Sentença
Justiça Estadual
TJ/SP - 185º Concurso de Ingresso na Magistratura - 2014
Sentença Cível

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Enunciado Nº 000164

Z, pessoa física, celebrou com B, construtora, um compromisso de venda e compra de um imóvel (apartamento) a ser edificado por esta última. O instrumento, dentre várias obrigações, previu: a) prazo certo para a entrega da unida de, prorrogável por mais cento e oitenta dias, admitida, ainda, nova dilação a critério de B, se necessária ao término da obra; b) que as despesas alusivas à comissão de corretagem e as da taxa SATI seriam de responsabilidade de Z, pagas (por meio de cheques distintos), respectivamente, a D, pessoa física (corretor de imóveis) e E, pessoa jurídica, ambos indicados por B; c) o estabelecimento de multa para a hipótese de Z descumprir qualquer das cláusulas do contrato; d) que Z deveria honrar as despesas condominiais (independentemente de receber a posse da coisa) após o pagamento das parcelas previstas até o financiamento da construção; e) que, vencidas tais prestações, haveria a incidência de juros remuneratórios sobre o saldo devedor pendente até a obtenção do financiamento.


Chegada a data para a entrega das chaves, B comunicou a Z que a conclusão da edificação seria prorrogada por mais cento e oitenta (180) dias, conforme cláusula prevista no contrato assinado, bem como que Z deveria pagar, a partir de agora, as despesas condominiais e os encargos (juros remuneratórios) até se concretizar o financiamento do saldo devedor. Z não aceitou as explicações feitas por B e notificou-a extrajudicialmente sobre a invalidade das cobranças impostas, solicitando a imediata entrega da posse juntamente com o "habite-se", o que sequer restou comentado por B.


Considerando-se os fatos narrados, Z moveu ação em face de B à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor. Afirmou que a corretagem e a taxa SATI eram indevidas porquanto abusiva a sua cobrança, pleiteando sua devolução em dobro. Além disso, com base no mesmo fundamento, requereu a invalidação da cláusula que autoriza a prorrogação da entrega da unidade após cento e oitenta (180) dias do prazo, bem como a dilação desse lapso de forma indeterminada, sustentando que a mora de B estaria configurada a partir do dia seguinte previsto para a transmissão da posse, motivo a lhe impor o pagamento da multa estabelecida no contrato para a hipótese de Z descumprir suas obrigações. Em continuidade, pediu a devolução, igualmente em dobro, dos valores relativos às despesas condominiais, o reembolso dos dispêndios havidos com a locação de um apartamento para nele residir com sua esposa W após o matrimônio (adotado o regime da comunhão universal de bens), bem assim indenização de índole imaterial em razão dos dissabores enfrentados pela conduta de B. Ao final, impugnou a cobrança dos juros remuneratórios após os pagamentos feitos no período de edificação e até a consumação do financiamento.


Em contestação, B arguiu carência de ação (porque faltaria utilidade ao provimento desejado ante a inexistência de cláusula penal em seu desfavor e de previsão contratual de prorrogação da entrega do imóvel), ilegitimidade passiva quanto aos pedidos envolvendo a corretagem e a taxa SATI, eis que recebidas, tais verbas, por pessoas distintas, e ausência de autorização de W a Z, por força do regime de bens adotados entre eles. No mérito, insistiu na legalidade da cláusula de prorrogação do prazo de entrega da unidade (válida em face do princípio pacta sunt servanda), a lhe eximir da mora apontada, argumentando, ainda, que as despesas condominiais, por força das dis posições contratuais livremente pactuadas, são de responsabilidade do adquirente depois de solvidas as prestações antecedentes ao financiamento (porque aí o comprador não mais poderia arrepender-se), bem como que a cobrança dos juros remuneratórios é regular, em especial porque os custos da obra, até a obtenção do financiamento por agente financeiro, foram por ela assumidos. Encerrando a defesa, B, sob o manto do princípio da eventualidade, impugnou os danos pleiteados, mesmo que admitida sua mora, seja porque o casamento não é ato jurídico urgente, a permitir adiamento sem qualquer tipo de problema, seja porque ausentes os pressupostos alusivos ao dano moral, haja vista que o mero inadimplemento contratual, conforme entendimento pretoriano uniforme, não gera ofensa aos direitos de personalidade.


Instados os litigantes a se manifestar sobre a fase provatória, ambos requereram o julgamento antecipado da lide. Proferir sentença com base na petição inicial e contestação apresentadas na presente forma narrada.


