque com despesas e honorários na proporção de sua respectiva sucumbência (art. 86) e que os litisconsortes também respondem de forma proporcional, entre eles, pelos ônus da sucumbência (art. 87).

b) Custas:

O cálculo das custas pode diferir um pouco daquele aplicado para os honorários, pois, em regra, a soma das condenações de todos os polos não pode ultrapassar o total das custas legalmente previstas. Suponhamos que o nosso caso de exemplo esteja correndo em um Estado que estabeleça custas nos mesmos patamares daquelas cobradas pela União Federal para ações cíveis em geral, ou seja, 1% (um por cento) sobre o valor da causa. A não ser em casos excepcionais, como se dá na hipótese do art. 14, § 2º, da Lei nº 9.289/1996, o total das custas no nosso exemplo seria de R$ 1.200,00 (valor da causa = R$ 120.000,00). Não importa o que aconteça na ação, esse montante não pode ser ultrapassado.

O caminho é ver o quanto cada polo foi vencedor. No nosso exemplo, seria assim:

Polo ativo

Polo passivo

Foi perdedor em quanto?

0% (R$ 0,00), pois Ana vai receber tudo o que pediu.

100% (R$ 120.000,00), pois Bruna vai pagar toda a indenização por danos materiais e, junto com Carla, vai pagar também o que foi pedido a título de danos morais.

Isso significa que, em relação às custas, o polo ativo arcará com 0% e o polo passivo arcará com 100% delas. Agora, basta dividir isso proporcionalmente pela sucumbência de cada litisconsorte e chegaremos ao que deve ser estabelecido a título de custas.

Litisconsorte

Proporção de sua sucumbência dentro do polo

Bruna

62,5%

Cálculo: R$ 30 mil de danos materiais e metade de R$ 90 mil de danos morais, totalizando R$ 75 mil reais, que correspondem a 62,5% do conteúdo econômico da causa, que era de R$ 120.000,00.

Carla

37,5%

Cálculo: metade de R$ 90 mil de danos morais, o que corresponde a 37,5% do conteúdo econômico da causa, que era de R$ 120.000,00.

Denise

0,0 %

(ela não sucumbiu em nada)

Uma possibilidade de redação para a sentença, no tocante às custas, considerando nosso exemplo fictício, ficaria assim:

As custas serão arcadas pelas rés Bruna e Carla, na proporção respectiva de 62,5% e 37,5%, nos termos do art. 87 do CPC.

Novamente, destaco que parece algo bastante complicado, mas respeitar a determinação do Código de Processo Civil exige que a condenação seja feita dessa forma. Claro, no caso de lides mais complexas, poderíamos adotar uma redação que não envolvesse cálculos aritméticos, bastando dizer o seguinte:

Tendo em vista que a autora irá receber todo o conteúdo econômico pretendido, bem como o fato da ré Denise não ter sofrido qualquer condenação, as custas serão arcadas pelas rés Bruna e Carla, de forma proporcional à sucumbência de cada uma delas, nos termos do art. 87 do Código de Processo Civil.

Essa redação facilita bastante a vida tanto do magistrado, no caso de prolação de uma sentença real, quanto do candidato em uma prova de concurso, evitando, neste último caso, o cometimento de algum erro de cálculo.

c) Outras despesas:

É possível que o feito envolva também outras despesas, como é o caso de honorários periciais. Nessa hipótese, haverá a aplicação das mesmas regras já trabalhadas em relação às custas, mas com o cuidado devido para o fato de que a despesa pode ter sido provocada por uma parte específica, que com ela arcará sozinha.

No nosso exemplo, imaginemos que o caso diz respeito a um acidente de trânsito em que Ana juntou, como prova, as filmagens de uma câmera de estabelecimento comercial que registrou o sinistro. Denise, em sua defesa, alegou que não pode ser condenada porque estava no banco de trás do carro, que era de propriedade de Carla e estava sendo dirigido por Bruna. Logo, não agiu de maneira a provocar o acidente. Mas, além dessa defesa, Denise alega que as filmagens apresentadas por Ana foram forjadas, requerendo que elas sejam submetidas a uma perícia judicial. Essa alegação, por sua vez, não é apresentada nem por Bruna e nem por Carla. No final das contas, é feita uma perícia que conclui pela autenticidade do registro da câmera, mas o juiz considera procedente a outra alegação de Denise, no sentido de que ela não provocou nenhuma ação que causasse o acidente.

Nessa hipótese, Denise será condenada nas custas? Não, já que, conforme vimos, ela não sucumbiu. Mas, quem arcará então com os honorários do perito? Será Denise, vez que ela deu causa à realização do ato, já que foi a única a colocar em dúvida a autenticidade das filmagens. Ana, mesmo não sendo vencedora na lide contra Denise e mesmo sendo condenada a pagar honorários advocatícios para o defensor dela, não deverá arcar com os honorários periciais, já que não deu causa a eles. Bruna e Carla, por sua vez, não colocaram em dúvida a autenticidade das filmagens. A despesa fica, então, com Denise, a meu ver.

Mas, essa é uma hipótese relativamente rara. Em regra, as demais despesas processuais seguirão o mesmo rumo das custas.

Alexandre Henry

Professor do JusTutor e Juiz Federal

Como fazer a referência bibliográfica a este texto:

ALVES, Alexandre Henry. Ônus da sucumbência quando há litisconsórcio. Disponível em Acesso em: 06 de julho de 2018

Autor: Alexandre Henry Alves
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