Sentença
Justiça Estadual
TJ/DFT - XLII Concurso para Juiz de Direito Substituto - 2015
Sentença Cível

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Enunciado Nº 000494

RELATÓRIO


Cuida-se de ação civil pública, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por sua Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, em desfavor de ACADEMIA ASA SUL LTDA.–EPP, pessoa jurídica devidamente qualificada nos autos.


Relata o Órgão Ministerial, em síntese, que estaria a parte ré, na celebração de contratos voltados à prestação de seus serviços, a praticar conduta abusiva, consubstanciada na cobrança de multa, em patamar desarrazoado, fulcrada em disposição contratual.


Descreve, nesse norte, que os aludidos instrumentos negociais estariam a prever, dentre suas cláusulas, a cominação de multa, para a hipótese de resolução contratual por iniciativa do consumidor, antes de decorridos doze meses de vigência do ajuste, em importe correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da avença, disposição que, segundo assevera, revelar-se-ia excessivamente onerosa ao contratante, contrariando os preceitos protetivos instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, de sorte que seria justificada a propositura da presente ação civil pública, com o desiderato de se obter a tutela jurisdicional dos direitos metaindividuais que se reputam transgredidos.


Postula, por meio da ação civil pública, a declaração de nulidade da referida cláusula contratual, ou, em sede sucessiva, a redução da cominação para o patamar de 2% (dois por cento) do valor da prestação ou, no máximo, 10% (dez por cento) do saldo do contrato, com a conseqüente reformulação do instrumento contratual, de modo a vedar sua estipulação em contratos futuros.


Afirma, por fim, que a conduta reputada abusiva teria redundado em danos morais coletivos, pugnando pela imposição, à academia requerida, do dever de compensar tais gravames imateriais, mediante o pagamento da quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).


A inicial foi instruída com documentos.


Foi proferida decisão na qual se determinou a citação da empresa ré, bem como a publicação de edital, de modo a observar o disposto no art. 94 do CDC, não tendo ao édito acorrido qualquer interessado.


Citada, ofertou a empresa ré contestação, acompanhada dos documentos.


Argui, em preliminar, a inépcia da inicial, sob o fundamento de que da narração dos fatos não decorre logicamente o pedido deduzido. E a carência da ação proposta, por ilegitimidade ativa, ao argumento de que a inicial não cuidaria de direitos difusos, mas de direitos individuais homogêneos, porém disponíveis e particulares, sem relevância social, razão pela qual não seria admitida a atuação ministerial, por meio da via processual eleita.


No mérito, afirma ser empresa de pequeno porte, prestadora de serviços típicos de academia de ginástica, que atende a comunidade local possuindo aproximadamente 200 alunos. Discrimina a diversidade de modelos e planos contratuais disponibilizados aos seus alunos, no total de 6 (seis), e que o questionado foi objeto de adesão de apenas 15 (quinze) alunos, para aduzir que, diante da especificidade da situação de cobrança da multa, objeto da insurgência manifestada pelo autor, não se vislumbraria qualquer abusividade a justificar reproche jurisdicional, tampouco a configuração de ato lesivo, a ensejar a aventada reparação de danos morais.


Pugna, assim, pela extinção do feito, sem exame meritório, ou, caso venha a ser ultrapassado o questionamento prefacial, pelo reconhecimento da improcedência da pretensão deduzida.


Réplica na qual rechaça as preliminares arguidas, repete a afirmação de que os interesses autorizam a atuação ministerial e revelam sua legitimidade, ressalta os argumentos e a pretensão ventilados à exordial.


Instadas as partes, em especificação de provas, pugnou a ré pela produção de prova oral e pericial, reclamando o autor o julgamento antecipado da lide.


Vieram os autos conclusos. É o relatório.

Resposta Nº 004433 por Romildson Farias Uchoa Media: 9.00 de 1 Avaliação


É o relatório, passo a fundamentar e decidir.

 

2. Fundamentação

Indefiro o pedido de realização de prova oral e pericial, por serem dispensáveis para o deslinde da causa, pois os documentos juntados aos autos permitem o julgamento do feito, principalmente pelo fato de que o principal ponto de controvérsia trata de questão de direito. O juiz, nos termos dos artigos 370 e 371 do CPC, é o destinatário das provas, a quem cabe indeferir as inúteis ou protelatórias.

As partes não controvertem sobre as questões fáticas narradas e nem há questionamentos quanto à validade e/ou autenticidade da documentação juntada aos autos. A ré não nega a cobrança tida por abusiva, e realiza a defesa de sua cobrança.

