Sentença
Justiça Estadual
TJ/DFT - XLII Concurso para Juiz de Direito Substituto - 2015
Sentença Penal

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Enunciado Nº 000495

RELATÓRIO


XYZ de Tal, devidamente qualificado nos autos, foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios como incurso nas sanções dos artigos 213, caput, e 168, caput, do Código Penal, pela prática de fatos delituosos assim descritos na denúncia de fls. 2/3:


“No dia 2 de agosto de 2013, por volta das 19h, na Clínica X, localizada no SCN, Brasília Shopping, torre E, sala 54321, Brasília/DF, o denunciado, de forma livre e consciente, praticou atos libidinosos com a vítima KLM, mediante ameaça e outros meios que dificultaram a sua livre manifestação de vontade.


O denunciado é odontólogo e estava atendendo a vítima em seu consultório. Sob pretexto de examiná-la, em face de uma inflamação no dente siso, o denunciado determinou que a vítima abrisse a sua blusa e apalpou-lhe os seios, dizendo que estava à procura de “ínguas axilares” decorrentes do processo inflamatório. Após isso, abriu a calça da vítima e apalpou-lhe a virilha, dizendo que continuava a procura de ínguas.


Depois, o denunciado passou um lubrificante na vagina da vítima e ficou apalpando-lhe a região genital, mentindo que isso fazia parte do exame. A vítima não esboçou reação, pois estava com medo do denunciado e também porque estava sozinha, trancada com ele no consultório.


Ato contínuo, a vítima pediu que ele parasse, tendo ele continuado com suas ações, dizendo que estavam sozinhos no local e ninguém os ouviria. O denunciado chegou a tirar fotos da vítima parcialmente nua, utilizando-se do celular dela.


Nas mesmas condições de tempo e lugar acima descritas, o réu apossou-se do aparelho celular da vítima, um smartphone de última geração.


O aparelho celular estava nas mãos da vítima durante o atendimento. O réu pegou para si, tirando fotos da vítima seminua, apesar dos protestos verbais desta. Quando a vítima retirou-se do consultório, ele disse que não iria devolver o celular, pois tinha gostado muito daquele aparelho e iria ficar com ele...”


A denúncia foi recebida em 6 de maio de 2014, fl. 86.


O réu foi citado, fl. 98, e apresentou resposta às fls. 105/110.


Não estavam presentes as hipóteses de absolvição sumária, de maneira que a MM. Juíza determinou o regular processamento do feito, designando data para a audiência, fls. 112.


Durante a instrução criminal, foram ouvidas a vítima KLM e as testemunhas LMN, PQR, STU e WV. Na sequência, o réu foi interrogado, sendo que todos os depoimentos foram gravados em sistema audiovisual, fls. 183/186.


A vítima KLM declarou: “era sua primeira consulta com o dr. XYZ, mas já tinha ido no consultório dele em outras ocasiões, acompanhando seu noivo, o qual era paciente dele há anos; que marcou a consulta como “encaixe” para o horário de 18h30, de modo que ainda pudesse ir para a faculdade; que quando chegou ao consultório, a secretária a recebeu, mas saiu logo em seguida, em razão do término do seu expediente, mas não trancou a porta existente entre o corredor do prédio e a sala de espera do consultório; que poucos minutos depois, o dr. XYZ chamou-a para entrar no consultório propriamente dito; que ele trancou a porta entre o consultório e a sala de espera; que é uma porta de vidro jateado; que, na verdade, existem duas portas entre a sala de espera e o consultório, porque há uma outra salinha; que, portanto, ele trancou essas duas portas, sendo que a segunda porta aparenta ser de madeira; que ela estava com uma inflamação no dente siso, sentido bastante dor; que sentou na cadeira própria para o atendimento e explicou sua dor; que o dr. XYZ disse que o dente estava bastante infeccionado; que perguntou se ela tinha tido febre na noite anterior e ela respondeu que não sabia; que o dr. XYZ explicou que aquele tipo de infecção era sério e poderia se espalhar pelo corpo e até causar infecção generalizada e morte; que a depoente ficou assustada; que ele examinou a região do seu pescoço e atrás da orelha, falando que os gânglios estavam muito inchados; que disse para ela abrir alguns botões de sua blusa para que examinasse suas axilas, justificando que poderia estar com ínguas; que abriu a blusa e permitiu o exame; que não retirou o sutiã; que o dentista apalpou suas axilas e também a região lateral dos seios e disse que havia sim ínguas; que ele aparentava seriedade e ia explicando os passos dos exames; que a depoente nunca tinha sido examinada assim por um dentista, mas também nunca tinha tido infecção em nenhum dente, então achou que aquele procedimento podia ser normal; que, em seguida, o dr. XYZ disse que precisava examinar a região da virilha, pois poderia haver íngua, o que determinaria a extensão da gravidade da infecção; que pediu para a depoente abrir o botão da calça e abaixar um pouco; que a depoente ficou um pouco constrangida, mas o dr. XYZ ofereceu um pedaço de pano para que ela colocasse em cima da região desnuda; que então abriu a calça, como determinado; que estava envergonhada e fechou seus olhos, aguardando o exame; que então sentiu que o dentista estava lhe tocando a região genital; que se mexeu na cadeira e perguntou se o exame iria acabar; que disse que não estava gostando; que o dentista falou que estavam sozinhos; que ele pediu para que ela o tocasse, mas se recusou; que ela não tinha como sair, pois, pelo lado esquerdo, a cadeira ficava encostada na parede, e pelo lado direito, estava a cadeira giratória utilizada pelo dentista; que ele pegou o celular da depoente de suas mãos e tirou fotos dela; que pediu para que ele não tirasse as fotos; que seu celular era um smartphone de última geração basicamente novo; que alguns instantes depois tocou uma espécie de campainha do consultório, avisando que algum paciente havia entrado na sala de espera; que então ele se levantou da cadeira giratória e ela pode se levantar também; que pediu seu celular de volta, mas o réu disse que não ia devolver, pois tinha gostado do aparelho e ficaria com ele. Às perguntas da Defesa, respondeu: que o dr. XYZ ainda disse para ela não contar nada para o noivo e voltar para cuidar do seu dente; que havia uma mulher na sala de espera, mas a depoente saiu bem rapidamente, nem olhou para ela; que foi para a faculdade; que quando chegou ao local, foi para o banheiro e começou a chorar; que PQR, uma colega de faculdade da depoente, viu e perguntou o que tinha acontecido; que narrou os fatos para sua colega; que a colega disse que deveriam ir até a delegacia; que assim foi feito; que sua colega insistiu muito para ela ir na delegacia, pois a depoente estava muito envergonhada; que narrou os fatos para o agente de polícia; que foi encaminhada para o IML; que fez o exame no IML; que depois de um tempo foi chamada para prestar depoimento para o delegado; que seu celular foi restituído na delegacia; que não sabe se a polícia apreendeu o aparelho ou se o réu restituiu ao delegado espontaneamente. Às perguntas da MM. Juíza, respondeu que tem 1m56 de altura e pesa 47kg.”


A testemunha LMN foi ouvida como informante, por ser noivo da vítima. Às perguntas do Promotor de Justiça, respondeu: “era paciente do dr. XYZ há anos, assim como seus pais; que o dr. XYZ era um profissional de sua inteira confiança; que na manhã do dia dos fatos, sua noiva mandou uma mensagem de celular, dizendo que não tinha conseguido dormir com dor de dente; que o depoente se ofereceu para marcar uma consulta para ela com o dr. XYZ, conseguindo um horário de “encaixe” no fim do dia; que, de noite, na faculdade, foi procurado por PQR, dizendo que havia acontecido uma coisa muito séria com KLM e precisavam ir à delegacia; que eles três estudam na mesma faculdade, mas em salas diferentes; que KLM nada falava, apenas chorava; que somente na delegacia ouviu KLM narrar os fatos para o agente policial e soube que ela havia sido estuprada; que nunca mais retornou ao consultório. Às perguntas da Defesa, respondeu: que alguns dias depois, a secretária do dr. XYZ telefonou para ele, para agendar um tratamento; que falou para ela que nunca mais voltaria lá porque sua namorada havia sido estuprada pelo dentista; que não se recorda o nome da secretária, mas era uma moça nova, loira, magra; que considerava esta secretária uma moça bonita. Não foram formuladas perguntas pela MM. Juíza.


A testemunha PQR narrou que: “estuda na mesma sala de KLM; que estão no 2º semestre do curso de Contabilidade; que também conhece LMN, mas ele está no 5º semestre do mesmo curso; que no dia dos fatos, entrou no banheiro da faculdade e encontrou KLM chorando; que perguntou o que tinha acontecido e ela não respondia; que ficou insistindo até que sua colega disse que tinha ido no dentista e tinha acontecido uma coisa estranha; que KLM não forneceu detalhes; que, como ela chorava sem parar, a depoente concluiu que devia ser algo sério e falou que ela deveria ir à delegacia; que KLM concordou; que a depoente foi chamar LMN na sala dele, pois ela não tem carro; que apenas na delegacia soube do estupro; que não tem muita amizade com KLM, mas ela lhe parece uma pessoa muito tímida e reservada; que nunca ouviu KLM fazer nenhuma pergunta a um professor, por exemplo; que a considera uma moça muito discreta; que não conhece o dr. XYZ; que insistiu muito com KLM para ela ir até a delegacia, pois ela não queria ir; que nunca mais tocou nesse assunto com KLM.”


A testemunha STU relatou: “que trabalhou no consultório do dr. XYZ por apenas 6 meses; que foi ela que pediu demissão; que saiu de lá porque descobriu que estava grávida e estava enjoando muito, preferindo ficar em casa; que conhece LMN e KLM como pacientes do dr. XYZ; que seu horário de expediente era até 18 horas, mas o doutor atendia pacientes após esse horário, ficando sozinho; que quando isso acontecia, a porta entre o corredor do prédio e a sala de espera ficava apenas encostada; que para acessar o consultório havia outras duas portas e, quando ficava sozinho, o doutor trancava essas duas portas; que não conseguia ouvir o que se passava no consultório; que o dr. XYZ nunca fez nenhum comentário indevido com a depoente; que nunca fez nenhum elogio a ela; que nunca ouviu nenhuma reclamação de paciente sobre a conduta dele; que os pacientes costumavam retornar com freqüência ao consultório, muitas vezes, famílias inteiras eram pacientes dele; que soube dos fatos apenas por alto, pois ligou para marcar uma consulta para LMN e ele disse que não voltaria mais lá porque sua namorada tinha sido estuprada; que nem comentou sobre essa ligação com o dr. XYZ porque achou um absurdo; que se recorda que havia outra paciente marcada para ser atendida após KLM, pois o doutor costumava marcar o último paciente para 19h30 e se lembra de ter explicado para ela que a porta ficaria destrancada para que a outra paciente entrasse; que não sabe dizer quem era essa paciente.”


A testemunha WV disse: “que é paciente do dr. XYZ há mais de 5 (cinco) anos; que o considera um excelente profissional; que já o indicou para vários amigos e amigas, nunca tendo ouvido reclamação alguma; que já foi atendida no consultório após as 18 horas, pois gosta desses horários no final do expediente, para não prejudicar seu trabalho; que a secretária saía do consultório em torno das 18 horas; que a porta entre o corredor e a sala de espera ficava apenas encostada; que se lembra de ter ido se consultar no dia 2/8/2013 porque, quando o dr. XYZ pediu para que ela fosse testemunha, consultou sua agenda; que se lembra de ter visto uma moça sair do consultório dele, mas essa moça não estava chorando; que a moça aparentava estar normal e até cumprimentou, dizendo boa noite; que não notou nenhum comportamento estranho no dr. XYZ naquele dia, nem em qualquer outro.”


Após a oitiva da testemunha WV, a Defesa formulou pedido de designação de nova data para interrogatório do réu, após a juntada da carta precatória, expedida há quase um ano, para oitiva da testemunha FEG, arrolada tempestivamente pela Defesa quando da resposta à acusação, o que foi indeferido pelo Juízo, com fundamento no decurso de prazo para a devolução da mesma.


Em seguida, o réu foi interrogado e declarou: “que só atendeu KLM uma única vez, mas já a conhecia por frequentar o consultório com o noivo; que confirma que ela esteve no consultório após as 18 horas e que sua secretária já tinha saído, de maneira que ficaram sozinhos no local; que confirma que tranca as portas internas do consultório; que confirma ter efetuado carícias íntimas em KLM, mas com o seu consentimento; que ela estava se queixando de dor no dente siso; que o depoente examinou, constatou uma pequena inflamação e falou para ela tirar uma radiografia e marcar nova consulta ainda naquela semana; que não disse que iria examinar ínguas; que perguntou para ela sobre LMN e ela disse que estava pensando em terminar o noivado porque ele era muito devagar; que falou isso e piscou para o depoente; que continuaram conversando de maneira mais íntima e o depoente realmente efetuou algumas carícias nela; que em seguida ouviram a campainha, anunciando que alguém havia entrado na sala de espera; que então ela foi embora; que não sabe porque ela registrou o boletim de ocorrência; que acredita que ela foi até a delegacia porque ficou com vergonha e precisou achar uma justificativa para não retornar ao seu consultório; que confirma ter usado o celular da vítima para tirar fotos dela; que ela saiu apressada e esqueceu o aparelho; que devolveu espontaneamente o aparelho quando foi prestar depoimento na delegacia; que tem 1m88 de altura e pesa 100 quilos; que sua renda mensal é variável, mas acredita que, em média, aufere lucro de cerca de R$ 8.000,00 (oito mil reais).”


Não houve pedido de diligências pelas partes, fl. 183.


Os seguintes documentos foram juntados aos autos: boletim de ocorrência policial, laudo de avaliação econômica indireta do aparelho celular da vítima e também laudo pericial de exame de objeto, no qual foi atestada a presença de três fotos de uma mulher deitada em cadeira de dentista, nas quais apareciam suas roupas íntimas. O referido laudo atestou, ainda, que as fotos foram feitas no dia 2/8/2013 e que a mulher exibida nessas fotos era a vítima, de acordo com confronto com a foto constante do prontuário civil da mesma no Instituto de Identificação.


Em memoriais escritos, o Ministério Público requereu a condenação do acusado nos moldes inicialmente formulados, fls. 204/213.


A Defesa suscitou preliminar de nulidade, sob o argumento de que não foi juntado aos autos o laudo de exame de corpo de delito realizado na vítima. Arguiu, ainda, preliminar de nulidade por cerceamento de Defesa, uma vez que não foi aguardada a juntada da carta precatória para oitiva de testemunha arrolada pela Defesa. Por fim, suscitou preliminar de nulidade do processo por falta de condição de procedibilidade, uma vez que não consta do processo termo formal de representação da vítima. No mérito, pugnou pela absolvição do réu, com base no inciso III, do artigo 386, do CPP, argumentando, em resumo, que a prática de atos libidinosos ocorreu de forma consensual, pois não se comprovou a utilização de qualquer meio que impedisse ou dificultasse a manifestação de vontade da vítima, nem tampouco qualquer ameaça. Em relação ao crime de apropriação indébita, também pugnou pela absolvição do réu, aduzindo que a vítima esqueceu seu aparelho celular, o qual foi restituído prontamente pelo réu ao delegado de polícia, fls. 222/231.


É o relatório. DECIDO.

Resposta Nº 005595 por NSV Media: 9.00 de 1 Avaliação


Trata-se de ação penal pública condicionada à representação (art. 225, CP, com redação determinada pela lei n. 12.015/09) no que tange ao delito do art. 213, caput, Código Penal (CP) e incondicionada no que diz respeito ao crime do art. 168, caput, do CP.

Em sede de preliminar o réu arguiu nulidade do feito por ausência de procedibilidade, na medida em que não houve representação formal da vítima. REJEITO a preliminar aventada, pois o registro do boletim de ocorrência, a colaboração com as investigações e o comparecimento em Juízo para prestar declarações e ratificar todo o aduzido na fase policial, quando registrou o BO, são elementos que indicam a vontade da vítima em representar o ofensor.

A defesa prosseguiu aduzindo cerceamento de defesa, em razão de a carta precatória não ter sido devolvida. REJEITO a prelimimar, pois o prazo para a devolução restou superado, não podendo o processo penal ficar suspenso apenas aguardando o retorno da respectiva carta (art. 222, Código de Processo Penal - CPP).

Melhor sorte não assiste à preliminar de nulidade do feito por ausência de juntada do exame de corpo de delito. Com efeito, o exame se revela indispensável quando a infração praticada deixa vestígios (art. 158, CPP), o que não é o caso dos autos, pois tanto a vítima quanto o agente afirmaram que foram realizadas carícias no corpo de KLM, o que não deixa vestígios. Além disso, consta dos autos que embora tenha sido ameaçada pelo ofensor, não houve emprego de força física, o que reforça a afirmação de que as infrações não deixaram vestígios, sendo, portanto, descipienda a realização do exame de corpo de delito no caso dos autos. REJEITO, deste modo, a preliminar aventada.

Afastadas as preliminares, verifica-se que o feito tramitou de forma válida e regular, motivo pelo qual passo a apreciar o mérito.

DO DELITO DO ART. 213, CP.

Consta dos autos que KLM era paciente de XYZ, tendo comparecido ao seu consultório na data dos fatos para consulta. A vítima relatou que o agente solicitou que ela abrisse suas vestes para a realização de exame, o que foi atendido voluntariamente. Verifica-se, deste modo, que os atos lidibinosos de carícias foram praticados e permitidos sob o falso pretexto de examinar a paciente, ou seja, mediante fraude. Assim, atenta ao disposto no art. 383, CPP, sem alterar a descrição dos fatos contida na denúncia, atribuo definição jurídica diversa ao delito imputado ao réu, qual seja, aquela disposta no art. 215, CP. 

A materialidade do delito restou demonstrada pelas declarações da vítima, que foram corroboradas pelas fotos encontradas em seu telefone celular, bem como pelo depoimento das testemunhas e do próprio ofensor, afirmando ter havido o consentimento da paciente, a indicar a fraude, pois tinha como pressuposto a realização de exame.

A autoria é inconteste, pois o réu confessou a ocorrência das carícias em seu consultório, o que restou corroborado pela testemunha que viu KLM deixar o consultório e pela secretária que confirmou o encaixe da referida paciente na data dos fatos. Vale destacar que afirmar ter a vítima consentido não serve para inocentar o acusado. Pelo contrário, evidencia o vício de vontade no consentimento fornecido, pois a paciente acreditava se tratar de procedimento necessário para a relialização de exame. Outrossim, em delitos de natureza sexual a palavra da vítima assume relevância, pois os mencionados crimes não costumam ser praticados diante da presença de testemunhas. Deste modo, considerando que as declaraçõs da vítima estão em consonância com todo o acervo probatório produzido, em especial com o depoimento da colega de faculdade, que presenciou o choro da vítima no banheiro da universidade logo após os fatos, não há que se falar em absolvição do réu.

DO DELITO DO ART. 168, CP

 

A materialidade é comprovada pela entrega do bem apropriado pelo réu na delegacia de polícia quando do seu interrogatório (f. xx), conforme aduzido por ele em Juízo. Nesta senda a autoria também é indene de dúvidas, pois, além de o acusado ter realizado pessoalmente a entrega do aparelho, reconheceu que ficou com ele, embora tenha alegado que a vítima saiu apressada e se esqueceu dele. O alegado carece de fundamento lógico e destoa das provas dos autos. Com efeito, foram encontradas no aparelho as fotografias mencionadas pela vítima, o que corrobora, ainda que parcialmente, suas declarações. Além disso, a paciente que aguardava atendimento declarou que a vítima saiu do consultório normal e até a cumprimentou.  Por fim, considerando que o noivo da vítima é conhecido do réu, fosse o caso de a vítima ter esquecido o aparelho, a conduta do homem médio seria ligar para o noivo e informar do referido o esquecimento, o que não ocorreu, já que o réu devolveu o bem somente quando foi intimado para ser interrogado na Delegacia de Polícia. Forte nos argumentos acima delineados, a materialidade e autoria do delito restam caracterizadas.

Outrossim, indefiro o pedido de absolvição com base no art. 386, III, CPP, na medida em que quando da devolução do aparelho celular na delegacia o delito já havia se consumado, não havendo que se falar em atipicidade da conduta, pois o delito se encontra descrito no art. 168, CP. Cabível na espécie a aplicação do arrependimento posterior (art. 16, CP), casa de diminuição de pena que não descaracteriza o delito.

Considerando que o réu confessou os delitos, aplica-se a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, d, CP), mesmo no caso de ter havido afirmação de que a vítima consentiu validamente/esqueceu o aparelho, pois a declaração foi utilizada no convencimento do Juízo (súmula 545, STJ). Incide para ambos os delitos a agravante constante do art. 61, II, g, CP, haja vista a prática das infrações penais no exercício da profissão de dentista. 

Por outro lado, deixo de aplicar a redução de pena do art. 155, §2º, CP ao crime de apropriação indébita, pois, embora não tenha havido a avaliação do telefone celular, a simples informação de que havia sido adquirido há alguns dias e de ser um aparelho de última geração indicam que não a coisa não é de pequeno valor. A causa de dimunuição do arrependimento posterior será aplicada em seu grau máximo, haja vista a ausência de motivos para a diminuição do benefício. Aplica-se o concurso material aos delitos (art. 69, CP).

As condutas foram praticadas de forma voluntária, com o fim especial de agir; foram consumadas; o réu é imputável e as provas são robustas, de modo que a condenação é medida que se impõe.

Diante do exposto, afastadas as preliminares, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva da Ministério Público para condenar o réu XYZ, qualificação completa, pela prática dos crimes do art. 215 e 168, em concurso material (art. 69),  c/c art. 65, III, d e art. 61, II, g, todos do CP, às penas que passo a dosar segundo o método trifásico (art. 68, CP).

Considerando que os delitos foram praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, pelo mesmo réu, com fundamento no entedimento consolidado do STJ, passo à dosimetria da pena de forma conjunta, por não representar violação ao princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, Constituição Federal - CF/88).

A culpabilidade do réu é comum a espécie; não constam informações de maus antecedentes; não foram produzidos elementos aptos à valoração da conduta social e personalide do agente, motivo pelo qual são neutras; os motivos são normais; as circunstâncias são negativas, pois o réu abusou da confiança que a vítima depositou no seu profissionalismo, haja vista ter sido o dentista da família do noivo por longo período de tempo; as consequências do crime não destoam do esperado para o delito do art. 215, CP; quanto ao delito do art. 168, CP as consequências são favoráveis, pois o telefone celular foi restituído, no entanto, tal será valorado oportunamente na terceira fase da dosimetria, quando se aplicará a diminuição de pena pelo arrependimento posterior, motivo pelo qual é neutra na hipótese; e o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática dos delitos, sendo, portanto, neutra. Assim, fixo a pena base em 2 anos e 6 meses de reclusão para o crime contra a dignidade sexual; e em 1 ano, 4 meses e 15 dias de reclusão e 53 dias-multa para o crime contra o patrimônio.

Na segunda fase, aplicadas as atenuante de confissão e a agravante pelo cometimento dos crimes no exercício da profissão, respeitado o entendimento esposado no verbete sumular n. 231, STJ,  as penas passam ao patamar de 2 anos, 5 meses e 12 dias de reclusão para o crime do art. 215, CP; e 1 ano, 4 meses e 24 dias de reclusão e 54 dias multa para o delito do art. 168, CP.

Não concorrendo causa de diminuição ou aumento de pena para o crime do art. 215, CP, estabilizo a pena em 2 anos, 5 meses e 12 dias e reclusão. Aplicando a causa de diminuição do arrependimento posterior ao delito do art. 168, CP, a pena final da infração fica em 5 meses e 18 dias de reclusão e 18 dias-multa, as quais estabeleço em 9/30 (art. 49, §1º, CP), em razão dos rendimento auferidos pelo réu. Fixo o regime aberto para o cumprimento das penas de cada um dos delitos, haja vista as circunstâncias favoráveis, a primariedade do agente e o quantum de pena fixado (art. 33, §2º, c, CP).

Aplicando o concurso formal, a pena definitiva do réu fica em 2 anos e 11 meses de reclusão em regime inicial aberto, pelos mesmos fundamentos acima delineados e 18 dias-multa.

Não há que se falar em detração, já que o réu respondeu ao processo em liberdade (art. 387, §2º, CPP). 

Não concorrem motivos para a decretaçào da prisão preventiva (art. 312 e 313, CPP), motivo pelo qual deixo de decretá-la.

Tendo em vista o "quantum" de pena estabelecido; considerando que os crimes não foram cometidos com violência ou grave ameaça; sendo o réu primário e as circunstâncias do crime favoráveis, cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo período da pena cominada e 10 salários mínimos à título de prestação pecuniária, a qual reverto 50% em favor da vítima e 50% e favor de entidade assistencial a ser indicada pelo Juízo da Execução Penal.

Prejudicada a análise do cabimento do benefício estabelecido no art. 77, CP. Deixo de fixar indenização à vítima, pois não houve pedido neste sentido, além de parte da prestação pecuniária ter sido revertida em seu favor.

Restitua-se o apaelho telefônico da vítima mediante termo nos autos(art. 120, CPP), caso tal diligência ainda não tenha sido adotada. Comunique-se o Conselho de Classe Odontológico (CRO da respectiva região), encaminhando cópia da presente para conhecimento e adoção de providências que entenderem cabíveis. 

Comunique-se à vítima (art. 201, §2º, CPP).

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais (art. 804, CPP).

Comunique-se o TRE (art. 15, III, CF/88) e o Instituto de Identificação (INI). Após o trânsito em julgado da condenação, expeça-se guia de execução da pena.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Local, data

Juiz de direito substituto.

 

 

 

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