Artigos e outros textos Imprimir

4 de Março de 2017 Sentenças e Acórdãos · Direito Previdenciário
Acórdão - Direito Previdenciário 001 - Pensão para companheira - Relação homoafetiva

Recorrente : XXX

Recorrido : INSS

VOTO-EMENTA

PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMPROVADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

Recurso:

A parte autora interpôs recurso objetivando a reforma da sentença do Juizado Especial Federal que julgou improcedente o pedido de condenação à concessão de pensão por morte. Alega o recorrente que há provas suficientes nos autos comprovando o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício previdenciário.

Do benefício requerido:

A pensão por morte tem previsão legal nos artigos 74 a 79 da Lei 8.213/91. Referido benefício não depende de carência e é devido aos dependentes arrolados no art. 16 da mesma Lei 8.213/91.

Para a concessão do benefício de pensão por morte é necessária a comprovação dos seguintes requisitos: a) qualidade de segurado do de cujus ao tempo do óbito; b) condição de dependente do requerente.

Cumpre ressaltar que a comprovação da dependência para fins de concessão do benefício de pensão por morte dispensa a existência de início de prova material. Nesse sentido destacam-se as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1.374.947/PI, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/6/2013; AgRg no Ag 1.1976.628/RJ, Sexta Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 9/4/2012; AgRg no REsp 886.069/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Segunda Turma, DJe 3/11/2008.

Avaliação do caso concreto:

Conforme dispõe o art. 16, I, da Lei 8.213/91, o companheiro é considerado dependente do segurado da Previdência Social, sendo tal dependência presumida, conforme § 4º do supracitado dispositivo legal.

Cumpre ressaltar que desde o julgamento pelo STF da ADPF 132 e da ADI 4.277, tem-se certo que a expressão constitucional "família" engloba a União homoafetiva, não podendo, portanto, haver discriminação para quaisquer fins, inclusive para percepção de benefícios previdenciários. No julgamento da ADPF 132, o Supremo Tribunal Federal deu “interpretação conforme a Constituição” ao art. 1723 do Código Civil, que trata da união estável, “para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”

Da ementa do julgamento da ADPF 132, importante destacar, ainda, o seguinte trecho:

“A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.”

Portanto, estabelecida a possibilidade de reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, passo a apreciar o caso trazido a julgamento.

A qualidade de segurado e o óbito da instituidora do benefício são fatos incontroversos (fls. 40 e 44), resumindo-se a controvérsia recursal na discussão acerca da qualidade de dependente da autora.

Analisando as provas constantes nos autos, tenho que a sentença de primeiro grau merece reforma, pois há provas suficientes a demonstrar a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família entre a autora e a ex-segurada XXX, caracterizando, em dúvida, união estável.

Foram juntados aos autos os seguintes documentos, indicativos de convivência pública: a) escritura pública, datada de 20/01/2004, na qual XXX declarou que convivia com XXX, sob o mesmo teto, há aproximadamente 20 anos; b) declaração de XXX de que a autora e a instituidora do benefício residiram em imóvel de sua propriedade entre os anos de 1985 a 1991; c) correspondências enviadas à autora e para a falecida segurada, indicando endereço comum (fls. 22/23).

A prova oral confirmou a existência de união estável entre a autora e a instituidora do benefício.

A autora, em seu depoimento pessoal, descreveu com detalhes o relacionamento que manteve com a ex-segurada, por mais de 20 anos, inclusive apontado a data do óbito e sua causa, local do sepultamento e os locais onde residiram.

A testemunha XXX, ao ser inquirida, demonstrou conhecer a autora e seus filhos. Confirmou que foi XXX quem providenciou o sepultamento de XXX. Afirmou que conhece a autora desde o ano de 1984 e que havia uma “relação mais profunda” entre a autora e a falecida segurada XXX, típica de marido e mulher, e que outras pessoas também tinham conhecimento da relação homoafetiva entre XXX e XXX.

A testemunha XXX também confirmou a existência de relação homoafetiva entre a autora XXX e a ex-segurada XXX. Disse que XXX e XXX tinham vida conjugal, presenciando gestos de carinho entre as duas, inclusive presenciando beijos entre as duas em uma ocasião em que prestou serviços na casa do casal.

Portanto, preenchidos os requisitos legais, voto pelo provimento do recurso interposto pela parte autora para, reformando a sentença de primeiro grau, condenar o INSS a conceder à autora XXX o benefício de pensão por morte, em razão do falecimento da ex-segurada XXX, desde o requerimento administrativo (12/02/2008 – DIB).

Os valores em atraso deverão ser corrigidos monetariamente desde o vencimento de cada parcela e acrescidos de juros de mora desde a citação, de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, na versão que estiver em vigor à época da elaboração dos cálculos de liquidação.

Para evitar embargos de declaração, esclareço desde já que as parcelas em atraso deverão ser corrigidas monetariamente pelo INPC/IBGE a partir da data de cada vencimento, uma vez que a aplicação da TR - Taxa Referencial, pretendida pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, por não refletir a desvalorização da moeda, padece de inconstitucionalidade por ofensa ao direito de propriedade, garantido no art. 5º, “caput”, da Constituição Federal. Declara-se, assim, a inconstitucionalidade parcial e incidental do art. 5º da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, somente no tocante à correção monetária.

Os valores em atraso deverão, ainda, ser acrescidos de juros moratórios na forma prevista no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009, a partir da citação, coforme já previsto no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Sem condenação em honorários advocatícios.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos os autos, ACORDAM os Juízes da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Subseção Judiciária de Uberlândia em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, na conformidade do voto do Relator, condenando o INSS a conceder à parte autora o benefício de pensão por morte, com DIB em 12/02/2008, data do requerimento administrativo.

ACORDAM, ainda, em antecipar os efeitos da tutela, determinado que o INSS promova a implantação do benefício em favor da autora, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da intimação da presente decisão, tendo em vista a fundamentação supra e a natureza alimentar do benefício previdenciário.

Uberlândia/MG, [data da sessão].

(assinado eletronicamente)

Juiz Federal Gustavo Soratto Uliano

Relator


Autor: Juiz Federal Gustavo Soratto Uliano, relator.
Faça sua busca detalhadamente

QUESTÃO

PEÇA

SENTENÇA

Mostrar Apenas: