"Depois do sonho": confira texto do Juiz Federal Alexandre Henry sobre vida e concursos

27/03/2017 - 14h58

O JusTutor compartilha abaixo texto do Juiz Federal Alexandre Henry, publicado no Diário do Comércio de Uberlândia, no qual ele trabalha questões relativas a concursos, sonho e vida. Bem interessante!




Depois do sonho


Faz pouco mais de dez anos que vivi um dos dias mais intensos da minha vida. Eu estava fazendo o concurso para Juiz Federal, meu primeiro exame para aquele sonhado cargo, e tinha chegado à prova oral, na qual eu seria sabatinado sem dó nem piedade. Por 24 horas, após o sorteio do conteúdo da prova na véspera, eu estudara sozinho em um quarto de hotel, com um intervalo para o sono, seguido de um café da manhã em silêncio e a pulsação ameaçando desandar.


Cheguei ao local de prova. Eram cinco examinadores e eu estava na penúltima classificação do concurso, que tinha um histórico de sempre eliminar um ou dois candidatos naquela última fase. Sobrevivi bem aos três primeiros examinadores. No quarto, o presidente da banca, fui questionado por ele sobre um sujeito que tinha enviado um "dossiê" contra mim para o Tribunal. Foi como levar um soco na cara enquanto eu executava um complicado passo de dança! Respirei fundo, expliquei a situação, ele seguiu com a prova, passei pelo último examinador, enfrentei os mesmos questionamentos e, finalmente, saí daquele local em estado de choque. Foi a tarde mais longa da minha vida. Eu me lembro de ter ido a um shopping, entrado em um cinema, mas não me recordo de mais nada. Eu estava em outra dimensão, em um estado de nervos indescritível após sofrer um baque daqueles logo quando eu estava a dois passos do meu sonho. Voltei para o hotel e, no começo da noite, recebi de um amigo o resultado pelo telefone, podendo então extravasar toda aquela carga de emoção. Enfim, mesmo com todos os percalços, eu havia realizado o meu sonho de me tornar um Juiz Federal!


Duas semanas depois, eu entrei pela primeira vez na minha sala, para o meu primeiro dia de trabalho. Ali, constatei o que eu já sabia: ao contrário dos contos de fada, a vida continua depois do final feliz. Ser aprovado em um concurso desses é tão difícil, parece um sonho tão distante, que a maioria das pessoas nem se preocupa com o que vai acontecer depois do sonho se realizar. Não existe o final feliz: existe um momento de extrema felicidade (no caso, a aprovação), mas que não é o final e, sim, o começo de toda uma nova jornada. Sobre essa nova jornada, se ela vai ser feliz ou não, aí depende de cada um.


Ao longo dos meus 41 anos de idade, e escrevo este texto justamente no dia do meu aniversário, percebi a importância de você pensar não apenas no sonho, mas também no que vai acontecer depois do sonho virar realidade. Já li sobre loterias e sobre a felicidade do ganhador não durar mais do que seis meses. Não é difícil entender a razão disso acontecer. Enquanto você está mirando o seu sonho, você não pensa no que virá depois de sua realização. A sensação que se tem é que basta ser aprovado no concurso, basta ganhar na loteria, basta subir ao altar com aquela pessoa amada. Mas, e o dia seguinte? Não dá para ignorar que você vai acordar depois da festa e vai ter que encarar a rotina diária de trabalho do seu novo cargo, os problemas e preocupações que uma fortuna traz ou o mau humor que você não sabia que a pessoa amada tinha pelas manhãs. Mais do que isso, o dia seguinte trará um vazio inevitável decorrente de não se ter mais um objetivo gigantesco a te puxar para frente. De repente, você se pergunta: era isso mesmo que eu queria? O que eu vou fazer da minha vida agora que já consegui o que tanto sonhava?


Depois daquele dia de intensidade máxima na minha vida, eu curti por duas semanas um estado de êxtase e tranquilidade. Quando entrei na minha sala para o primeiro dia de trabalho como Juiz Federal, ainda estava animado pelas novidades da nova profissão e isso bastou para que eu não sentisse vazio algum. Porém, os meses se passaram e a rotina se estabeleceu cheia de processos e audiências. Dez anos depois, esse é o meu cotidiano, que deve, por conta das mudanças na Previdência, repetir-se por algumas décadas. E aí? O que eu posso dizer dez anos depois da conquista daquele sonho? Com tranquilidade, eu digo que, depois do meu "final feliz", seguiu-se uma jornada igualmente feliz. Mas, só foi assim porque eu repito para mim mesmo o tempo todo que o meu sonho ia além da aprovação no concurso e abraçava também aquela pilha de processos. E, claro, porque eu busco todos os dias encontrar os pontos positivos no meu trabalho e me concentrar neles. Afinal de contas, depois de tanto lutar pelo sonho da aprovação, eu é que não iria deixar os dias seguintes se tornarem um pesadelo.


Alexandre Henry - Escritor e Juiz Federal


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