Recorrente : XXX
Recorrido : INSS
VOTO-EMENTA
PENSÃO
POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMPROVADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO
PROVIDO.
Recurso:
A parte autora interpôs recurso objetivando
a reforma da sentença do Juizado Especial Federal que julgou improcedente o
pedido de condenação à concessão de pensão por morte. Alega o recorrente que há
provas suficientes nos autos comprovando o preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício previdenciário.
Do benefício
requerido:
A pensão por morte tem previsão legal nos
artigos 74 a 79 da Lei 8.213/91. Referido benefício não depende de carência e é
devido aos dependentes arrolados no art. 16 da mesma Lei 8.213/91.
Para a concessão do benefício de pensão
por morte é necessária a comprovação dos seguintes requisitos: a) qualidade de
segurado do de cujus ao tempo do
óbito; b) condição de dependente do requerente.
Cumpre ressaltar que a comprovação da
dependência para fins de concessão do benefício de pensão por morte dispensa a
existência de início de prova material. Nesse sentido destacam-se as seguintes
decisões do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1.374.947/PI, Segunda
Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/6/2013; AgRg no Ag
1.1976.628/RJ, Sexta Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe
9/4/2012; AgRg no REsp 886.069/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo
Esteves Lima, Segunda Turma, DJe 3/11/2008.
Avaliação do
caso concreto:
Conforme
dispõe o art. 16, I, da Lei 8.213/91, o companheiro é considerado dependente do
segurado da Previdência Social, sendo tal dependência presumida, conforme § 4º
do supracitado dispositivo legal.
Cumpre
ressaltar que desde o julgamento pelo STF da ADPF 132 e da ADI 4.277, tem-se
certo que a expressão constitucional "família" engloba a
União homoafetiva, não podendo, portanto, haver discriminação para
quaisquer fins, inclusive para percepção de benefícios previdenciários. No
julgamento da ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal deu interpretação conforme a
Constituição ao art. 1723 do Código Civil, que trata da união estável, para excluir do dispositivo em causa
qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser
feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva.
Da ementa do julgamento da ADPF 132, importante
destacar, ainda, o seguinte trecho:
A
Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua
formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil
ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente
constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma
necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus
institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição
designa por intimidade e vida privada (inciso X do art. 5º). Isonomia entre
casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada
família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é
conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de
família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento
civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada
na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do
Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na
posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
Portanto,
estabelecida a possibilidade de reconhecimento de união estável entre pessoas
do mesmo sexo, passo a apreciar o caso trazido a julgamento.
A
qualidade de segurado e o óbito da instituidora do benefício são fatos
incontroversos (fls. 40 e 44), resumindo-se a controvérsia recursal na
discussão acerca da qualidade de dependente da autora.
Analisando
as provas constantes nos autos, tenho que a sentença de primeiro grau merece
reforma, pois há provas suficientes a demonstrar a convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família
entre a autora e a ex-segurada XXX, caracterizando, em dúvida, união estável.
Foram
juntados aos autos os seguintes documentos, indicativos de convivência pública:
a) escritura pública, datada de 20/01/2004, na qual XXX declarou que convivia
com XXX, sob o mesmo teto, há aproximadamente 20 anos; b) declaração de XXX de
que a autora e a instituidora do benefício residiram em imóvel de sua
propriedade entre os anos de 1985 a 1991; c) correspondências enviadas à autora
e para a falecida segurada, indicando endereço comum (fls. 22/23).
A
prova oral confirmou a existência de união estável entre a autora e a
instituidora do benefício.
A
autora, em seu depoimento pessoal, descreveu com detalhes o relacionamento que
manteve com a ex-segurada, por mais de 20 anos, inclusive apontado a data do
óbito e sua causa, local do sepultamento e os locais onde residiram.
A
testemunha XXX, ao ser inquirida, demonstrou conhecer a autora e seus filhos.
Confirmou que foi XXX quem providenciou o sepultamento de XXX. Afirmou que
conhece a autora desde o ano de 1984 e que havia uma relação mais profunda
entre a autora e a falecida segurada XXX, típica de marido e mulher, e que
outras pessoas também tinham conhecimento da relação homoafetiva entre XXX e XXX.
A
testemunha XXX também confirmou a existência de relação homoafetiva entre a
autora XXX e a ex-segurada XXX. Disse que XXX e XXX tinham vida conjugal,
presenciando gestos de carinho entre as duas, inclusive presenciando beijos
entre as duas em uma ocasião em que prestou serviços na casa do casal.
Portanto,
preenchidos os requisitos legais, voto pelo provimento do recurso interposto
pela parte autora para, reformando a sentença de primeiro grau, condenar o INSS
a conceder à autora XXX o benefício de pensão por morte, em razão do
falecimento da ex-segurada XXX, desde o requerimento administrativo (12/02/2008
DIB).
Os
valores em atraso deverão ser corrigidos monetariamente desde o vencimento de
cada parcela e acrescidos de juros de mora desde a citação, de acordo com os
índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão que
estiver em vigor à época da elaboração dos cálculos de liquidação.
Para
evitar embargos de declaração, esclareço desde já que as parcelas em atraso
deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC/IBGE a partir da data de cada
vencimento, uma vez que a aplicação da TR - Taxa Referencial, pretendida pelo
art. 5º da Lei 11.960/2009, por não refletir a desvalorização da moeda, padece
de inconstitucionalidade por ofensa ao direito de propriedade, garantido no
art. 5º, caput, da Constituição
Federal. Declara-se, assim, a inconstitucionalidade parcial e incidental do
art. 5º da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, somente no
tocante à correção monetária.
Os
valores em atraso deverão, ainda, ser acrescidos de juros moratórios na forma
prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009, a
partir da citação, coforme já previsto no Manual de Cálculos da Justiça
Federal.
Sem
condenação em honorários advocatícios.
ACÓRDÃO
VISTOS,
relatados e discutidos os autos, ACORDAM os Juízes da Turma Recursal dos
Juizados Especiais Federais da Subseção Judiciária de Uberlândia em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, na
conformidade do voto do Relator, condenando o INSS a conceder à parte autora o
benefício de pensão por morte, com DIB em 12/02/2008, data do requerimento
administrativo.
ACORDAM, ainda, em antecipar
os efeitos da tutela, determinado que o INSS promova a implantação do
benefício em favor da autora, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da
intimação da presente decisão, tendo em vista a fundamentação supra e a
natureza alimentar do benefício previdenciário.
Uberlândia/MG, [data da sessão].
(assinado eletronicamente)
Juiz Federal Gustavo
Soratto Uliano
Relator
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA