As empresas de laticínios OST S/A e MANDEL S/A, com sede no Município do Rio de Janeiro, realizam uma fusão em março de 2013, passando a se chamar KAYA S/A.
Já em pleno funcionamento, recebem uma
notificação do CADE sobre a abertura de
processo administrativo para a análise
do negócio societário, bem como a imposição de multa
de vinte mil reais, para cada uma, por ausência
de comunicação prévia
à autarquia sobre a fusão.
Inconformadas, ingressam com ação anulatória na
Justiça Federal no Rio de Janeiro em
face do CADE, buscando anular o processo administrativo instaurado e a própria multa. Alegam que o negócio: 1)
pode sofrer controle prévio ou posterior pelo CADE; 2) diminuirá o preço do produto, em razão do aumento da
produção; 3) aumentará a oferta de emprego.
Como Juiz Federal Substituto da Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para a qual foi distribuída a demanda, como V. Sª decidiria a questão?
A lei 12529/11, lei de defesa da concorrência no Brasil, diferentemente do que previa a lei 8884/94, exige que a análise dos atos de concentração (assim entendidos aqueles descritos no art. 90 da lei) ocorra previamente sempre que presentes os requisitos do art. 88 do mesmo diploma legal. Não obstante, importa ressaltar que mesmo que ausentes os mencionados requisitos, nos termos do art. 88, § 7º da lei 12529/11, é possível a submissão do ato de concentração à apreciação CADE dentro do prazo de 01 ano a contar da sua consumação.
A regra, portanto, é que haja prévia apreciação pela autarquia. No caso em questão, consta que o CADE aplicou multa pela não comunicação da operação à autarquia de forma antecipada, razão pela qual é forçoso presumir a presença dos requisitos cumulativos elencados no art. 88, e, por conseguinte, a necessidade de análise prévia. Com base nesses argumentos não há que se falar em irregularidade na multa aplicada.
Ressalte-se, todavia, que, caso o ato de concentração não se subsumisse aos requisitos do art. 88, não haveria que se falar em comunicação prévia (já que na hipótese do § 7º o CADE instaura o procedimento no prazo de até 01 ano depois da consumação do ato) e, por conseguinte, não haveria que se falar em multa, sendo por isso passível de anulação pelo Judiciário.
Relativamente às hipóteses que autorizam os atos de concentração (art. 88, § 6o da lei 12529/11), em aplicação da chamada regra da razão (de origem norte americana e adotada pela lei brasileira), que considera, para além dos efeitos deletérios do ato de concentração, de outra ponta, as vantagens dele advindas (proteção ao consumidor, aumento da produtividade, competitividade, eficiência e desenvolvimento tecnológico ou econômico), autorizando verdadeiro juizo de ponderação entre vantagens e desvantagens, é assente na doutrina, de forma majoritária, entendimento de que o exame técnico desses ganhos econômicos deve ser feito, exclusivamente, pelo CADE, não cabendo ao judiciário imiscuir-se, por faltar-lhe expertise necessária e em prestigio ao princípio da separação de poderes. Ao judiciário cabe apenas, quando demandando, analisar aspectos formais do procedimento, o que não se requereu na hipótese.
Destarte, as alegações dos autores de que o ato de concentração acarretaria redução de preço do produto e oferta de emprego devem ser apuradas no âmbito administrativo (CADE) com exclusividade, sendo improcedente o pedido de anulação do processo administrativo apenas com base em questões técnico-discricionárias.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
26 de Janeiro de 2019 às 08:10 Tiago disse: 0
Resposta muito bem redigida. Redação objetiva, clara, com abordagem precisa em relação ao que foi pedido na questão. A futura magistrada da Justiça Federal demonstrou conhecimento da matéria ao mencionar a influência americana na disciplina legislativa dos atos de concentração, derivação da ponderação entre as vantagens e as desvantagens do ato de concentração. De um lado, os prejuízos atinentes à eliminação da concorrência, recrudescimento de posição dominante e dominação de mercado relevante de bens e serviços, de outro, o aumento da produtividade e da competitividade, o aporte de qualidade nos produtos e serviços e o incremento tecnológico e econômico que o ato de concentração pode promover. A candidata analisou oportunamente a inadequação de exame judicial sobre o mérito da conveniência e oportunidade da operação de concentração, juízo de proporcionalidade de competência administrativa cuja usurpação judicial representaria evidente violação ao princípio da separação de poderes. A minha querida amiga Kenia também abordou corretamente a questão da multa. Além disso, fundamentou todos os pontos invocando as disposições legais pertinentes. Entretanto, faltou uma fundamentação constitucional, o que poderia ser feito através da invocação dos princípios constitucionais pertinentes à ordem econômica e financeira como a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a busca do pleno emprego e a livre concorrência. Razão pela qual atribuo-lhe nota 9.