SENTENÇA
Dispensado o relatório de acordo com a Lei 9.099/95.
Em
regra, o cômputo de atividade rural de segurado especial para fins de concessão
de aposentadoria rural por idade é previsto no art. 39 da Lei 8.213/91.
Esse
artigo, entre outros requisitos, exige a comprovação do exercício, mesmo que
descontínuo, de atividade rural pelo tempo de carência previsto.
Assim,
pois, a regra sempre foi a contagem exclusivamente de tempo rural, não se
podendo computar o tempo exercido em outras atividades não-rurais, malgrado a
permissão do exercício de atividades urbanas - sempre eventualmente e por curto
espaço - possa ser inferida da cláusula da descontinuidade contida no citado
artigo.
Contudo, em 2008 veio a lume a Lei nº 11.718, que introduziu os §§ 3º e
4º ao art. 48 da Lei 8.213/91, admitindo a contagem de atividades não-rurais
para fins de concessão de aposentadoria por idade (aumentada em 05 anos)
àqueles que, inicialmente rurícolas, passassem a exercer outras atividades.
Verbis:
Art. 48. A
aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência
exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e
60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 3º Os
trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao
disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem
considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão
jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem,
e 60 (sessenta) anos, se mulher.(Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 4º Para
efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será
apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta
Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como
segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência
Social. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
Em um
primeiro momento, e prestigiando-se uma interpretação meramente literal,
entendeu-se que os referidos dispositivos abarcariam tão somente aqueles
trabalhadores rurais que, num momento pretérito, realizaram atividades
tipicamente urbanas. Em outras palavras, somente poderia requerer o benefício
da doravante denominada aposentadoria mista, quem fosse rurícola quando do
requerimento.
Todavia,
considerando o artigo 194, § único, II, da Constituição de 1988, que estabelece
o princípio da Uniformidade e Equivalência dos benefícios às populações urbanas
e rurais, tenho que esta diferenciação não pode ocorrer.
Nesse
sentido, o Decreto nº 3048/99 regulamentador da Lei nº 8.213/91, não tece
diferenciações acerca do destinatário da norma, independentemente da categoria
a qual o segurado pertence:
Art. 51. A aposentadoria
por idade, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado que
completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, ou sessenta, se mulher,
reduzidos esses limites para sessenta e cinqüenta e cinco anos de idade para os
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea
"a" do inciso I, na alínea "j" do inciso V e nos incisos VI
e VII do caput do art. 9 º , bem como para os segurados garimpeiros que
trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar, conforme definido no
§5 º do art. 9 º . (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999)
§ 3º Para efeito do §
2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no
inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição
mensal do período como segurado especial o limite mínimo do
salário-de-contribuição da previdência social. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,
de 30 de dezembro de 2008)
§ 4º Aplica-se o
disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria
o segurado não se enquadre como trabalhador rural. (Incluído pelo Decreto nº
6.722, de 30 de dezembro de 2008)
Também é o entendimento dos tribunais pátrios:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO
LEGAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL . SEGURADO ESPECIAL. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO DO ART. 39 DA LEI N. 8.213/91. PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA
EXISTÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL
EQUIVALENTE AO PERÍODO DE CARÊNCIA. I. Não há que se falar em julgamento extra
petita, uma vez que, em se tratando de lides previdenciárias, o posicionamento
jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se encontra
pacificado no sentido da possibilidade de ser reconhecido em juízo o benefício
a que tenha direito o Autor da ação, ainda que não o tenha postulado
expressamente. II. A decisão monocrática recorrida harmoniza-se com o
entendimento adotado pela 10ª Turma desta egrégia Corte, no sentido de que a
modificação legislativa trazida pela Lei n.º 11.718/2008 , de 20.06.2008, que
incluiu os §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei n. 8.213/91, passou a permitir a
concessão de aposentadoria por idade àqueles segurados que, embora inicialmente
rurícolas , passaram a exercer atividade urbana e tenham a idade mínima de 60
anos (mulher) ou 65 anos (homem). AC - APELAÇÃO CÍVEL 826673. Processo
0000548-42.2000.4.03.6002. Juiz CONVOCADO NILSON LOPES. e-DJF3 Judicial
DATA:09/01/2013. TRF3ª Região
PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA HÍBRIDA POR IDADE. INTEGRAÇÃO DE PERÍODO DE TRABALHO RURAL AO DE
CATEGORIA DIVERSA. LEI Nº 11.718/08. CONCESSÃO. CONSECTÁRIOS. TUTELA
ESPECÍFICA. Por derradeiro, no ponto, destaco que para concessão da
aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, desimporta qual seja a
atividade exercida pelo segurado ao tempo do requerimento administrativo, ou a
última a ser considerada na concessão do benefício; é o entendimento que deflui
do art. 52, §4º, do Decreto nº 3.048/99, ao dispor que a inovação legislativa
(especialmente as alterações dos §§ 2º e 3º), aplica-se ainda que na
oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como
trabalhador rural. APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014935-23.2010.404.9999/RS. Des. Federal
ROGERIO FAVRETO. D.E. 25/11/2011. TRF 4ª Região
Concluo, portanto, que seja qual for a predominância do labor misto no
período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do
requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a
se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde
que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
No
presente caso, conforme cópia da cédula de identidade acostada na fl. 06, o
requisito etário (60 anos) foi alcançado pela autora em 17/03/2012.
