Diversas pessoas noticiaram ao Ministério Público a recusa de determinada empresa de seguros a contratar novos clientes e a renovar os contratos de clientes antigos, caso constassem sobre esses consumidores anotações de restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito, ainda que eles se dispusessem a realizar o pronto pagamento do prêmio para ter direito ao serviço. Devidamente notificada, a empresa confirmou a informação, tendo justificado sua conduta com o argumento de que, ainda que o pronto pagamento do valor do prêmio fosse efetuado pelo consumidor, a liquidação do preço não seria apta a substituir a análise do risco pela seguradora, de modo que a recusa da contratação constituía exercício regular de direito.
À luz do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do STJ, redija um texto dissertativo que aborde, de maneira justificada, os seguintes aspectos referentes à situação hipotética apresentada:
1 natureza do direito dos consumidores nessa situação se difuso, coletivo ou individual homogêneo; disponível ou indisponível; com ou sem interesse social relevante;
2 legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública a fim de compelir a seguradora a se abster de recusar a contratação ou a renovação de seguro para consumidores na situação narrada;
3 validade ou abusividade da conduta da seguradora, bem como de eventual recusa de contratação ou renovação de seguro a quem
tenha restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito e queira realizar o pagamento do prêmio de maneira parcelada
Com o advento da nova ordem constitucional, o direito de acesso à jurisdição e duração razoável do processo, encampados, dentre outros, pelo art. 5º, XXXV e LXXVII da CF, surgiu a necessidade de implementação de mecanismos coletivos para proteção de direitos, por meio da segunda onda renovatória do acesso à justiça.
Nesse sentido, o art. 81, p. ú. do CDC dispõe que a tutela coletiva será exercida quando se tratar de direitos difusos, coletivos strictu sensu ou individuais homogêneos. As duas primeiras espécies são transindividuais e indivisíveis, mas, enquanto nos difusos a titularidade é de pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato, os coletivos em sentido estrito pertencem a grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Por sua vez, os direitos individuais homogêneos são direitos coletivos acidentais, uma vez que, em realidade são individuais, mas tratados pela lei como coletivos, diante disso, são divisíveis, pertencem a pessoas determinadas e decorrem de origem comum.
No caso em análise, os direitos tutelados são individuais homogêneos, eis que são divisíveis e sua titularidade é dos consumidores ou potenciais consumidores do referido seguro, sendo a origem comum a negativa da seguradora.
Ademais, o direito de contratar é disponível, diante do princípio da autonomia privada, nos termos do art. 421 do CC. Assim, apesar de sua disponibilidade, os direitos sob análise têm relevante interesse social, uma vez que ultrapassam a esfera dos direitos subjetivos, atingindo a própria coletividade.
No que toca à legitimidade do parquet, é incontestável quanto aos direitos coletivos e difusos, em virtude dos arts. 82, I, CDC, art. 129, III, da CF, art. 5º, I, Lei 7.347/85, dentre outros. Conquanto, há divergência sobre a legitimidade do órgão ministerial na tutela dos direitos individuais homogêneos, tendo em vista que são apenas acidentalmente coletivos.
Destarte, sugiram quatro correntes sobre o assunto. A primeira prevê a legitimidade ampla e irrestrita do Ministério Público para a tutela de todos os direitos individuais homogêneos, enquanto que a segunda prevê a absoluta ilegitimidade. Por sua vez, a terceira corrente aponta a existência da referida condição da ação apenas em se tratando dos direitos individuais homogêneos indisponíveis, e a última amplia a anterior de modo a abranger também os disponíveis em caso de relevante interesse social. A jurisprudência, inclusive das cortes superiores, tem adotado as duas últimas correntes, majoritariamente.
Nesse sentido, o parquet é detentor de legitimidade processual para proteger os consumidores em face da seguradora, visto que os direitos tutelados, são disponíveis e dotados de relevância social (art. 82, I, CDC, art. 129, III, da CF, art. 5º, I, Lei 7.347/85, art. 1º, Lei 8.625/93).
Por fim, cumpre esclarecer que, de acordo com a jurisprudência da Corte Cidadã, é válida a negativa da seguradora em contratar ou renovar contratos com consumidores com anotações de restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito, diante da livre iniciativa (art. 170, CF), não sendo essa restrição abusiva, uma vez que a restrição de crédito leva a crer que o consumidor não possui patrimônio suficiente para saldar o seguro. Entretanto, a negativa passa a ser desproporcional e, portanto, abusiva, se ocorrer mesmo quando o consumidor se comprometer a pagar o prêmio imediatamente (art, 39, IX e art. 51, XV, ambos do CDC), uma vez que, nesse caso, o contrato será adimplido de pronto pelo consumidor, não havendo que se falar em receio quanto ao inadimplemento da obrigação.
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