O prefeito do município de Pasárgada, João da Silva, durante seu último mandato segunda gestão, ocorrida nos anos de 2009 a 2012 , tornou pública, em 1.º/1/2012, a abertura de processo licitatório, na modalidade tomada de preço, do tipo menor preço, para a construção de uma estrada rural com a extensão de 30 km, com o objetivo de ligar o centro da cidade à área rural de Pompeia. Entre os itens previstos no edital de licitação, constava a obrigatoriedade de o contratado possuir sede no município e estar constituído por mais de 20 anos. Homologada a licitação, sagrou-se vencedora a empresa Vulcan Construções Ltda., que firmou o contrato público no valor de R$ 1.000.000, tendo se comprometido a dar início às obras em 1.º/3/2012.
Durante a execução das obras, tomou-se conhecimento, por meio de denúncia dos próprios munícipes, de que o sócio administrador da empresa Vulcan Construções Ltda., Lucius Petrus Mérvio, era irmão do secretário de obras do município, César Túlio Mérvio, que até mesmo integrou a comissão de licitação. Foi descoberto, ainda, que a realização da obra pública visava beneficiar o prefeito de Pasárgada, visto que a estrada que estava sendo construída chegaria diretamente a uma de suas fazendas.
Nesse cenário, foi aberto, pelo Ministério Público local, um inquérito civil em razão das denúncias recebidas, tendo sido constados indícios de irregularidade na licitação. Assim, o parquet propôs a consequente ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
A referida ação foi proposta em 1.º/7/2017 em desfavor de João da Silva, César Túlio Mérvio, Lucius Petrus Mérvio, Vulcan Construções Ltda. e Antônio Gomes, procurador do município, e continha os seguintes pedidos:
i) a decretação, por medida liminar, da indisponibilidade de bens dos requeridos, solidariamente, com o objetivo de assegurar a reparação de eventual dano aos cofres públicos, no caso de futura condenação;
ii) a declaração da nulidade do processo de licitação de tomada de preços e de todos os atos dele decorrentes, tais como: os contratos, as ordens de pagamento e os próprios pagamentos;
iii) a condenação dos requeridos, solidariamente, à devolução do valor pago indevidamente pelo município de Pasárgada e ao ressarcimento dos demais prejuízos causados ao erário, acrescidos de correção monetária e juros legais;
iv) a condenação dos requeridos, com base no art. 10, inciso VIII, às sanções previstas no art. 12, inciso II, ambos da Lei n.º 8.429/1992;
v) a condenação dos requeridos ao pagamento de danos morais coletivos.
Foi deferido o pedido liminar, que determinou a indisponibilidade dos bens, ante a presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Na mesma decisão, foi determinada a notificação dos requeridos para apresentar manifestação acerca da petição inicial antes do seu recebimento, nos termos do art. 17, §7.º da Lei n.º 8.429/1992.
Todos os requeridos apresentaram defesa, refutando as alegações do Ministério Público local.
Posteriormente, sobreveio decisão interlocutória, que recebeu a inicial e determinou a notificação do município de Pasárgada para integrar a lide, com fundamento no art. 17, §3.º da Lei n.º 8.429/1992, e a citação dos requeridos.
Apesar de devidamente notificado, o município de Pasárgada manteve-se inerte.
Em sede de contestação, especificamente, o prefeito à época dos fatos, João da Silva, alegou preliminar de ilegitimidade passiva, com base no argumento de que, por ser ele agente político, não estaria sujeito à Lei de Improbidade Administrativa. Afirmou, ainda, a ocorrência da prescrição. Quanto ao mérito, asseverou que não teve interesse em ser privilegiado com a construção de uma estrada rural que dava à sua fazenda, porque, na realidade, a construção atendia aos interesses do município. Aduziu que não tinha conhecimento do vínculo de parentesco entre o sócio da empresa vencedora da licitação e o secretário de obras. Asseverou a inexistência de dolo ou de erro grosseiro, que justificasse a sua responsabilização, de acordo com o art. 22 e o art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Por sua vez, o secretário de obras, César Túlio Mérvio, aduziu que fora escolhido pelo procurador do município para integrar a comissão de licitação e que era do procurador a obrigação de analisar o vínculo de parentesco dele com o sócio da empresa vencedora. Alegou, ainda, que não teve intenção de privilegiar seu irmão, proprietário da empresa, porque o procedimento licitatório havia sido legal e que todos os requisitos necessários foram observados.
Já Antônio Gomes, o procurador do município, afirmou que a praxe da municipalidade era a de que os contratos de licitação fossem geridos pelo prefeito municipal e que cabia ao procurador somente a análise dos requisitos da licitação para garantir a lisura do certame. Assim, seu parecer jurídico, por ser meramente opinativo, não lhe geraria responsabilização. Aduziu que, ao emitir o referido parecer, não havia identificado nenhuma irregularidade, até porque os fatos foram descobertos quando já tinha sido dado início às obras.
Lucius Petrus Mérvio e sua empresa Vulcan Construções Ltda. alegaram, em preliminar, a ilegitimidade passiva, mormente porque não se enquadrariam na categoria de agentes públicos e, por esse motivo, não estariam sujeitos à disciplina da Lei de Improbidade Administrativa. No mérito, aduziram que Lucius não tinha relação próxima com o secretário de obras, ainda que fossem irmãos, e que, por isso, não havia nenhum vício na licitação. Afirmaram, ainda, que não tinham conhecimento de que a estrada rural beneficiaria o prefeito à época.
Assim, com os fundamentos apresentados, os réus requereram a improcedência dos pedidos deduzidos na ação proposta pelo Ministério Público local.
Na decisão de saneamento do processo, foi deferida a produção de prova testemunhal requerida pelo Ministério Público e pelos réus. Na audiência de instrução e julgamento, foram arroladas e ouvidas as seguintes testemunhas.
Pelo Ministério Público:
Jacinta de Souza técnica administrativa da prefeitura, disse que, na prefeitura, todos sabiam da intenção do prefeito de construir uma estrada rural que chegasse à fazenda dele e que ele até tinha feito várias exigências ao secretário de obras de como deveria ser a obra. E, por isso, concluiu a servidora, o secretário de obras achou melhor direcionar a licitação para a empresa do seu irmão, porque, assim, conseguiria cumprir as determinações feitas pelo prefeito.
Orfeu da Costa servidor da procuradoria local, afirmou o mesmo que Jacinta de Souza e acrescentou que Antônio Gomes não fazia parte do esquema fraudulento, porque apenas elaborou um parecer jurídico opinativo. Afirmou, ainda, que Antônio sequer sabia da relação de parentesco entre o sócio da empresa vencedora e o secretário de obras.
Por João da Silva, então prefeito do município de Pasárgada:
Cleusa Castro da Silva esposa do prefeito, disse que seu marido é um ótimo gestor municipal e que nunca faria algo ilícito porque é um homem correto. Afirmou que vão à fazenda somente aos fins de semana e que nem precisariam da estrada rural que iria ser construída porque, com a caminhonete, conseguiriam transitar tranquilamente pela estrada de chão.
Pelos demais réus, não foram arroladas testemunhas.
Ao final da instrução processual, foi procedida a oitiva dos requeridos, que refutaram as alegações do Ministério Público.
As partes apresentaram alegações finais, oportunidade em que o Ministério Público requereu a absolvição do réu Antônio Gomes e a condenação dos demais requeridos às sanções descritas na inicial. Os réus, por sua vez, pleitearam a absolvição.
Os autos foram conclusos para sentença.
Considerando os fatos relatados anteriormente, redija sentença cível, dando solução ao caso. Analise toda a matéria de direito processual
e material pertinente ao julgamento, fundamentando suas explanações. Dispense o relatório e não acrescente fatos novos.
1Relatório – Dispensado pelo enunciado.
2Fundamentação
2.1.Preliminar
Inicialmente a defesa dos réus, João da Silva, Lucius Petrus Mérvio e Vulcan Construções LTDA, alegam ilegitimidade passiva.
Quanto ao ex-prefeito, João da Silva, a responsabilização dos prefeitos segue um duplo regime, político quando referente ao Decreto-Lei 201/67 e Cível, referente aos atos de improbidade administrativa, previsto na Lei 8249/1992, visto que os agentes políticos também são enquadrados como agente público sem sentido amplo, conforme artigo 2º da Lei 8249/1992.
Dessa forma, a alegação de ilegitimidade passiva não será acolhida.
Quantos aos réus, Lucius Petrus Mérvio e Vulcan Construções LTDA, a alegação também não será acolhida, uma vez que o artigo 3º da Lei de Improbidade Adminstrativa (LIA), amplia a responsabilidade pelos atos ímprobos para pessoas que, mesmo não sendo agentes públicos, participaram, concorreram, ou de qualquer forma se beneficiaram da improbidade.
2.2.Prejudicial de Mérito
Como prejudicial de mérito, João da Silva alegou prescrição, a defesa deve ser rejeitada.
A prescrição para as ações de improbidade administrativa possuem o prazo de 5 anos, após o término do exercício do mandato, conforme artigo 23, inciso I da Lei 8249/1992, dessa forma, em julho de 2017, data da propositura da ação, o prazo ainda não havia se esgotado, sendo importante mencionar a característica da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário decorrentes de atos dolosos de improbidade administrativa, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Verifica-se que o processo encontra-se regular e pronto para o julgamento. Passo à análise do mérito.
3.Mérito
Trata-se de ação civil que busca responsabilização por ato de improbidade administrativa, com fundamento no artigo 37, § 4º da Constituição Federal (CF), da Lei 8249/1992, e da Lei 8.666/1993.
O ato de improbidade administrativa resta comprovadamente configurado, seja nos seu elementos subjetivos, sujeito ativo e passivo, seja no elemento objetivo de dano e nexo causal. Os documentos juntados na inicial demonstram a nítida intenção de beneficiar e viciar o procedimento licitatório ao se exigir 20 anos de existência no município de Pasárgada, requisito que viola a igualdade e competividade do procedimento de forma patente.
Outrossim, o objeto da licitação, a construção da estrada da cidade até a fazendo do ex-prefeito, configura desvio da finalidade pública.
Ainda, verificou-se que, Lucius Petrus Mérvio , sócio administrador da empresa Vulcan Construções LTDA, é irmão do Secretário de Obras César Túlio Mérvio, que participou, inclusive da comissão de licitação, violando o artigo 9º, parágrafo 4º da Lei 8.666/1993.
A conduta do Procurador, de escolher para comissão de licitação irmão do sócio administrador da empresa Vulcan Construções LTDA, e de aprovar edital de licitação manifestamente violador da concorrência licitatória, caracteriza evidente erro grosseiro, equivalente à culpa grave, e por esse motivo sua responsabilidade sobre o ato de improbidade deve ser afirmativa, conforme o regramento da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 28.
Quanto à condenação em danos morais coletivos, o pedido não poderá ser acolhido, uma vez que para caracterização do dano moral coletivo é necessário excepcional dano moral à sociedade local, ou intenso sofrimento psíquico, situações que não se verificaram nos autos ou foram comprovadas pelo MP.
4.Dispositivo
Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos iniciais para:
a)Declarar a nulidade da licitação e do contrato, ressalvados os pagamentos por serviços efetivamente realizados.
b)Julgar improcedente o pedido de condenação em danos moras coletivos.
c)Condenar os réus João da Silva, César Túlio Mérvio, Antonio Gomes, Lucius Petrus Mérvio e Vulcan Construções LTDA. pela prática do ato ímprobo descrito no artigo 10, VIII, da LIA, sujeitando-os às penas previstas no artigo 12, II, da mesma lei.
d)Confirmar a liminar de indisponibilidade dos bens.
5.Penalidades
As penalidades pelos atos de improbidade administrativa devem ser aplicados conforme a proporcionalidade e razoabilidade, podendo ser cumuladas ou não, e a fixação deverá ser condizente com o grau de reprovabilidade da conduta, consecução da finalidade pública e elemento volitivo do agente.
Dessa forma, considerando as penalidades previstas no artigo 12, II da Lei 8.429/1992, aplico a pena de ressarcimento integral do dano, de forma solidária para todos os réus, não havendo elemento que indique valores acrescidos ao patrimônio dos réus, e nem cargo público atual do ex-prefeito e ex-secretário municipal, deixo de aplicar a pena de perda do cargo público ao réu procurador municipal Antonio Gomes, uma vez que incidiu apenas com conduta culposa.
A proibição de contratar e receber benefícios com o Poder Público deve ser aplicada apenas aos réus Lucius Petrus Mérvio e Vulcan Construções LTDA, pelo prazo de 5 anos.
A multa civil deve ser aplicada na razão de uma vez o valor do dano para o réu Procurador Municipal Antonio Gomes, e no valor de duas vezes o dano para os demais réus que agiram com dolo.
A suspensão dos direitos políticos deve ser aplicada apenas para o réu ex-prefeito, cujo atitude viola de forma mais grave a probidade administrativa, uma vez ter realizado os atos no cargo de prefeito municipal. Dessa forma aplica-se a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 anos, que deve ser efetivada apenas após o transito em julgado da sentença, conforme artigo 20 da Lei 8.429/1992.
Em razão da sucumbência mínima do Ministério Público, condeno os réus no apgamento das custas processuais.
Na presente ação de improbidade administrativa é incabível a condenação por honorários advocatícios em razão da norma do artigo 18 da Lei 7.347/1985 de forma simétrica.
A reparação e os valores obtidos com a condenação devem seguir a regra do artigo 18 da Lei 8.429/1992, sendo devidos para a fazenda pública que sofreu o dano.
Local e data
Juiz de Direito Substituto
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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