Resposta Nº 000545 por Eduardo Álvares de Carvalho Media: 2.33 de 3 Avaliações


É o relatório. Fundamento e decido.

II- Fundamentação

Do julgamento antecipado da lide

É o caso de julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I do CPC. Com efeito, noto que a questão é eminentemente de direito, e no que tange aos fatos, já estão devidamente comprovados pelos documentos acostados aos autos pelas partes.

Passo à análise das preliminares.

A requerida em sede preliminar pugna pelo reconhecimento de carência de ação, na modalidade falta de utilidade do processo, em razão de ausência de cláusula penal em seu desfavor e de previsão contratual de prorrogação da entrega do imóvel. Sem razão. Segundo a teoria da asserção, as condições da ação devem ser verificadas de acordo com o narrado pelo autor na petição inicial. A análise de cláusulas contratuais é matéria afeta ao mérito da questão. Rejeito a preliminar.

Alega ainda ilegitimidade passiva com relação aos pedidos  de comissão de corretagem e taxa SATI, visto que, tais verbas foram recebidas por pessoas diversas. Ocorre que, tais verbas são acessórias ao contrato principal de compra e venda, bem como foram percebidas por agentes diretamente indicados pela requerida, e fazem parte da relação de consumo conforme o art. 7º, p. ú do CDC. Com efeito, refuto a preliminar.

Por fim, pleiteia seja declarada a ilegitimidade ativa do requerido, por ausência de autorização do cônjuge para a propositura da ação, visto que, são casados em regime de comunhão universal. O art. 10 do CPC que exige o consentimento do cônjuge para litigar no polo ativo da ação, somente é necessário quando a matéria discutida for atinente a direito real imobiliário. Na presente, a matéria discutida é tema afeto ao direito pessoal, qual seja, contratual. Nessa toada, rejeito a preliminar.

Presentes os pressupostos processuais e condições da ação, e não havendo mais questões processuais pendentes de solução, passo à análise do mérito.

Do mérito

Cuida-se de ação em que incide as normas consumeristas, visto que, o autor preenche os requisitos do art.2° e o requerido os do art. 3°, ambos do CDC.

O autor pugna pela devolução em dobro da corretagem e da taxa SATI ao argumento que são indevidas e por isso abusiva a sua cobrança. O requerido contesta o pedido  alegando ilegitimidade passiva, pois, estas verbas foram recebidas por terceiros. Como já fundamentado acima, a ilegitimidade passiva foi afastada. Porém, apesar do CDC em seu art.42, p.ú autorizar a repetição do indébito em dobro por cobranças indevidas, que segundo a jurisprudência do STJ deve haver o efetivo pagamento e má-fé do credor, não é o caso destes autos. A verba de corretagem é devida de acordo com o art. 725 do CC, bem como a taxa SATI, visto que são acessórios ao contrato de compra e venda de imóveis. Rejeito o pedido.

Requer ainda a invalidação da cláusula que autoriza a prorrogação da entrega da unidade após 180 dias do prazo, bem como a dilação desse lapso de forma indeterminada. Com razão ao autor. No mercado imobiliário é praxe que seja concedida tolerância de 180 dias para prorrogação do término da obra, para cobrir possíveis imprevistos como greve de funcionários, carência de material, entre outros. A dilação deste prazo, ainda mais por tempo indeterminado, é cláusula abusiva por colocar o consumidor em desvantagem exagerada, na forma do art. 51, IV do CDC, motivo pelo qual declaro a sua nulidade.

No que tange ao pleito de pagamento de multa contratual pelo requerido, pleiteia o autor como termo "ad quem", a data prevista para a entrega da obra. Por outro lado o requerido alega que não existe multa contratual em seu desfavor, e pelo princípio da "pacta sunt servanda", não há que se falar em indenização.

O Código Civil deve ser lido a luz da Constituição Federal, a partir da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Nesse sentido, mitiga-se o princípio da "pacta sunt servanda" em homenagem aos princípios da boa-fé objetiva, da isonomia e função social dos contratos.  A imposição de multa contratual pelo inadimplemento de apenas uma das partes, ofende o art. 51, I do CDC, por exonerar o fornecedor de responsabilidades por vícios e implicar ao consumidor renúncia de direitos. Destarte, declaro a nulidade da cláusula e aplico à requerida multa contratual por inadimplemento, na mesma porcentagem que seria aplicada ao consumidor, tendo por termo inicial decorrido o prazo de 180 dias após o prazo previsto para a entrega do imóvel.