Os pedidos comportam julgamento antecipado (355, I, CPC). Com efeito, o deslinde da causa pode ser alcançado por meio da análise das questões de direito pertinentes e a partir do exame da prova documental já trazida aos autos pela ré e pelo MP, na forma do artigo 434, do CPC.

Nesses termos, não havendo necessidade de produção de provas, promovo o julgamento antecipado do mérito (art. 355, I, CPC).

 

2.1. Preliminar de Inépcia da Inicial

Rejeito a preliminar suscitada, tendo em vista que na peça preambular, da narração dos fatos decorre logicamente o pedido deduzido pelo Ministério Público (abusividade da cláusula de 50 % sobre a totalidade do contrato no caso de resolução por vontade do consumidor antes de doze meses), contrariamente ao que afirma a ré (art. 337, IV).

Em sua contestação a ré exerceu sua resposta aos fatos sobre os quais se cinge a questão, e, deste modo, vislumbra-se que a inicial narra logicamente, tendo possibilitado à ré infirmá-los.

Verifica-se que a inicial preenche os requisitos do artigo 319 do CPC, não sendo o caso de se aplicar o artigo 331, I.

 

2.2 Ilegitimidade Ativa

A legitimidade é pressuposto processual de validade do processo (art. 17, CPC)

Sendo a parte manifestamente ilegítima a petição inicial será indeferida (330, III, CPC). Não é o caso dos autos.

Sobre a legitimidade ativa do MP, a súmula 601 do STJ põe fim a quaisquer divergências doutrinárias e jurisprudenciais ao prever que o MP tem legitimidade para atuar na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes de serviços públicos.

Verifica-se desse modo que a regra, ou a situação mais comum é que a defesa pelo parquet do consumidor se dê em relações privadas de consumo.

Também o artigo 82 do CCD prevê que o MP detém legitimidade para tutelar direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos consumidores. Não só o MP, mas também a União, Estados, DF e Municípios, os órgãos da administração direta e indireta, associações legalmente constituídas há pelo menos um ano com tal finalidade.

O artigo 103, III, do CDC, lido em cotejo com o parágrafo 2º do mesmo artigo, segundo interpretação so STJ disciplina que sendo a ACP julgada procedente a sentença fará coisa julgada material erga omnes e qualquer consumidor pode se habilitar na liquidação e promover a execução , provando o dano sofrido. Essa abrangência resultante da atuação do MP sobre o direito consumeirista demonstra também o interesse social da demanda.

Rejeitada a preliminar.

Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito.

 

2.3 Do Mérito

A ação Civil pública trata de controvérsia em torno da abusividade (50 % sobre o contrato por resolução da parte consumidora antes de decorridos doze meses) de multa em hipótese de resolução de contrato de prestação de serviços típicos de academia de ginástica.

Trata-se de típica relação de consumo reguladas pelo CDC e outras normas do microssistema de defesa do consumidor, inclusive com matriz constitucional (art. 170, V; art. 5º, XXXVII, entre outros).

As multas por quebra de prazo mínimo de fidelidade devem ser proporcionais ao tempo restante para o término do contrato (pro rata).

Esse tipo de cláusula é chamada cláusula de fidelização ou contrato de permanência. Geralmente se justificam pelo oferecimento de condições mais vantajosas ao consumidor em relação a outros contratos sem prazo mínimo.

O STJ possui precedentes considerando legítimas essas cláusulas, pois a escolha está ao alvedrio do consumidor – que recebe benefícios pela fidelização e no caso das operadoras de telefonia pela necessidade de as empresas superarem o investimento relacionado com tarifas inferiores, bônus, etc. (Resp 1445560/1ª Turma/STJ).

Tal entendimento abrange não só os contratos de telefonia, mas em geral, os que envolvem prestação de serviços nos mesmos moldes. Assim, havendo vantagens ao consumidor , como por exemplo menores preços, bônus, maior leque de serviços ou ainda maior dispêndio do fornecedor pode se justificar a multa.

Mencionada multa possui natureza jurídica de cláusula penal (arts. 408 a 416, CC).

No caso dos autos o instrumento negocial prevê que a multa para resolução contratual por iniciativa do consumidor antes de decorridos doze meses  da vigência do ajuste corresponde a 50 (cinquenta por cento) do valor total da avença.

A previsão não se afigura razoável e vai de encontro à jurisprudência que prevê que a multa deve ser proporcional ao período restante da avença.

