Discorra correlacionando o princípio da prioridade absoluta em favor da infância e juventude com a teoria da reserva do possível.
O princípio da prioridade absoluta previsto no artigo 227 da Constituição Federal impõe ao Poder Público assegurar com primazia os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. De outro lado, o artigo 4º, § único, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), preconiza que a garantia de prioridade compreende a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a precedência de atendimento em órgãos públicos, a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos nas áreas relacionadas com proteção à infância e juventude. Ainda, o artigo 3º da Lei nº 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância) menciona que o princípio da prioridade absoluta implica no dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa estaria, com vistas a garantir seu desenvolvimento integral.
Assim, o Poder público tem, por força de mandamento constitucional, dever de efetivar as promessas mencionadas pela CF, a qual foram irradiadas por todo ordenamento jurídico e, também, por força da previsão do artigo 5º, § 1º, da CF, sua aplicação é direta e imediata, prescindindo, logo, de outra medida legislativa para conferir eficácia, mas necessitando de concretude dos ditames mencionados por parte de quem venha a executar a coisa pública, bem como pelos operadores de direito, ao se depararem com situações em que não sejam respeitados ou assegurados os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, como a reserva de vagas em creches, a garantia do ensino, vagas em unidades de medida socioeducativas, entre outros.
De outra senda, o Poder Público, por vezes omisso em materializar o princípio da prioridade absoluta, vem alegando que não há possibilidade por insuficiência de recursos orçamentários, com a chamada tese da reserva do possível ou reserva do financeiramente possível. Deste modo, os governantes deixam de destinar recursos para as áreas voltadas ao atendimentos destas políticas públicas por faltar recursos necessários ou pela justificativa de que não podem deixar outras áreas não tão menos essenciais desamparadas e, ainda, mencionam que fere o princípio da separação entre os poderes a ingerência do Poder Judiciário na gestão das políticas públicas.
No que concerne a doutrina e jurisprudência majoritária, estes entendem que a teoria da reserva do possível não deve prosperar se ao menos não se garantir o mínimo existencial, consubstanciado nos direitos que asseguram e conferem o mínimo de dignidade ao ser humano, como por exemplo os direitos à saúde, alimentação e educação, entre outros. Entendem também que não há procedência da tese se forem apresentadas apenas alegações genéricas acerca da falta de recursos financeiros, pois deve haver sua comprovação efetiva e análise minuciosa sobre a quais áreas foram destinados os recursos existentes, com vistas ao controle de eventual desobediência da transferência constitucional de recursos. Afirmam inclusive não haver afronta ao princípio da separação dos poderes, uma vez que o comando previsto no artigo 227 da CF tem caráter vinculante a toda a Administração Pública, daí dizer que não há discricionariedade por parte do gestor público, mas sim dever de destinar as verbas orçamentárias para os destinos escolhidos pelo constituinte, sendo, também, por força deste comando, dever do Poder Judiciário de buscar efetivar as normas constitucionais, notadamente as que prometem direitos fundamentais.
Cabe ainda salientar que a doutrina subdivide a reserva do possível em fática e jurídica, neste sentido a primeira consiste na falta de verbas e a segunda na ausência de previsão orçamentária. Consequentemente, ao se considerar a reserva do possível fática não caberia nunca ao Estado se esquivar de suas obrigações sob alegação de ausência de recursos, tendo em vista que é a sociedade que contribui com tributos e, deste modo, o Estado pode arrecadar mais e concretizar as normas de direitos e garantias fundamentais, ao invés de se desincumbir por não haver verbas suficientes.
Para finalizar, a prioridade absoluta na destinação de recursos e atendimento de políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes não pode encontrar obstáculos como a tese da reserva do possível, neste caso, deve o gestor público dar prioridade ao atendimento dos infantes, pois não há discricionariedade em sua atuação ao concretizar as garantias da Constituição de 1988.
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