Quando a 2ª fase do concurso é a pedra no seu sapato (parte 2)

05/10/2017 - 08h00

Foto: Morguefile - FlashBuddy


No texto anterior, eu comecei a falar das provas subjetivas, aquelas em que você tem que elaborar um texto como resposta, e disse que o primeiro e maior segredo para sair bem nessa fase do concurso é praticar. Praticar muito! Mas, há também outras dicas que, se você ainda não conhece, merecem a sua atenção.

Peguemos a dissertação do XIII Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 5ª Região como exemplo para clarear os ensinamentos que eu quero passar. Constava na prova:

Disserte sobre o tema controle de constitucionalidade, abordando, necessariamente, os aspectos a seguir.

- No que se refere ao controle preventivo de constitucionalidade de lei federal pelo Judiciário, considere os seguintes pontos: controle concreto ou abstrato; legitimados ativos e passivos; a(s) hipótese(s) de cabimento; meio(s) viável(is) para a realização de tal controle; e os efeitos da decisão.

- Com relação ao controle abstrato de constitucionalidade de lei municipal, considere os seguintes pontos: possibilidade e hipóteses de controle; normas-parâmetro; corte(s) competente(s) para a realização de tal controle em cada hipótese; legitimados à propositura da ação abstrata em cada hipótese; efeitos da decisão em cada hipótese.

- Ainda no que tange ao controle abstrato de constitucionalidade de lei municipal, considere o cabimento ou não de recurso extraordinário em face de acórdão do tribunal local que declarar a inconstitucionalidade de lei municipal.

O primeiro passo é ler a questão ao menos duas vezes. Pode parecer uma sugestão boba, mas tem gente que passa os olhos pelo enunciado e já sai respondendo, especialmente quando percebe que domina bem uma parte do que é exigido. O risco é você se esquecer de algo ou não compreender, em sua totalidade, o que o examinador quer.

O seu objetivo, nessas duas leituras iniciais do enunciado, é justamente identificar a forma e o conteúdo da questão, ou seja, o que o examinador quer que você aborde e a forma como ele quer que você o faça. Nesse nosso exemplo, é possível identificar, desde logo, que ele quer que você faça uma dissertação, que é um texto por meio do qual você vai expor as suas ideias acerca de determinado(s) tema(s). Se você elaborar sua resposta sob um formato diferente de uma dissertação, poderá perder pontos preciosos ou mesmo ver sua nota zerada.

Além de constatar que o examinador deseja que você disserte, a leitura do enunciado também permite saber que ele quer que você aborde todos os aspectos que ele citou sobre o controle de constitucionalidade. Repare que ele coloca a palavra necessariamente:

Disserte sobre o tema controle de constitucionalidade, abordando, necessariamente, os aspectos a seguir.

Portanto, você não deve se esquecer de nenhum dos itens. Como não se esquecer deles? No nosso exemplo, está bem fácil, pois o examinador os colocou de forma clara e expressa. Ao longo da redação de sua dissertação, você pode simplesmente ir “ticando” cada item do enunciado, o que evitará terminar seu texto sem abordar tudo. Mas, pode ser que o enunciado não esteja tão evidente quanto aos pontos exigidos ou, no caso de questões, quanto ao problema central que o examinador quer que você enfrente. Aí, a sugestão é você sublinhar as palavras mais importantes ou fazer um esquema na folha de rascunhos. Tomemos como exemplo uma questão do mesmo concurso do TRF da 5ª Região:

Ao detectar uma movimentação de R$5.000.000 na conta bancária de José, a Receita Federal do Brasil instaurou ação fiscal contra ele, e, após processamento regular, constituiu definitivamente crédito tributário no valor de R$1.500.000 a título de imposto de renda de pessoa física.

Devidamente comunicado via representação fiscal para fins penais, o Ministério Público Federal instaurou investigação criminal e, após diversas diligências, descobriu que José não era o verdadeiro titular do numerário que transitou por sua conta, o qual pertencia a João, a quem José "emprestou" sua conta, entregando-lhe cartão de movimentação, senha e cheques assinados em branco.

Denunciados José e João pela prática prevista no artigo 1.º, I, da Lei n.º 8.137/1990, este último apresentou resposta à acusação (CPP - 396-A), na qual alegou que não seria possível instaurar, contra si, ação penal por crime fiscal, já que não se operou em seu desfavor o necessário lançamento fiscal, de modo a não o alcançar, obviamente, o lançamento decorrente de processo administrativo do qual não participou.

************

Na condição de juiz, realize o juízo de admissibilidade, considerando somente a situação hipotética descrita.

Nessa questão, depois de ler o enunciado duas vezes, você saberia que o examinador desejava que você fizesse um juízo de admissibilidade da denúncia criminal, ou seja, que você dissesse se a ação penal proposta pelo Ministério Público poderia ter continuidade ou não. As palavras e expressões que eu destaquei ajudam você a perceber o que o examinador quer e qual é o cerne do problema. Em formato de esquema, seria mais ou menos assim:

1) A Receita Federal constitui crédito tributário, de forma definitiva, contra José.

2) O MPF descobre que o dinheiro, que deu origem à cobrança do imposto, pertencia na verdade a João.

3) O MPF denuncia os dois por crime de sonegação fiscal.

4) João se defende dizendo que ele não fez parte do processo administrativo tributário e, por isso, não há crédito tributário definitivamente constituído contra ele, o que seria uma condição de admissibilidade da ação penal.

5) Pergunta a ser respondida: quem não foi parte do processo administrativo de constituição de um crédito tributário X pode responder por ação penal por crime de sonegação fiscal referente a esse crédito tributário X ou é necessário que, antes, ele também tenha a oportunidade de se defender administrativamente? Obs.: não se esquecer de analisar, também, a admissibilidade da denúncia contra José.

Veja que, no formato de esquema que coloquei acima, eu já fui mais além do que fiz no exercício de sublinhar as palavras e expressões mais importantes da questão. Eu identifiquei exatamente o que o examinador quer que eu responda. Essa é a pedra angular na construção de qualquer texto de dissertação ou resposta de questão discursiva! E, em regra, é o maior erro dos candidatos. A maioria dos estudantes comete um desses dois erros:

1. NÃO ENTENDE O QUE O EXAMINADOR QUER

2. NÃO ABORDA TUDO O QUE O EXAMINADOR QUER

Nessa questão do crime de sonegação fiscal, o candidato poderia fazer uma bela resposta e levar uma nota próxima do zero. Como? Ele poderia tecer considerações gerais sobre os crimes de sonegação fiscal, falar da discussão jurídica acerca da necessidade de constituição definitiva ou não do crédito tributário como condição da ação penal, pontuar o que se considera constituição definitiva e dizer o que os tribunais decidiram sobre o tema, ou seja, se a constituição definitiva é ou não condição prévia para o processamento da ação penal. Uma resposta em português perfeito, com um texto claro e coerente. Mas, e a dúvida do examinador? Ele até gostaria de ver você abordando esses pontos, mas ele quer mesmo é saber se pode ser admitida a denúncia criminal contra João, mesmo não tendo João sido colocado no polo passivo do lançamento tributário. E, claro, se pode ser admitida a denúncia contra José (eu coloquei a observação após a pergunta, no item 5, para me lembrar de que era preciso abordar também esse ponto, sob pena da resposta ficar incompleta). Sem responder a essas questões, especialmente a primeira, todo o resto desmorona. Lembre-se mais uma vez: identificar o que o examinador deseja saber, em sua integralidade, é a pedra angular de uma prova discursiva.

A solução para não cometer esses tropeços passa por: a) praticar muita dissertação e responder a muitas questões discursivas antes do concurso, pois só assim você se acostumará a identificar rapidamente o que o examinador quer; b) ler o enunciado com calma e ao menos duas vezes; c) destacar as palavras mais importantes ou montar um esquema na folha de rascunhos; d) tentar redigir, no caso de perguntas (e também no caso de algumas dissertações), uma frase que sintetize o que o examinador deseja saber, tal como eu fiz no item 5 do esquema sobre a questão do TRF da 5ª Região. Faça isso e metade do caminho já terá sido percorrido, acredite em mim.

Vamos parar por aqui, por enquanto. No próximo texto, eu continuo falando sobre provas discursivas.


Alexandre Henry

Professor e Juiz Federal


P.S.: caso você tenha Twitter, publico algumas coisas por lá. Perfil: https://twitter.com/henryprosa




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