Em caso de suspensão do processo e do prazo prescricional, na forma do art. 366 do Código de
Processo Penal, questão polêmica é a relativa ao tempo de duração da suspensão
da prescrição, já que, ressalvadas as exceções previstas nos incisos XLII
(racismo) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático) do art. 5º da Constituição Federal, não
há crimes imprescritíveis em nossa legislação.
A maior parte da jurisprudência e da doutrina
sempre defendeu o entendimento de que a suspensão do
prazo prescricional prevista no art. 366 do CPP deveria corresponder ao prazo
da prescrição da pretensão punitiva, ou seja, da prescrição em abstrato, considerando-se
o máximo da pena aplicável ao delito atribuído ao réu e as balizas estabelecidas
nos incisos do art. 109 do CPB.
Além
de, na prática, evitar a imprescritibilidade dos delitos, esse entendimento prestigia
o princípio da proporcionalidade, pois o prazo de prescrição ficaria suspenso
por mais ou por menos tempo, de acordo com a maior ou menor gravidade do
delito. De fato, um mesmo prazo de suspensão da prescrição para todas as infrações
penais violaria, flagrantemente, o princípio da proporcionalidade.
Não obstante, no julgamento da Extradição 1042
(Pleno, j. 19/12/06), o STF adotou entendimento diverso, defendendo a posição
de que a contagem da prescrição poderia ficar suspensa por tempo indeterminado,
ou seja, ficaria suspensa enquanto o processo também ficasse. No julgamento do
RE 460.971/RS, a 1ª Turma da Suprema Corte, reiterando o entendimento do
Plenário, estabeleceu que:
"Citação por edital e revelia: suspensão do
processo e do curso do prazo prescricional, por tempo indeterminado -
C.Pr.Penal, art. 366, com a redação da L. 9.271/96.
1.
Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042,
19/12/06, Pertence, a Constituição Federal não proíbe a suspensão da
prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do C. Pr. Penal.
2.
A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de
imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a
condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da
imprescritibilidade.
3.
Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir
os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem
proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses.
4. Não cabe, nem mesmo sujeitar o período de
suspensão de que trata o art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em
abstrato, pois, "do contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria uma
causa de interrupção, e não de suspensão."
5.
RE provido, para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição". (RE 460.971/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
1ª Turma, j. 13.02.2007, v.u.)
Adotando, porém, o entendimento majoritário, o STJ
editou, na sessão do dia 16/12/09, a Súmula 415, com o seguinte enunciado:
"O período de suspensão do prazo
prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada".
O que a Súmula 415 determina é que a contagem da
prescrição fica suspensa pelo prazo da prescrição em abstrato
consideradas as balizas do art. 109 do CP e não pelo prazo da pena máxima
cominada ao delito. Dessarte, se o delito tem pena máxima cominada
de 4 anos como no nosso exemplo , a prescrição em abstrato se dá em 8 anos
(art. 109, IV do CP) e a contagem da prescrição, portanto, ficará suspensa por
esses 8 anos e não por 4 anos, que é o prazo da pena máxima cominada ao crime.
Essa é a correta interpretação da Súmula 415,
conforme se verifica pelos precedentes que a originaram, como, v. g.:
"Consoante orientação pacificada nesta Corte,
o prazo máximo de suspensão do prazo prescricional, na hipótese do art. 366 do
CPP, não pode ultrapassar aquele previsto no art. 109 do Código Penal,
considerada a pena máxima cominada ao delito denunciado, sob pena de ter-se
como permanente o sobrestamento, tornando imprescritível a infração penal
apurada". (STJ, HC
84.982/SP, rel. Min. Jorge Mussi, j. 21/2/2008)
Assim, o entendimento agora consubstanciado na
Súmula 415 do STJ parece ser mais acertado. Equivocado, por consequência, s. m.
j., o pensamento do Supremo, não se sustentando os argumentos de que a Constituição Federal não proíbe a suspensão
da prescrição por prazo indeterminado e não impede o legislador
ordinário de estabelecer outras hipóteses de crimes imprescritíveis além das já
previstas em seu Texto (art. 5º, XLII e XLIV).
É que qualquer espécie de suspensão no
Direito, como é o caso da suspensão política de direitos, sempre deverá estar condicionada
a evento futuro e certo, portanto, sempre se dá dentro de prazo
limitado no tempo. A suspensão da prescrição no CPB, por exemplo, só
subsiste enquanto não é resolvida questão prejudicial em outro processo, ou
enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro, ou ainda enquanto o condenado
está preso por outro motivo (art. 116, I e II e parágrafo único do CP). De
igual modo, a suspensão de direitos políticos por condenação transitada em
julgado só subsiste "enquanto durarem seus efeitos" (art. 15,
III, da CF).
Portanto, a
suspensão tem sempre termo final definido (ainda que não exato), condicionado ao implemento de uma condição
certa. E foi exatamente o que fez o STJ com a edição da Súmula 415 do STJ:
como o art. 366 do CPP dispõe sobre a "suspensão" da contagem do
prazo prescricional, mas não prevê seu termo ad quem, o
STJ, com apoio no entendimento doutrinário majoritário, estabeleceu esse termo
final, que se dará com o advento dos prazos estabelecidos no art. 109 do CP.
A suspensão da contagem prescricional condicionada
a um evento incerto o comparecimento do acusado ao processo , na
prática, implica em tornar indefinido o final do prazo de suspensão da
prescrição, tornando o delito, ao menos em tese, imprescritível.
Lado outro, parece certo que a Constituição estabeleceu de forma taxativa as hipóteses de imprescritibilidade aos crimes de racismo e aos casos de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, exatamente para proibir a imprescritibilidade em qualquer outro delito, ressalvada a dos delitos contra a humanidade, nos termos do direito universal emanado da ONU. Não faria sentido, por exemplo, afirmar que o legislador ordinário pode tornar imprescritível um delito de desacato ou de furto.
Conforme a consagrada lição de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, as normas restritivas de direitos fundamentais devem sempre ser interpretadas restritivamente, para restringir ao mínimo o direito posto, e é desse modo que se deve interpretado o artigo 5º da Constituição. Com efeito, se esse dispositivo constitucional estabeleceu apenas duas hipóteses de imprescritibilidade, deve-se entender que outras não são permitidas.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA