João tinha quarenta anos de idade e residia com os filhos Marcos e Paulo, com dezoito e dezenove anos de idade, respectivamente. Dos vinte aos trinta anos de idade, João trabalhou como servente de pedreiro em uma construtora no interior do estado de Pernambuco. Entre os trinta e trinta e seis anos, não exerceu atividade remunerada. Após esse período afastado do mercado de trabalho, João foi nomeado para ocupar exclusivamente cargo em comissão do município de Recife. Esse vínculo perdurou de junho a novembro de 2016 e o município não pagou a João os vencimentos referentes aos últimos três meses da atividade laborativa.
Diante do inadimplemento, João buscou a justiça do trabalho e propôs demanda judicial requerendo a condenação do município ao pagamento das remunerações em atraso. A petição inicial não foi acompanhada de documento probatório do seu vínculo laboral.
A despeito disso, na audiência inicial de conciliação, o município propôs acordo, que foi aceito por João: pactuaram o pagamento das requeridas remunerações em atraso. O município não honrou o acordo, e João ficou desempregado de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017.
Em março de 2017, João participou de uma empreitada criminosa, tendo sido preso em flagrante em dez de março de 2017. Sua prisão foi convertida em prisão preventiva em onze de março de 2017. Em vinte e dois de março de 2017, os filhos de João encaminharam o pedido administrativo de auxílio-reclusão. Na oportunidade, juntaram apenas as certidões de nascimento; não havia nenhum documento comprobatório do período laboral do pai perante a municipalidade.
O INSS negou a concessão do benefício, sob as seguintes justificativas:
a) João não era segurado do INSS ao momento do encarceramento;
b) o município não havia recolhido as contribuições previdenciárias de João nem as contribuições previdenciárias patronais;
c) a ausência de indício de prova material do vínculo de João com o município impedia o reconhecimento da qualidade de segurado de João pelo INSS;
d) João não se enquadraria no conceito de segurado de baixa renda para efeito de concessão do benefício do o auxílio-reclusão, tendo em vista que a sua última remuneração no município de Recife era maior que o próprio teto do regime geral de previdência social;
e) havia registros de recolhimentos de contribuições previdenciárias como segurados facultativos em nome de Marcos e Paulo ao momento da prisão, o que indicaria ausência de dependência econômica dos filhos em relação ao pai recluso.
Em quinze de maio de 2017, durante uma rebelião no presídio estadual onde João estava recolhido, houve conflito armado e ele foi morto por outros detentos. Em dois de junho de 2017, os filhos de João procuraram a Defensoria Pública da União para requerer indenização decorrente do óbito do pai, eventuais benefícios previdenciários e valores devidos pelo município. Os filhos levaram à Defensoria os seguintes documentos de João, que até então não eram do conhecimento do INSS: portarias do diário oficial do município com as respectivas nomeação e exoneração do falecido, cartões de ponto e atestado de permanência carcerária.
Diante da situação hipotética acima exposta, redija uma dissertação analisando, necessariamente, os seguintes aspectos:
I os fundamentos normativos do enquadramento do regime previdenciário da atividade laboral de João;
II a competência jurisdicional para conhecer a pretensão: II.1) dos valores devidos pelo trabalho de João no município, à luz da jurisprudência do STF; II.2) indenizatória pelo óbito de João no cárcere; II.3) relativa aos pedidos dos benefícios previdenciários e respectivos beneficiários;
III a negativa do INSS ao pedido de auxílio-reclusão feito pelos filhos de João enfrente cada justificativa da autarquia para essa negativa e exponha eventuais correções à luz do texto legal e da jurisprudência dos tribunais superiores e da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais;
IV os requisitos e as medidas jurídicas cabíveis para garantir que Marcos e Paulo recebam eventuais verbas previdenciárias;
V o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal, de forma fundamentada, a respeito da pretensão de indenização dos sucessores em razão da morte de João.
Enquanto empregado da construtora, João figurava na qualidade de empregado, portanto, segurado obrigatório da Previdência. Igualmente, ao ingressar no cargo comissionado, filiou-se obrigatoriamente à Previdência, também na qualidade de empregado, preenchendo a contagem do período de carência para os benefícios previdenciários desde o início da atividade, uma vez que não era encargo seu recolher contribuição ao INSS (art. 27, I, L8213).
Neste contexto, o fato de que o empregador de João (município) não recolheu as contribuições a que tinha direito, não afasta a sua qualidade de segurado nem obsta a contagem do tempo de carência necessária para o requerimento de benefícios.
Tanto o auxílio reclusão quanto a pensão por morte são benefícios que dispensam carência (período mínimo de contribuição) - art. 30, I, dec. 3048. Considerando que João era segurado tanto ao tempo do encarceramento, quanto do óbito (estava filiado há menos de 1 ano - período de graça -, não obstante a inadimplência do empregador - art. 13, II, dec. 3048), a princípio caberia a concessão de auxílio-reclusão e posterior pensão por morte aos dependentes.
A competência para o reconhecimento da situação laboral de João, que poderá ser declarada diante dos documentos trazidos pelos filhos à Defensoria, sem prejuízo de provas testemunhais, será da Justiça do Trabalho, caso o regime de contratação de João tenha sido celetista, segundo decisão recente do TST (2018). Para a Corte, ainda que se trate de cargo comissionado, o regime celetista afasta a relação tipicamente jurídico-administrativa do vínculo funcional, atraindo para a Justiça do trabalho a competência para o processo e julgamento. Ademais, A própria Justiça do Trabalho possui competência para executar de ofício as contribuições previdenciárias que sejam objeto de respectiva sentença (SV nº 53)
O dec. 3048 autoriza a concessão do auxílio-reclusão somente aos dependentes carentes de segurado, razão pela qual a miserabilidade poderá ser deduzida em juízo.
O STF, por fim, entende ser devida indenização aos familiares do preso custodiado pelo Estado que falece sob a relação de custódia. O desarrazoado "estado de coisas inconstitucional", que perpetua violações constantes e notórias da dignidade humana do preso, e do seu direito de cumprir sua sentença até o final, geram o dever de indenizar para o Estado, ressalvada a excludente no que se refere a impossibilidade de se evitar o dano (teoria do risco administrativo).
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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