Geraldina, 13 anos, namora há mais de 02 (dois) anos com Vitelino, 18 anos, com o conhecimento e consentimento de seus genitores. O pai da infante ficou sabendo que o casal mantém conjunção carnal há meses e, inconformado, levou a notitia criminis à Autoridade Policial, que instaurou procedimento investigatório. Na sequência, Vitelino foi denunciado como incurso nas penas do artigo 217-A, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal. A vítima, em juízo, esclareceu que consentiu com todas as relações sexuais, aproximadamente 42 (quarenta e duas) e que pretende se casar, em breve, com o réu e, inclusive, ter filhos. O genitor de Geraldina admitiu conhecer o acusado e sua família há anos, tendo consentido com o namoro, mas exigiu respeito a sua filha. Em seu interrogatório, Vitelino destacou seu amor pela ofendida e admitiu as relações sexuais por ela consentidas há meses, antes e depois de completar 18 anos. Acrescentou que está em novo emprego e que pretende contrair núpcias, tão logo termine o processo. Em alegações finais, o Ministério Público requer a condenação nos termos da denúncia. Argumenta que o consentimento de menor de 14 anos não pode prevalecer. Requer, uma vez acolhida a pretensão acusatória, o indeferimento do recurso em liberdade, pois o acusado se evadirá do distrito da culpa e reiterará suas condutas, como ambos declararam em juízo. A Defensoria, a seu turno, pleiteia a absolvição, sustentando que há vínculo de afeto e que as relações sexuais foram consentidas. Ademais, o namoro era do conhecimento e consentimento dos genitores da ofendida. Destaca que a presunção do artigo 217-A do Código Penal deve ser relativizada para casos extremos como ora analisado, reconhecendo-se a atipicidade material do fato.
Considerando o problema apresentado, responda:
a) Interpretando a lição de Nelson Hungria: qui velle no potuit, ergo noluit, no crime de estupro, a vulnerabilidade deve ser considerada como absoluta ou relativa? O entendimento do citado autor estaria de acordo com a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na análise do tipo penal previsto no artigo 217-A do Código Penal?
b) O que parte da doutrina quer dizer quando, ao analisar o tipo penal citado, propõe: o legislador atual elimina a figura da presunção e cria em seu lugar tipos penais autônomos?
Segundo a lição de Nelson Hungria, "qui velle no potuit, ergo nuluit", ou seja, quem não tem capacidade para consentir, consequentemente dissente. Esse entendimento consagra que o consentimento dado por pessoa vulnerável, incapaz de dá-lo, não possui qualquer validade, equivalendo, portanto, à própria ausência de consentimento.
Tal compreensão converge com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, inclusive consagrado em enunciado de súmula, de que a vulnerabilidade do menor de 14 (quatorze) anos é absoluta. Consoante essa posição jurisprudencial, eventual experiência sexual anterior, relação amorosa afetiva ou compleição física da vítima não elide a sua condição de vulnerável para a configuração da tipicidade do artigo 317-A do Código Penal.
De fato, conquanto a jurisprudência antes vacilasse entre a consideração da vulnerabilidade como absoluta ou relativa diante de situações em que a denúncia de estupro envolvesse conjunção carnal consentida no contexto de namoro, hoje a divergência encontra-se suplantada.
Não se admite sequer a chamada exceção de Romeu e Julieta, segundo a qual não haveria crime se pequena a diferença de idade entre vítima e autor, quando esse fosse menor de dezoito anos.
A vulnerabilidade do menor de quatorze anos é absolutamente presumida pelo tipo penal do artigo 317-A do CP. Tal tipo penal autônomo foi acrescentado ao Código Penal pela Lei n. 12.015/09, a qual revogou o antigo artigo 224, que instituía hipóteses de presunção de violência para as figuras anteriormente separadas de estupro do artigo 213 e do atentado violento ao pudor do artigo 214.
Se antes o estupro de vulneráveis era regido pela combinação do estupro simples previsto na antiga redação do artigo 213 do CP com a presunção de violência do artigo 224 do CP, hoje a subsunção de fatos ocorridos após 07/08/09 se dá diretamente em relação ao tipo do artigo 317-A do CP. Tal modificação, ressaltada pela doutrina, restringiu a possibilidade de análise subjetiva do magistrado da vulnerabilidade da vítima menor de quatorze anos a partir da ideia do cabimento ou não da presunção de violência, ao instituir no artigo 317-A do CP uma presunção absoluta, dada a impossibiliadade de consentimento em casos tais.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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