A empresa Cozinha Esperta Design e Comércio Ltda. (CE) contava com dívidas fiscais não ajuizadas parceladas maiores que seus ativos. Surgiu então nova modalidade de parcelamento, na qual os devedores de pequeno porte (micro-empresas e empresas de pequeno porte - EPP) pagariam módica parcela mensal. Como a CE possuía nome comercial muito prestigiado, seus sócios decidiram extinguir as filiais e alterar o objeto social da empresa, passando a CE a figurar como franqueadora (Lei n° 8.955/94), sob a forma, porém, de EPP, aderindo, em seguida, ao novo parcelamento. Ato contínuo, cederam as locações das filiais para empresas franqueadas, todas constituídas por seus filhos (então maiores, com bens e rendas), com royalties pagáveis à franqueadora (CE), segundo o faturamento. Depois de algum tempo, surgiram outras franqueadas, de empresários sem ligação com a família. Pergunta: há defeito no negócio jurídico da transformação societária da CE? Qual? Por quê? Havendo, caracterize os elementos fundamentais segundo a doutrina majoritária.
O negócio praticado por CE é ilícito, pois foi realizado de maneira simulada. A simulação está elencada, no Código Civil, como uma das causas de nulidade do negócio jurídico (art. 167), pois nela há uma declaração enganosa, visando a produzir efeito diverso do indicado, camuflando a verdade.
Diante da transformação societária realizada pela empresa, intentando apenas se valer das benesses do parcelamento oferecido para as empresas de pequeno porte e microempresas, houve simulação da natureza societária da empresa, que passou, falsamente a ser franqueadora e celebrar contratos de locação de suas filiais com a prole do proprietário da CE.
Vale mencionar que o parcelamento (benefício fiscal), desde que preenchidos os requisitos para tanto, é muito atrativo para as empresas, pois elas deixam de recolher o tributo devido no vencimento e optam por parcelá-lo, sendo que, por via indireta, se financiam através do Estado, beneficiando-se de um custo financeiro mais vantajoso do que o custo do capital das instituições financeiras.
A simulação tem as seguintes facetas: aparentar conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; conter declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; apresentar instrumentos particulares antedatados, ou pós-datados.
No caso vertente, além de ser enquadrada como vício social do negócio jurídico, pois a expressão da vontade da transformação societária foi fraudulenta, ainda repercute perante terceiros, porquanto vulnera a credibilidade dos negócios praticados pela empresa transformada, sendo uma fraude para os negócios pendentes.
Ademais, no contrato de franquia uma das partes (franqueador) cede, por tempo determinado ou não, à outra parte (franqueado) o direito de comercializar com exclusividade, em área geográfica estipulada, nome comercial, título de estabelecimento, serviços, marca de indústria ou produto de sua propriedade, com garantia de assistência técnica contínua, recebendo, em contrapartida, certa remuneração.
Nessa seara, o intuito do contato de franquia, no caso em exame, restou prejudicado, pois inexistente e contrário ao disposto na Lei 8.955/94, art. 2º. O objetivo da empresa CE foi apenas de ludibriar o Fisco, fazendo uma manobra societária capaz de blindar o patrimônio dos filhos do dono da empresa, que se passaram por franqueados.
Com efeito, as relações comerciais que surgiram com novos franqueados, imbuídos de boa-fé, e sem relação alguma com o núcleo familiar da empresa CE, são válidas, pois adjacentes ao negócio fraudulento, devendo ser preservadas.
Como é sabido, a teoria moderna do contrato absorveu as modificações históricas e adotou o modelo do estado social, influenciado pelo modelo neoliberal, impingindo reflexos no atual Código Civil, que traz como princípio expresso a boa-fé objetiva.
Destarte, quanto à transformação social a nulidade é absoluta, pois afronta a boa-fé objetiva, infringe as finalidades da Lei 8.955/94 e distorce a concessão do benefício fiscal de forma ardil. Entretanto, o § 2º do art. 167 do CC/02 traz a proteção dos direitos de terceiros de boa-fé, em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, resguardando a situação vivenciada pelos novos franqueados.
A resposta contemplou todos os questionamentos. Só faço uma observação no sentido de ser importante constar dispositivos legais fundamentadores das respostas, a exemplo do parágrafo que indica as características do contrato de franquia.
A resposta contemplou todos os questionamentos. Só faço uma observação no sentido de ser importante constar dispositivos legais fundamentadores das respostas, a exemplo do parágrafo que indica as características do contrato de franquia.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
25 de Janeiro de 2019 às 18:38 MARIANA JUSTEN disse: 1
Excelente Lari!!! Muito bem fundamentada! Completa!
Alguns pontos que poderiam ser acrescentados:
1) A questão narra típico caso de evasão fiscal, contrário de elisão, é prática que infringe a lei, cometida após a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, objetiva reduzi-la ou ocultá-la.
2) A autoridade poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos utilizados como forma de dissimular a cobrança do tributo
CTN, Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
3)A suspensão do crédito tributário interpreta-se literalmente (art.111 do CTN)