Concursos e pessoas com deficiência: importante decisão do TRF da 1ª Região

20/03/2017 - 11h46

O JusTutor destaca a íntegra do voto da Relatora Hind Ghassan, do TRF da 1ª Região, sobre a participação de pessoas com deficiência em concursos públicos. Destacamos esses importantes trechos do voto:


Não parece razoável que na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o “exercício das atribuições do cargo”, sendo o momento adequado para isto o Curso de Formação e posteriormente o Estágio Probatório. (...) Nem mesmo a capacidade “suportar os exercícios” deve ser alvo de elucidações na fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade. Assim, a fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o exercício das atribuições do cargo.


Confira abaixo a íntegra do voto:



TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 0000186-77.2014.4.01.4200/RR

RELATOR(A)

:

DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN

RELATORA

:

JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.)

APELANTE

:

UNIAO FEDERAL

PROCURADOR

:

JOSÉ ROBERTO MACHADO FARIAS

APELADO

:

HENRIQUE EVANGELISTA DIAS NETO

DEFENSOR

:

DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO - DPU

REMETENTE

:

JUIZO FEDERAL DA 1A VARA - RR

R E L A T Ó R I O

A Exma. Sra. Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH (Relatora Convocada):

Trata-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da sentença de fls. 321/329 de lavra do MM Juiz Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, que confirmou a antecipação da tutela e julgou procedente o pedido, determinando a reinclusão do autor, Henrique Evangelista Dias Neto, nas demais etapas do concurso da Polícia Federal, Edital 1/2013, e restando aprovado, procedesse à nomeação, observada a ordem de classificação.

2. Consignou o ilustre magistrado de primeiro grau que a) o autor foi aprovado no exame de digitação; b) foi submetido a exame de aptidão física tendo sido aprovado; c) o autor é do quadro da Policia Civil do Estado de Roraima, onde exerce o cargo de agente carcerário no setor de operações e investigações; e d) o caso é uma ofensa ao princípio da isonomia e igualdade, na medida em que está sendo tolhido o direito do portador de necessidade especial de participar de curso de formação e ocupar cargo público, no caso de aprovação, em razão de sua deficiência.

3. Irresignada, apelou a União Federal sustentando às fls. 331/352 que, em síntese, o candidato anuiu com todas as regras do concurso e o acesso ao cargo público em questão exige que o candidato possua características físicas e clínicas compatíveis com o exercício da função policial.

4. Contrarrazões de fls. 355/362.

É o relatório.

Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH

Relatora Convocada


V O T O

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. CARGO ESCRIVÃO DE POLICIA FEDERAL. PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. INAPTO PARA AS ATIVIDADES PROFISSIONAIS NO EXAME MÉDICO. MOMENTO PARA CONSTATAR APTIDÃO PARA AS ATIVIDADES PROFISSIONAIS É O CURSO DE FORMAÇÃO E ESTÁGIO PROBATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA.

I - Não é razoável que na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o “exercício das atribuições do cargo”, sendo o momento adequado para isto o Curso de Formação e posteriormente o Estágio Probatório.

II –“(...) Precedente desta Corte Regional sobre momento de aferição da (in)compatibilidade entre deficiência e atividade do cargo, a ser fixado durante estágio probatório.” (AC 0023067-96.2009.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1114 de 06/10/2015)

III - Nem mesmo a capacidade “suportar os exercícios” deve ser alvo de elucidações na fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade.

IV - A fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o exercício das atribuições do cargo.

V – Recurso de apelação e remessa oficial aos quais se nega provimento. Sentença mantida.


A Exma. Sra. Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH (Relatora Convocada):

A controvérsia da lide gira em torno da possibilidade do Apelado, Henrique Evangelista Dias Neto, participar de todas as fases do concurso para o cargo de escrivão da Policia Federal, na vaga destinada a candidatos portadores de deficiência, tendo sido declarado inapto em exame médicos.

2. Inicialmente, uma ressalva, o concurso em questão não reservava vagas para portadores de necessidades especiais, afrontando o art. 37, inciso VII da CF/88, somente após o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da demanda ajuizada pelo Ministério Público Federal foi reservada 18 vagas para essa natureza.

3. O Apelado se inscreveu no concurso público para provimento de vagas no cargo de Escrivão da Policia Federal, Edital 01/2013 – DGP/DPF, para as vagas destinadas a portadores de necessidades especiais, tendo sido aprovado nas provas objetivas e discursivas, sendo convocado para as demais fases do concurso: exame de aptidão física, avaliação psicológica, prova prática de digitação, exame médico. E por fim, por ser candidato à vaga de portadores de necessidades especiais, foi convocado para perícia médica.

4. Tendo sido considerado apto em todas as fases, exceto a de exame médico, onde o Autor foi eliminado do certame pois foi diagnosticado com sequela de lesão traumática no 2º, 3º e 5º quirodáctilos esquerdos, possuindo perda funcional significativa, condição considerada incapacitante para o exercício das atribuições do cargo em questão.

5. Alega o Apelante que já exerce a função de Policial Civil no Estado de Roraima, desempenhando todas as atividades inerentes ao cargo de Agente Penitenciário no setor de operações e investigações.

6. O edital que rege o certame prevê o exame médico, com o intuito de atestar se o candidato será considerado apto ou não apto, para ingressar no Curso de Formação Profissional, conforme subitens abaixo transcritos:

11.2 O exame médico de caráter unicamente eliminatório, será realizado pelo CESPE/UnB e objetiva aferir se o candidato, com deficiência ou não, goza de boa saúde física e psíquica para suportar os exercícios a que será submetido durante o Curso de Formação Profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional.

11.3 A partir do exame médico e da avaliação dos exames laboratoriais e complementares, o candidato será considerado “apto” ou “inapto”.

7. Deve se asseverar, que antes desta eliminação por ser considerado inapto, o candidato já tinha sido aprovado nas fases de digitação, onde se exigiu nota mínima no valor de 5 pontos, na fase de aptidão física, onde se submeteu aos testes de: a) barra fixa, mínimo exigido de três flexões; b) impulsão horizontal, mínimo de 2,14m; d) corrida de zoe minutos, mínimo de 2.350m; e e) natação, 50 metros com o tempo máximo de 41 segundos.

8. Compulsando os autos, encontra-se juntada as fls.26 declaração emitida pelo Delegado do 1º Distrito Policial, na qual afirma:

(...) Declaro ainda que mesmo sendo Portador de Necessidades Especiais – PNE, lesão no 2º, 3º e 5º dedos da mão esquerda, tal fato em nada interferre nas atribuições policiais a que é submetido, sendo que realiza com eficiência e presteza as seguintes atribuições: acompanhar a autoridade policial em diligência policiais, dirigir veículos policiais, investigações de crimes, desempenhar outras atividades de natureza policial e administrativa, executar mandados de busca e apreensão, efetuar prisões em flagrante, executar mandado de prisão, portar e manusear armas de fogo, bem como executar outras tarefas que lhe forem atribuídas,mantendo um excelente desempenho técnico e profissional, sem gerar atos que venham a colocar em risco, no desempenho do cargo, a segurança dos demais policiais do Setor de Operações deste Distrito.

9. Não parece razoável que na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o “exercício das atribuições do cargo”, sendo o momento adequado para isto o Curso de Formação e posteriormente o Estágio Probatório. Em caso de grande similitude, assim decidiu essa Corte Regional:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. VERIFICAÇÃO DA (IN)COMPATIBILIDADE ENTRE A DEFICIÊNCIA APRESENTADA E O EXERCÍCIO DO CARGO. MOMENTO. ESTÁGIO PROBATÓRIO. POSSE E NOMEAÇÃO. NOMEAÇÃO E POSSE TARDIA EM CARGO PÚBLICO DECORRENTE DE ATO ADMINISTRATIVO ALTERADO JUDICIALMENTE. DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES INOCORRENTE. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. SENTENÇA MANTIDA. I - Não há impossibilidade jurídica do pedido ao fundamento de que o Poder Judiciário não poderia decidir questões concernentes ao mérito administrativo, uma vez que, na hipótese de flagrante ilegalidade envolvendo etapa de concurso público, tem-se admitido a intervenção judicial por ofensa ao princípio da legalidade. II - Precedente desta Corte Regional sobre momento de aferição da (in)compatibilidade entre deficiência e atividade do cargo, a ser fixado durante estágio probatório. III - Perícia judicial concluindo, no caso concreto, pela capacidade do autor para desempenhar grande maioria das atribuições de técnico em gesso. IV - A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional assentou-se no sentido de que o candidato a cargo público, cuja nomeação tardia decorreu de decisão judicial, não tem direito à indenização pelo tempo que aguardou a solução definitiva do Judiciário. Nesse sentido, entre outros: STF - RE 593373 AgR, 2ª Turma, DJe-073 PUBLIC 18-04-2011; STJ - EREsp 1117974/RS, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Corte Especial, DJe 19/12/2011; e, TRF 1 - AC 2022-70.2009.4.01.4100/RO, Rel. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN, 6ª Turma, e-DJF1 de 03/12/2012. V. Entendimento deste Tribunal de que o titular de cargo público, cuja investidura foi reconhecida por força de decisão judicial transitada em julgado, não tem direito à retroação dos efeitos funcionais relativos à data da nomeação e da posse ocorridas na esfera administrativa, porquanto somente o efetivo exercício rende ensejo às prerrogativas funcionais inerentes ao cargo público. Precedentes desta Corte. VI - Apelação, recurso adesivo e remessa oficial a que se nega provimento. (AC 0023067-96.2009.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1114 de 06/10/2015)

10. Nem mesmo a capacidade “suportar os exercícios” deve ser alvo de elucidações na fase de exame médico, visto a existência de uma fase de aptidão física, a qual apresenta um rol de teste de esforço acima da média para esta finalidade.

11. Assim, a fase de exame médico deve limitar-se a constatar a boa saúde física e mental do candidato, não entrando no mérito que pertence a fases futuras ou já ultrapassado em fases anteriores, acerca da aptidão ou não do candidato para o exercício das atribuições do cargo.

12. Não se trata de negar aplicação aos princípios da legalidade, isonomia e da vinculação ao edital (art. 41 da Lei 8.666/93), mas, sim, de privilegiar os princípios da razoabilidade, igualdade, da inclusão social e do acesso a cargos públicos.

13. Por fim, diante do exposto e do conjunto probatório produzido nos autos, tais como a aprovação do candidato em todas as demais fases do certame, o fato deste já exercer a atividade de policia a contento, conforme declaração juntada aos autos, não merece reparos sentença de primeiro grau.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso de apelação da União e à remessa oficial.

É como voto.

Juíza Federal HIND GHASSAN KAYATH

Relatora Convocada

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