Com relação ao pedido da devolução em dobro das despesas  condominiais, merece prosperar. As despesas condominiais somente podem ser cobradas do adquirente do imóvel após a efetivação de sua posse. A mesma não ocorreu devido a mora da construtora e apesar disto, cobrou as despesas do requerente que caracteriza a sua má-fé, o que faz incidir o art. 42, p.ú do CDC. Qualquer disposição contratual em sentido contrário é nula de pleno direito, conforme o art.52, IV do CDC.

O requerente pleiteia o ressarcimento dos valores dos alugueres dispendidos pela locação de imóvel para moradia após seu casamento, devido a mora da construtora em cumprir sua obrigação. Por outro lado a requerida contesta no sentido que o casamento não é ato jurídico urgente, a permitir adiamento sem qualquer tipo de problema.

Com efeito, o atraso da entegra do imóvel prejudicou o casal que se viu obrigado a alugar outro apartamento para sua moradia, o que lhe dá direito a restituição dos valores pagos a título de alugueres na modalidade dano emergente (art. 927 do CC). Não é razoável que se exija do casal o adiamento de seu matrimônio por mora da requerida em cumprir sua obrigação.

No que diz respeito a indenização por danos morais o pleito não merece prosperar. No Brasil, não se admite como  no direito Norte-Americano o punitive damage. Segundo o STJ o mero inadimplemento contratual por si só, não enseja danos morais, devendo haver um plus, o que de fato não se demonstrou na presente demanda.

Por fim, pugna o autor pelo reconhecimento da ilegalidade dos juros remuneratórios cobrados após os pagamentos feitos no período de edificação e até a consumação do financiamento. o requerido argumenta que a cobrança foi regular, visto que, os custos da obra, até o financiamento por agente financeiro, foram por ela assumidos. Com efeito, a cobrança é ilegal, pois, o autor cumpriu a sua obrigação de pagar as prestações e não pode ser punido, com a incidência de juros remuneratórias, por culpa exclusiva da requerida, que não cumpriu sua parte da avença em tempo pré-determinado.

III- Dispositivo

Ante o exposto, rejeito as preliminares e prejudicial de mérito, e julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo o mérito na forma do art. 269,I do CPC para

a) Declarar a nulidade da cláusula que autoriza a prorrogação da entrega da unidade após 180 dias do prazo, bem como a dilação desse lapso de forma indeterminada. 

b) Condenar a requerida ao pagamento de multa contratual por inadimplemento, na mesma porcentagem que seria aplicada ao consumidor, tendo por termo inicial decorrido o prazo de 180 dias após o prazo previsto para a entrega do imóvel.

c) Condenar a requerida à restituir em dobro os valores pagos a título de taxas condominiais até a data efetiva da entrga do imóvel

d) Condenar a requerida a restituir os valores pagos pelo requerente a título de alugueres até a entrega efetiva do imóvel

e) Declarar a ilegalidade dos juros remuneratórios cobrados após os pagamentos feitos no período de edificação e até a consumação do financiamento, e a sua respectiva restituição dos valores efetivamente pagos

f) Juros de mora a partir da citação em 1% ao mês (art. 405 do CC) e atualização monetária a partir do ajuizamento da ação pelo INPC

g) Devido a sucumbência recíproca condeno as partes em custas processuais na proporção de 70% para o requerido e 30% para o requerente, compensando-se os honorários de advogado (art. 21 do CPC).

Local e data.

Juiz de direito Substituto.

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2 Comentários


  • 19 de Abril de 2019 às 01:48 BRUNO PERROTTA disse: 0

    Salvo engano os juros remuneratórios seriam devidos ao réu - JUROS NO PÉ.

  • 19 de Abril de 2019 às 01:45 BRUNO PERROTTA disse: 0

    PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA POSSIBILIDADE DE INVERSÃO, A FAVOR DO CONSUMIDOR, DA CLÁUSULA PENAL. 1. Delimitação da controvérsia: Definir acerca da possibilidade ou não de inversão, em desfavor da construtora (fornecedor), da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos casos de inadimplemento em virtude de atraso na entrega de imóvel em construção objeto de contrato ou de promessa de compra e venda.
    2. RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DO ART. 1.036 CPC/15.
    (ProAfR no REsp 1614721/DF, rel. ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/4/17, DJe 3/5/17)

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