A cobrança integral da multa sem computar o prazo de carência parcialmente cumprido pelo consumidor põe em exagerada vantagem o fornecedor, o que fere a equidade, nos termos do artigo 51, IV e parágrafo 1º, III, do CDC (as cláusulas iniquas, abusivas, que coloquem em desvantagem exagerada o consumidor são nulas de pleno direito).

A quarta turma do STJ já decidiu que a multa nesses casos deve ser proporcional ao tempo faltante para o término da relação de fidelização pela prestadora de serviço de TV. A decisão leva em conta norma específica de resolução da Anatel, a qual prevê como prazo máximo de permanência doze meses.

Ora, sendo o setor de telecomunicações sujeito a grandes investimentos, ainda sim houve limitações normativas e judiciais como acima mencionado, com mais razão se aplica tal lógica ao contrato objeto da presente demanda (serviços de academia de ginástica).

Desse modo a multa deve ser aplicada sobre o montante devido pelo tempo restante dos doze meses desde a avença.  

A respeito do percentual, qual seja, 50 % (cinquenta por cento), o ordenamento jurídico veda sua cobrança, por abusivo, não equitativo e por gerar enriquecimento sem causa vedado pelo direito.

Não pode exceder a 10 % (dez por cento), nos termos do artigo 9º da Lei de Usura (Decreto mº 22.626/1933).Não é válida cláusula penal superior a importância de dez por cento do valor da dívida. O TJSP bem como o próprio TJDF possuem precedentes fixando o percentual nesse patamar em casos análogos. Esse percentual mostra-se suficientemente justo, inclusive porque a parte ré não demonstrou que o desfazimento do contrato lhe ocasionara outros prejuízos.

 O artigo 52, parágrafo 1º do CDC trata da multa de mora, que não pode exceder a 2% do valor da prestação. É interessante consignar que anteriormente a 1996, a redação do dispositivo previa o patamar de dez por cento, o que em termos de multa moratória se mostrava elevado. Também o pedido do MP para ficar em 2 % do valor da prestação se mostra abaixo do razoável.

A multa deve ser razoável, e o artigo 46 do CDC prescreve que, entre outros, a multa deve ser prevista em contrato e deve o consumidor ter ciência de sua existência quando da contratação do serviço.

Sem razão a ré quanto ao pedido de improcedência da pretensão, pis a cláusula prevendo multa no patamar de 50 % é abusiva, bem como pelo fato de incidir sobre a totalidade do contrato e não sobre o valor e tempo restante para o fim da avença.

O artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é claro ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.

Danos morais coletivos são aqueles cabíveis quando há violação a valores não patrimoniais intrínsecos à coletividade decorrentes da violação de direitos coletivos strictu sensu ou individuais homogêneos.

Não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Enfim, há transbordo aos limites da tolerabilidade.

Tem sido verificada a concessão de indenização por danos morais coletivos principalmente em função da essencialidade de serviços (transportes, combustíveis, telefonia) bem como na lesão a direitos de hipervulneráveis, como idosos, portadores de necessidades especiais, pessoas com dificuldade de locomoção, crianças, adolescentes, etc.

A ré atende a uma comunidade local possuindo aproximadamente 200 alunos e 6 planos contratuais diversos, sendo que o objeto de adesão questionado na presente demanda atinge apenas 15 (quinze) alunos.

Desse modo, diante da pequena repercussão social da clausula abusiva, não se mostra cabível o dano moral coletivo.

 

3. Dispositivo

Nesta ordem de idéias, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo parquet, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para:

a) reconhecer a abusividade da cláusula que comina multa, para a hipótese de resolução contratual por iniciativa do consumidor, antes de decorridos doze meses de vigência do ajuste, em importe correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da avença, para reduzi-la a 10% do saldo do contrato, bem como determinar reformulação do instrumento contratual, de modo a constar a redução do patamar da multa na estipulação de contratos futuros – fixando multa de R$ 1.000,00 por cada descumprimento na formulação de novos contratos.

b) Condenar as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, na proporção de 30% para o Autor e 70% para o Réu, à luz do art. 86, ‘caput’, do CPC, tendo em vista a sucumbência recíproca e não equivalente.

c) Deixar de condenar as partes ao pagamento de honorários advocatícios, eis que figura como uma das partes o Ministério Público e diante da ausência de má-fé.

 Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local e data.

Juiz Substituto.

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1 Comentário


  • 14 de Agosto de 2019 às 11:21 NSV disse: 0

    Achei super completa e fundamentada a sentença, mas não vi o enfrentamento da tese de falta de relevância social que ensejasse atuação do MP.

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