Disserte sobre o tema dignidade da pessoa humana, desenvolvendo, necessariamente e na sequência proposta, os seguintes tópicos:
- dignidade da pessoa humana como concepção filosófica e moral;
- pessoa humana como sujeito e objeto de direitos (aporia?);
- marcos de maior repercussão na trajetória histórica desse tema;
- dignidade da pessoa humana como concepção humanista e sua inserção nos documentos constitucionais do século XX;
- significado desse princípio no contexto da ordem jurídica;
- princípio fundamental da dignidade da pessoa humana segundo a ordem jurídico-constitucional brasileira;
- dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais;
- dignidade da pessoa humana como garantia negativa;
- papel da jurisprudência em face do tema.
A dignidade da pessoa humana, também referenciada como dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). Também ao tratar do planejamento familiar a CF prevê que ele é fundado na dignidade humana (art. 226, parágrafo 7º). Essa é a disposição expressa do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana segundo a ordem jurídico-constitucional brasileira.
E, apesar de expressamente só encontrarmos essas duas referências textuais a esse princípio, é perceptível que ele está espraiado por toda a nossa constituição e no ordenamento jurídico como um todo, tendo em vista que é o núcleo essencial dos direitos fundamentais.
Isso se traduz ao longo do texto quando da previsão de liberdade de consciência e de crença, de religião, de respeito à integridade física e moral do preso, a vedação à tortura e a outros tratamentos degradantes ou cruéis, nos direitos sociais, no reconhecimento de um direito a salário mínimo que garanta as necessidades básicas vitais de habitação, alimentação, higiene, etc.
Podemos conceituá-la como um valor espiritual e moral inato ao ser humano, toda pessoa é dotada desse preceito. É o princípio máximo do estado democrático de direito.
Dito isto, podemos dizer que como concepção filosófica e moral, podemos extrair da obra de Immanuel Kant o marco filosófico de seu surgimento. Kant sedimentou as bases da concepção moderna de dignidade da pessoa humana, as quais ainda repercutem no pensamento contemporâneo. O autor trata do imperativo categórico que é uma adesão a uma conduta de agir corretamente, sendo algo que é um fim em si mesmo. A escolha pode ser tida como uma regra universal.
O ser humano, assim passa a ser tratado como sujeito de direitos, e então, um fim em si mesmo. A dignidade humana se identifica com o imperativo categórico pois este, sendo uma fórmula que orienta um agir universal, vai ao encontro da universalidade (aplicação a todos os povos e épocas) que é característica da dignidade humana.
A dignidade humana é concepção consentânea com o iluminismo e humanismo (século XVIII), porém somente veio a integrar a ordem jurídica com a Lei Fundamental de Bonn (1949, Constituição Alemã), em um contexto de reparação e superação das violações nazistas.
Também há inclusão de referência expressa à “dignidade inerente a todos os membros da família humana”, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Também em seu artigo 1º a resolução prevê que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade.
No Brasil, a constitucionalização da dignidade humana só tomou relevo com a constituição de 1988, inclusive com o posicionamento topográfico no início da carta, sobrelevando a importância como base de nossa carta política.
O significado da dignidade no contexto da ordem jurídica pode ser observado por certas características que passam a ser inatas à condição de ser humano, que é a visão de que o homem não é objeto - mas fim em si mesmo, há liberdade ou autonomia da vontade, respeito à integridade física e moral, garantias para um mínimo existencial.
Os direitos fundamentais, seriam em última análise emanações da dignidade humana, inclusive pelo fato de este ser a base de todo o sistema de direitos.
Há inclusive apontamento doutrinário e com ressonância na jurisprudência do STF que não é a dignidade humana direito absoluto, apesar de embasar direitos absolutos, a exemplo do direito de não ser torturado (este sim absoluto).
Paradoxalmente até a vida é direito não absoluto, e sim relativo, pois há circunstâncias autorizadoras de sua relativização (excludentes de ilicitude ou culpabilidade a justificar a negação da vida; pena de morte em caso de guerra). Não obstante, há um núcleo essencial da dignidade humana, este sim, com caráter absoluto e intangível.
Há limites negativos aos poderes do estado, de não fazer, relacionados à dignidade humana, como não torturar, não aplicar penas cruéis, desumanas, degradantes, preservar direitos de liberdade, etc, bem como obrigações de atuação positiva como implementação de um mínimo existencial, saúde, educação, condições mínimas de existência. Moradia, alimentação, mais ligados as políticas públicas.
Fazendo-se um paralelismo iremos encontrar semelhança com as gerações ou dimensões de direitos (primeira geração: direitos de liberdade, caracterizados por limitação ao Estado- final do século XVIII; e segunda geração, pós primeira ligados a concepção de Estado de Bem-Estar Social).
A jurisprudência é de vital importância para a ampla proteção da dignidade humana, pois tem o condão de criar precedentes, pacificar entendimentos e bem como orientar a aplicação da justiça no caso concreto com respeito à dignidade humana e implementando-a progressivamente e sem retrocessos. Nos países do common law particularmente, é intrínseco à realização do direito a atuação da jurisprudência.
No Brasil, apesar de submetidos a um sistema de civil law, a atuação de nossos tribunais e juízes, principalmente do STF, que é em última instância quem diz o que é a constituição, a jurisprudência tem sido imprescindível para a realização dos ditames da dignidade humana e aplicação dos direitos fundamentais. Podemos exemplificar com os casos da possibilidade de abordo de fetos anencefálicos, da descriminalização e flexibilização do aborto, vedação da prisão do depositário infiel, liberdade provisória ao tráfico ilícito de entorpecentes, na judicialização da saúde e intervenção em políticas públicas, no estado de coisas inconstitucional e determinação das audiências de custódia, entre outros.
No direito internacional são emblemáticos os casos na França do arremesso de anões, do abate de aeronaves apoderadas por terroristas, também na flexibilização do aborto.
O caso, talvez, mais célebre seja o da Alemanha e do Tribunal de Nuremberg, quando a despeito de ter características de um tribunal de exceção (pois foi formado para isso), julgou crimes cometidos sob um estado do nacional socialismo alemão, quando na cadeia de comando da máquina nazista foram cometidas inúmeras atrocidades, muita delas albergadas pela “lei’, o que foi utilizado para tentar excluir a responsabilidade dos cumpridores de ordem, e por outro lado- para que se viabilizasse punições recorreu-se à dignidade humana como algo universal, inerente aos seres humanos e perante a qual nenhuma lei poderia vulnerar núcleos essenciais dos direitos que ali foram negados.
Perfeito, o candidato conseguiu abordar todos os pontos necessários ao deslinde da questão. Irreparável.
Trata-se de questão árvore, na qual possuía 10 pontos a serem abordados, os quais foram indicados ao longo do texto.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
30 de Agosto de 2018 às 13:42 Mayra Andrade Oliveira de Morais disse: 0
Parabéns!! Excelente dissertação, abordou todos os pontos indicados no enunciado, de forma coesa e lógica. Resposta elaborada com riqueza de conhecimento acerca do tema, apontando o histórico da dignidade da pessoa humana, bem como suas vertentes na Constituição Federal, a qual emana para os demais ramos do direito.