DISSERTAÇÃO
Cláusula penal e multa cominatória (astreintes).
Aborde: conceitos e funções. Limites legais. Incidência quando da ausência de prejuízo. Preceito cominatório e sua modificação: preclusão e revisão da decisão (interlocutória ou sentença) que fixa a multa cominatória. Contrato e fixação, em seu bojo, de multa cominatória: preceito cominatório ou cláusula penal? Termo de ajustamento de conduta e acordos homologados judicialmente: as multas aí fixadas têm natureza de cláusula penal ou de astreintes? Sujeitam-se a tetos imperativos? Multa cominatória contra a Fazenda Pública.
O ordinário é que contratos e decisões judiciais sejam cumpridas. Ocorre, porém, que isso nem sempre se verifica. Para tanto, existem ferramentas destinadas a estimular o devedor a cumprir com as obrigações emanadas dos contratos e dos pronunciamentos judiciais. Exemplos de ferramentas deste jaez são a cláusula penal e a multa cominatória (astreintes).
Define-se a cláusula penal como a disposição, derivada da vontade das partes, que estipula sanção para o devedor que descumprir a avença, parcial ou totalmente, e como pré-fixação de perdas e danos. Pode ser prevista no contrato ou em termo separado, ajustado posteriormente (art. 409 do CC).
A cláusula penal pode se revestir de natureza compensatória, quando estipulada para a hipótese de descumprimento total, quando se converte em alternativa a benefício do credor, que pode exigir o adimplemento da obrigação ou o valor da cláusula penal (art. 410 do CC). A cláusula penal também pode se revestir de natureza moratória, quando estipulada para a hipótese de descumprimento parcial, quando o credor poderá exigir o adimplemento da obrigação, bem como o valor da cláusula penal (art. 411 do CC).
Cabe salientar que o valor da cláusula penal não pode exceder o valor da obrigação principal (art. 412 do CC). Com efeito, se o objetivo da disposição é assegurar o cumprimento da avença, não faria sentido permitir o contrário, pois o descumprimento passaria a ser mais vantajoso para o credor, o que atentaria contra a função social do contrato (art. 421 do CC). Registra-se, ainda, que, revelando-se a cláusula penal excessiva, diante do cumprimento parcial da obrigação, pode o magistrado, com base na equidade, reduzi-la.
Pondera-se que, para fazer jus à cláusula penal, o credor não está obrigado a demonstrar prejuízo, consoante se dessume do art. 416 do Código Civil. Contudo, caso o credor pretenda pleitear indenização superior ao valor previsto como cláusula penal - o que só será permitido se as partes tiverem assim convencionado (art. 416, parágrafo único, do CC) - deverá provar o prejuízo excedente.
Revestem-se da natureza de cláusula penal as multas fixadas em termos de ajustamento de conduta e em acordos homologados judicialmente, uma vez que derivam da vontade das partes e não de comando judicial. O mesmo ocorre com cláusulas semelhantes apostas em contratos, ainda que previstas em certa periodicidade.
As multas cominatórias ou astreintes são ferramentas destinadas a assegurar o cumprimento de determinadas decisões judiciais. Podem ser fixadas em qualquer periodicidade, embora o mais comum seja fixá-las em periodicidade diária. A possibilidade de fixação da multa em questão deriva do poder-dever de efetivação atribuído ao magistrado (art. 139, inciso IV, do CPC), encontrando previsão, por exemplo, no art. 536, § 1º do CPC. Dado que a obtenção da tutela jurisdicional em tempo razoável - aí incluida a atividade satisfativa - constitui garantia fundamental (art. 5º, LXXVIII, da CF) e norma fundamental do processo civil (art. 4º do CPC), admite-se que esta fixação ocorra de ofício, não havendo nisso qualquer violação aos cânones processuais, haja vista que, uma vez instaurado, o processo move-se por impulso oficial.
A inocorrência de prejuízo não impede a parte prejudicada pelo descumprimento de exigir o pagamento das astreintes, uma vez que estas não tem finalidade indenizatória, impondo-se com o fim de constranger o devedor a cumprir com a decisão judicial.
Não existe, ao menos nos textos legais, limites à multa diária. Não obstante, atento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (art. 8º do CPC), o juiz deve fixar o valor com prudência, até porque, assim como ocorre com a cláusula penal, o descumprimento da decisão judicial não pode se tornar mais interessante economicamente do que o cumprimento, o que consistiria em verdadeiro desvirtuamento dos escopos da jurisdição. Registre-se que a decisão que fixa multa cominatória, de acordo com a jurisprudência, não transita em julgado, podendo o magistrado, por ocasião da execução, reduzir o valor, caso verifique que este se tornou excessivo.
Afirmou-se, linhas acima, que o julgador deve valer-se do bom-senso por ocasião da fixação da multa cominatória. Esse cuidado deve ser redobrado quando a devedora for a Fazenda Pública. Embora não exista óbice à fixação de astreintes em prejuízo do Poder Público, há de se considerar os graves encargos que sobre ele recaem - notadamente promover o bem geral -, bem como a finalidade da multa em questão (isto é, constranger o devedor ao cumprimento do pronunciamento judicial). Assim, referido instrumento só deve ser utilizado diante de recalcitrância injustificacada da Administração Pública - e não diante do descumprimento por absoluta impossibilidade (de qualquer ordem) -, devendo-se atentar, ainda, ao valor fixado, dado que a multa não pode se converter em fonte de enriquecimento para a parte contrária. Ainda, a multa cominatória, em prejuízo da Fazenda Pública, não pode ser vista como primeiro recurso, sendo necessário aferir a (in)existência de meios mais eficazes para cumprimento da decisão, a exemplo do sequestro de verbas, em se tratando de ações de medicamentos.
Em remate, cláusula penal e astreintes são instrumentos bastante eficientes para obrigar ao cumprimento de obrigações convencionais e decisões judiciais, exigindo, tanto uma quanto outra, cautela do magistrado.
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