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19 de Abril de 2016 Artigos jurídicos · Previdenciário
A caracterização do trabalhador rural após a Lei nº 8.213/1991

Após a Lei nº 8.213/1991, as pessoas que trabalham no campo foram divididas em diversas categorias, com implicações importantes no regime contributivo e nos benefícios previdenciários:


Empregado: trabalhador rural que presta serviços à empresa (termo usado em sentido amplo, abrangendo o empregador pessoa física ou jurídica), sob sua subordinação e mediante remuneração (art. 11, inciso I, alínea "a"). É o caso clássico da existência do chamado vínculo empregatício.


Contribuinte individual:

o Produtor rural: é a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos (art. 11, inciso V, alínea "a"). É o fazendeiro, o arrendatário ou qualquer outra pessoa física que explore atividade agropecuária e que não se enquadre nas demais categorias.

o Prestador de serviços: é a pessoa física que presta serviços na zona rural a um ou mais contratantes, sem relação de emprego (art. 11, inciso V, alínea "g"). Geralmente, é a pessoa que pega serviços por empreitada para fazer cercas, "bater pasto", construir currais, entre outras atividades por tempo e tarefa certa.


Trabalhador avulso: é o trabalhador que presta serviço a vários contratantes, mas com contratação obrigatoriamente intermediada por órgãos gestores de mão-de-obra (chamados de OGMO). A definição é dada pela Lei nº 8.213/1991, em seu art. 11, inciso VI, bem como detalhada pelo art. 9º, inciso VI, do Regulamento da Previdência Social - Decreto 3.048/1999. O próprio Regulamento especifica as atividades consideradas típicas do trabalhador avulso e entre elas são poucas as que se referem ao meio rural. Em regra, apenas o ensacador de café, cacau e similares, caso trabalhe diretamente no campo.

·

Segurado especial: em geral, é a pessoa que explora só ou com sua família um pequeno pedaço de terra, sem contratação de funcionários permanentes, conforme será visto mais à frente, de forma detalhada.


A dúvida que resta é quanto aos trabalhadores chamados de boias-frias, volantes ou diaristas. Esses casos são bastante comuns e geram muitas dúvidas. São pessoas que não se enquadram na definição exata de segurados especiais, pois não vivem de uma produção agropecuária em regime de economia familiar. A remuneração advém basicamente da venda da força de trabalho para empregadores rurais diversos, por períodos curtos de tempo, às vezes um dia apenas, sem existência de um vínculo empregatício. Por isso, a regra é o INSS classificá-los como contribuintes individuais, com enquadramento no art. 11, inciso V, alínea "g", da Lei nº 8.213/1991. Com isso, a fruição de benefícios previdenciários dependeria não apenas da comprovação do tempo de serviço, mas também do recolhimento das contribuições.


Porém, a jurisprudência tende a aplicar o mesmo regime dos segurados especiais aos trabalhadores rurais boias-frias, volantes ou diaristas, dada a vulnerabilidade que os cerca. De fato, geralmente são pessoas mais simples e mais expostas à exploração alheia do que o segurado especial, que geralmente tem a segurança de um pedaço de terra seu, ou ao menos arrendado ou cedido por terceiro, para trabalhar. O vínculo com um pedaço de terra específico, a duração maior dos trabalhos em um local específico, entre outros fatores, faz com que o segurado especial tenha até mais condições de provar sua atividade rurícola. Já o boia-fria, o volante e o diarista não possuem vínculo com nada ou ninguém, trabalhando um dia aqui, outro acolá, para patrões diversos e sem qualquer registro dessas atividades. Em alguns centros mais desenvolvidos, o Ministério do Trabalho até consegue fiscalizar parcialmente grandes fazendas que contratam centenas de boias-frias, mas essa não é realidade na maioria dos casos. Como regra, não há qualquer fiscalização sobre os contratantes para a exigência de registro em Carteira de Trabalho ou, no caso da ausência de vínculo empregatício, para a exigência da expedição do chamado RPA - Recibo de Pagamento de Autônomo, com retenção e recolhimento das contribuições previdenciárias.