Noutro
passo, a comprovação da qualidade de trabalhador rural, como é cediço,
pressupõe início razoável de prova material, complementada esta por prova
testemunhal idônea (art. 55, §3º, da Lei 8.213/91; Súmula 149 do STJ).
Na
espécie, a certidão de casamento (fl. 11), em que consta a profissão de
lavrador do cônjuge da parte autora, em 1971, e demais documentos juntados,
consubstanciam provas materiais suficientes a revelar indícios da atividade
rurícola.
Em audiência,
a parte autora disse, resumidamente, que morava na fazenda quando se casou, em
1971, e continuou na mesma fazenda, de nome São Lourenço; o dono era o Jerônimo
Franco da Costa; ficaram mais ou menos 20 anos lá; nunca saiu desta fazenda;
ajudava o marido na roça; teve dois filhos, que estudavam na cidade, vinham
todo dia; mesmo quando as crianças eram pequenas ajudava seu marido, que fazia
de tudo; tinham porcos e galinhas somente para o consumo; não recebia nada do
patrão, somente seu marido; depois de seu casamento, não mais cozinhava para
peões. Afirmou, por fim, que quando veio para cidade seu filho mais velho tinha
16 anos, pelo que lembra era 1988, e o mais novo completou 15 anos na cidade.
A 1ª
Testemunha sucintamente informou: que conhece a autora desde 1971, já que saiu
da fazenda quando o marido da requerente entrou; ficou conhecido do casal;
disse que ela ajudava o marido na fazenda, que viu ela na roça e capinando;
quando as crianças eram pequenas, ela cuidava delas e nas horas vagas ajudava;
afirmou que a autora não era empregada.
Por
fim, disse a 2ª Testemunha: que conhece a autora desde 1971; disse que mudou da
fazenda quando a autora casou-se; que visitava a fazenda; relatou que a
requerente ajudava na roça, fazendo cerca, plantando milho, cozinhando; afirmou
que a autora e seu marido continuaram na fazenda depois de 1988.
Em que
pese certa fragilidade nas citadas provas orais, com suporte nos documentos
juntados, como as anotações na CTPS e os registros no CNIS do esposo, tenho que
a parte autora realmente detinha a qualidade de segurada especial, entre
1971 e 1988.
Em
relação ao tempo de recolhimento urbano, os comprovantes de fls. 82/93 (mesmo
que alguns completamente ilegíveis) apontam que a pleiteante contribuiu por
doze meses, de 10/2012 a 09/2013.
Observo
que, utilizando tão somente o trabalho rural, a parte autora já satisfaz a
carência exigida pela lei (180 meses), razão pela qual faz jus, de acordo com o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, à aposentadoria por idade.
PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA, MEDIANTE CÔMPUTO DE TRABALHO URBANO E RURAL.
ART. 48, § 3º, DA LEI 8.213/91. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Consoante a
jurisprudência do STJ, o trabalhador rural que não consiga comprovar, nessa
condição, a carência exigida, poderá ter reconhecido o direito à aposentadoria
por idade híbrida, mediante a utilização de períodos de contribuição sob outras
categorias, seja qual for a predominância do labor misto, no período de carência,
bem como o tipo de trabalho exercido, no momento do implemento do requisito
etário ou do requerimento administrativo, hipótese em que não terá o favor de
redução da idade.
II. Em conformidade com
os precedentes desta Corte a respeito da matéria, "seja qual for a
predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas
no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a
utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi
cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado
será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor
exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991)", e, também,
"se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento
de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas
a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para
fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não
sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições" (STJ, AgRg no
REsp 1.497.086/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de
06/04/2015).
III. Na espécie, o
Tribunal de origem, considerando, à luz do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, a
possibilidade de aproveitamento do tempo rural para fins de concessão do
benefício de aposentadoria por idade urbana, concluiu que a parte autora, na
data em que postulou o benefício, em 24/02/2012, já havia implementado os
requisitos para a sua concessão.
IV. Agravo Regimental
improvido.
(STJ; AgRg no REsp
1477835/PR; Ministra Assusete Magalhães; DJe 20/05/2015)
Portanto,
preenchendo o requisito etário e a carência, tem direito à concessão do
benefício de aposentadoria por idade, a contar da data do requerimento
administrativo.
Pelo exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, condenando o INSS a
implantar o benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §3º, artigo 48 da Lei de Benefícios, com renda
mensal inicial (RMI) de um salário mínimo, data de início do benefício (DIB) na
data do requerimento administrativo (08/10/2014) e data de início do pagamento
(DIP) em 1º//06/2015.
Determino
que as parcelas atrasadas, desde a data em que cada uma delas deveria ter sido
paga, sejam acrescidas de correção monetária e juros de mora, nos termos do
Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Deixo de conceder a antecipação de tutela para implantação do benefício,
tendo em vista que não há pedido expresso na inicial.
Sem custas e sem honorários (art. 55 da Lei 9.099/95).
Após o trânsito em julgado, intime-se o INSS para apresentar os
cálculos.
ALEXANDRE HENRY ALVES
Juiz Federal
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA