Considere a seguinte situação hipotética. Visando à prática de ação criminosa, um empresário de Campo Grande/MS, um gerente da Caixa Econômica Federal (CEF) da mesma cidade, um membro do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul, um prefeito do interior e um deputado federal, ambos do mesmo estado (MS), reuniram-se e, após o cometimento de diversos delitos e flagrante liame subjetivo entre todos, lograram êxito em desviar R$ 10 milhões dos cofres da CEF. Na fase pré-processual, foram investigados pela Polícia e, posteriormente, denunciados pelo Ministério Público, atualmente com status processual de réus no processo-crime. Após o oferecimento da resposta à acusação e antes da data designada pelo magistrado para a audiência da instrução e julgamento, algumas testemunhas de acusação relataram à polícia que receberem do empresário e do deputado federal propostas de grande soma de dinheiro para falsear a verdade em juízo (art. 343, caput e parágrafo único do Código Penal. “Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar, calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação: Pena – reclusão, de três a quatro anos, e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta”). Por terem recusado a oferta ilícita, as testemunhas e seus familiares passaram a ser ameaçados (art. 147, do Código Penal. “ámeaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa”), inclusive com atentados concretos praticados contra suas próprias vidas pelos dois réus (empresário e deputado federal), fatos que puderam ser robustamente comprovados por meio de investigação policial. Em um desses atentados, perpetrado na cidade de Campo Grande/MS, o empresário e o deputado federal, com evidente animus necandi, dispararam, cada um, 5 (cinco) tiros contra uma das testemunhas que, fatalmente ferida, foi a óbito no local do crime. Restou a comprovado pelas investigações e pela polícia científica que um dos disparos realizados pelo empresário transfixou a vítima e atingiu um transeunte que, no momento, passava do outro lado da rua, causando-lhe lesões corporais culposas que o incapacitaram permanentemente para o trabalho.
Diante dos fatos expostos, atente para as seguintes questões:
a) Discorra sobre a possiblidade de decretação de prisão preventiva do empresário e do deputado federal em face das condutas ilícitas que praticaram durante a ação penal, após o oferecimento da resposta à acusação. Justifique fundamentadamente sua resposta.
b) Considerando a ação perpetrada pelo empresário, no que se refere ao homicídio e às lesões corporais, discorra sobre eventual hipótese de concurso de crimes e erro, esclarecendo as consequências jurídicas para fins de fixação de pena levando em conta o mínimo legal.
A prisão preventiva está prevista no artigo 311 e seguintes do Código de Processo Penal e pode ser decretada tanto na fase de inquérito policial, como também na fase processual, sempre visando, como determina o artigo 312 do CPP, garantir a harmonia social ou econômica da sociedade, o êxito na obtenção/colheita de provas e também como forma de garantir a aplicação da lei ao caso concreto, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 313 deste código processual.
No caso em tela, podemos vislumbrar alguns requisitos legais que justifiquem a decretação de prisão preventiva, tal como a conduta de prática delitiva, com pena superior a quatro anos de reclusão, bem como a necessidade de garantir a harmonia social e assegurar a obtenção de provas.
Assim, a princípio, poderíamos falar em prisão preventiva dos dois acusados. Contudo, importante não esquecermos um dos acusados é Deputado Federal, possuidor da prerrogativa constitucional, estabelecida no artigo 53, § 2º da Constituição Federal, que garante ao parlamentar a possibilidade de ser preso em flagrante delito e nos crimes inafiançáveis. Dessa forma, via de regra, não poderíamos falar em prisão temporária para Parlamentares Federais.
Importante também destacarmos que a questão divide opiniões, havendo quem entenda que, excepcionalmente, a prisão preventiva, em alguns casos, poderia sim ser aplicada aos Congressistas.
Tais casos poderiam, por exemplo, ser admitidos, quando a atuação do acusado pudesse colocar em risco os direitos constitucionais assegurados a todos, tal como o direito a segurança, direito a vida, direito ao devido processo legal, todos direitos fundamentais assegurados na CF/88.
Essa possibilidade de afastar uma prerrogativa constitucional para assegurar normas/direitos do mesmo jaez é conhecido como “teoria da derrotabilidade das normas jurídicas e, inclusive, foi utilizado pelo STF para permitir a prisão temporária de um parlamentar no ano de 2015, em situação parecida com o caso aqui apresentado.
Dessa forma, considerando que além de tumultuar o processo, e ameaçar as testemunhas, o Deputado chegou, com animus necandi, disparar cinco tiros contra as testemunhas, nos parece ser plausível a adoção da teoria da derrotabildade da norma jurídica, para afastar a prerrogativa constitucional de somente ser preso em flagrante delito e em crime inafiançável (artigo 53, § 2º), para, visando assim assegurar efetivamente o direito a vida das testemunhas e garantir a observância do devido processo legal no processo criminal que é parte o Parlamentear e assim, permitir a decretação da preventiva ao acusado Deputado Federal, bem como ao acusado empresário.
Com relação ao concurso de crimes, estamos diante de um caso de erro de execução previsto no artigo 73 do Código Penal, também conhecido como “aberratio ictus”.
No caso em tela o acusado atingiu o bem jurídico visado, qual seja a vida de uma das testemunhas, sendo que na execução do ato, por um motivo contra sua vontade, acabou atingindo também uma terceira pessoa que sofreu lesões corporais graves em razão da atividade delitiva.
Diante dos fatos, de acordo com o artigo 73 do Código Penal, segunda parte, podemos concluir que o empresário agiu em erro de execução, ou “aberratio ictus”, devendo responder nos termos do artigo 70 do CP, em concurso formal pelos crimes de homicídio doloso e lesão corporal culposa, sendo utilizada a pena do crime mais grave, no caso o homicídio, acrescido de 1/6 até a metade, haja vista estarmos diante de um concurso formal próprio heterogêneo.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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