Ora, na ausência de um aparato estatal hábil a efetivamente defender o trabalhador absolutamente vulnerável, caso do boia-fria, do volante e do diarista, valores e princípios fundamentais presentes na Constituição Federal, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), a construção de uma sociedade justa (art. 3º, I), bem como a erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3º, III), determinam a intervenção do Poder Judiciário para a repressão de uma situação extrema. Em consequência, pode e deve o juiz, no caso concreto, flexibilizar tanto a prova do trabalho rural quanto a exigência de recolhimento de contribuições previdenciárias, dando a esses trabalhadores vulneráveis o mesmo tratamento dado aos segurados especiais.


Nessa linha de raciocínio, há uma série de precedentes que permitem chegar a tal conclusão, bastando citar dois: STJ, AR 2.515/SP, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, Terceira Seção, julgado em 09/06/2004; TRF da 1ª Região, AC 22454020064013805, JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), Segunda Turma, e-DJF1 de 29/10/2014.


Estabelecidos esses pontos, cabe detalhar um pouco mais a categoria dos segurados especiais. A definição é dada pelo art. 11 da Lei nº 8.213/1991, nos seguintes termos (destaquei):


Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida;

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.


O § 1º desse artigo define o que é regime de economia familiar: "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes".


Em relação aos familiares do trabalhador rural, para que sejam considerados segurados especiais, ainda há a necessidade de atender o que diz o § 6º do artigo transcrito, que assim estabelece: "Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar". Isso exclui, por exemplo, o cônjuge que cuida exclusivamente dos afazeres domésticos, sem participar da lida rural, por exemplo. Também exclui filhos que sejam estudantes e que apenas eventualmente façam uma ou outra tarefa rural, sem que tais tarefas sejam indispensáveis para a subsistência da família.


Algumas outras observações pertinentes sobre o tema:


· - A restrição do tamanho da propriedade a 4 módulos fiscais é aplicada apenas a partir de 20/06/2008, data de publicação da Lei nº 11.718, que incluiu a restrição na Lei nº 8.213/1991 (nesse sentido: TRF 1ª REGIÃO, AC 0058530-60.2012.4.01.9199 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CANDIDO MORAES, SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.1438 de 15/04/2014).


· - O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador que presta serviço em caráter eventual (ex.: empreitada), à razão de no máximo 120 (cento e vinte) pessoas por dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho, não sendo computado nesse prazo o período de afastamento em decorrência da percepção de auxílio-doença (Lei nº 8.213/1991, art. 11, § 7º).


· - Não descaracteriza a condição de segurado especial (Lei nº 8.213/1991, art. 11, § 8º):

I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar;

II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano;

III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar;

IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo;

V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991;

VI - a associação em cooperativa agropecuária;

VII - a incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI sobre o produto das atividades desenvolvidas nos termos do § 12 do art. 11 da Lei nº 8.213/1991.


· - Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de (Lei nº 8.213/1991, art. 11, § 9º):

I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;

II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 8o deste artigo;

III - exercício de atividade remunerada em período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;

IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais;

V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;

VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8o deste artigo;

VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social;

VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social.


-· A participação do segurado especial em sociedade empresária, em sociedade simples, como empresário individual ou como titular de empresa individual de responsabilidade limitada de objeto ou âmbito agrícola, agroindustrial ou agroturístico, considerada microempresa nos termos da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, não o exclui de tal categoria previdenciária, desde que, mantido o exercício da sua atividade rural na forma do inciso VII do caput e do § 1º, a pessoa jurídica componha-se apenas de segurados de igual natureza e sedie-se no mesmo Município ou em Município limítrofe àquele em que eles desenvolvam suas atividades (Lei nº 8.213/1991, art. 11, § 12). Destaca-se, quanto a este ponto, a necessidade do objeto ser vinculado ao setor rural.

Autor: Alexandre Henry Alves
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