RELATÓRIO
Cuida-se de ação civil pública, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por sua Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, em desfavor de ACADEMIA ASA SUL LTDA.EPP, pessoa jurídica devidamente qualificada nos autos.
Relata o Órgão Ministerial, em síntese, que estaria a parte ré, na celebração de contratos voltados à prestação de seus serviços, a praticar conduta abusiva, consubstanciada na cobrança de multa, em patamar desarrazoado, fulcrada em disposição contratual.
Descreve, nesse norte, que os aludidos instrumentos negociais estariam a prever, dentre suas cláusulas, a cominação de multa, para a hipótese de resolução contratual por iniciativa do consumidor, antes de decorridos doze meses de vigência do ajuste, em importe correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da avença, disposição que, segundo assevera, revelar-se-ia excessivamente onerosa ao contratante, contrariando os preceitos protetivos instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, de sorte que seria justificada a propositura da presente ação civil pública, com o desiderato de se obter a tutela jurisdicional dos direitos metaindividuais que se reputam transgredidos.
Postula, por meio da ação civil pública, a declaração de nulidade da referida cláusula contratual, ou, em sede sucessiva, a redução da cominação para o patamar de 2% (dois por cento) do valor da prestação ou, no máximo, 10% (dez por cento) do saldo do contrato, com a conseqüente reformulação do instrumento contratual, de modo a vedar sua estipulação em contratos futuros.
Afirma, por fim, que a conduta reputada abusiva teria redundado em danos morais coletivos, pugnando pela imposição, à academia requerida, do dever de compensar tais gravames imateriais, mediante o pagamento da quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
A inicial foi instruída com documentos.
Foi proferida decisão na qual se determinou a citação da empresa ré, bem como a publicação de edital, de modo a observar o disposto no art. 94 do CDC, não tendo ao édito acorrido qualquer interessado.
Citada, ofertou a empresa ré contestação, acompanhada dos documentos.
Argui, em preliminar, a inépcia da inicial, sob o fundamento de que da narração dos fatos não decorre logicamente o pedido deduzido. E a carência da ação proposta, por ilegitimidade ativa, ao argumento de que a inicial não cuidaria de direitos difusos, mas de direitos individuais homogêneos, porém disponíveis e particulares, sem relevância social, razão pela qual não seria admitida a atuação ministerial, por meio da via processual eleita.
No mérito, afirma ser empresa de pequeno porte, prestadora de serviços típicos de academia de ginástica, que atende a comunidade local possuindo aproximadamente 200 alunos. Discrimina a diversidade de modelos e planos contratuais disponibilizados aos seus alunos, no total de 6 (seis), e que o questionado foi objeto de adesão de apenas 15 (quinze) alunos, para aduzir que, diante da especificidade da situação de cobrança da multa, objeto da insurgência manifestada pelo autor, não se vislumbraria qualquer abusividade a justificar reproche jurisdicional, tampouco a configuração de ato lesivo, a ensejar a aventada reparação de danos morais.
Pugna, assim, pela extinção do feito, sem exame meritório, ou, caso venha a ser ultrapassado o questionamento prefacial, pelo reconhecimento da improcedência da pretensão deduzida.
Réplica na qual rechaça as preliminares arguidas, repete a afirmação de que os interesses autorizam a atuação ministerial e revelam sua legitimidade, ressalta os argumentos e a pretensão ventilados à exordial.
Instadas as partes, em especificação de provas, pugnou a ré pela produção de prova oral e pericial, reclamando o autor o julgamento antecipado da lide.
Vieram os autos conclusos. É o relatório.
É o Relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Inicialmente, indefiro o pedido de produção de prova oral e pericial. Isso porque, à luz dos arts. 370 e 371 do CPC, o juiz é destinatário último das provas, a quem cabe indeferir aquelas inúteis ou protelatórias. No presente caso, não há necessidade de produção de prova oral e pericial, eis que os documentos juntados aos autos já são aptos ao julgamento do feito principalmente pelo fato de que os pontos controvertidos versam tão somente sobre questões de direito (abusividade da cláusula contratual e dano moral coletivo), posto que as partes não controvertem sobre as questões fáticas narradas.
Assim sendo, promovo o julgamento antecipado dos pedidos, nos termos do art. 355, I, do CPC.
Alega o réu, preliminarmente, a inépcia da inicial. Todavia, verifica-se que a petição inicial preenche todos os requisitos do artigo 319 do CPC, bem como a narração dos fatos (abusividade da cláusula que prevê multa de 50% por rescisão contratual) decorre logicamente o pedido (nulidade da cláusula ou redução do patamar e danos morais coletivos). Assim, afasto a preliminar.
O réu sustenta ainda a ilegitimidade ativa do Ministério Público. A legitimidade é a pertinência subjetiva da demanda. No caso concreto, o art.82, I, do CDC expressamente confere legitimidade do MP quando a ação versar sobre a defesa de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo dos consumidores e das vítimas (art.81 do CDC), havendo presunção de relevância da questão consumerista para a coletividade. Assim, estando presente o interesse social, o Ministério Público é legitimado (art.127 da CF). Portanto, rejeito a preliminar arguida.
Presentes os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame do mérito.
Trata-se de ação civil pública, na qual o Autor pretende declaração de nulidade da referida cláusula contratual, ou, em sede sucessiva, a redução da cominação para o patamar de 2% (dois por cento) do valor da prestação ou, no máximo, 10% (dez por cento) do saldo do contrato, com a consequente reformulação do instrumento contratual, de modo a vedar sua estipulação em contratos futuros, bem como a condenação do Réu ao pagamento de compensação por danos materiais coletivos em R$50.000,00 (cinquenta mil reais).
Aplica-se, no presente caso, o regime jurídico previsto no CDC, haja vista que as partes (coletividade representada pelo Ministério Público e a Academia Asa Sul) se amoldam aos conceitos previstos nos arts. 2º e 3º do CDC, porquanto a coletividade de pessoas representadas pelo MP é destinatária final dos serviços prestados pelo Réu.
Denota-se dos autos que não há qualquer controvérsia acerca dos instrumentos contratuais celebrado entre as partes. De igual forma, não há controvérsia quanto à previsão da cláusula de cominação de multa, para a hipótese de resolução contratual por iniciativa do consumidor, antes de decorridos doze meses de vigência do ajuste, em importe correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da avença.
A controvérsia, portanto, cinge-se sobre a abusividade da aludida clausula, bem como se, em razão dessa suposta abusividade, houve ato ilícito indenizável.
O consumidor tem direito de requerer a resolução do contrato firmado, todavia, em contrapartida, deve compor o prejuízo suportado pelo fornecedor em decorrência do desfazimento da obrigação.
Assim, mostra-se devida a cláusula que estipula multa cominatória pela rescisão antecipada do contrato, ou seja, antes de decorrido 12 meses, eis que certamente auferiu redução das mensalidades mensais.
Contudo, embora devida a multa compensatória, é abusiva a cláusula contratual que prevê a cominação, em favor do fornecedor, de 50% sobre o valor do contrato. Tal previsão viola o art. 51, inciso IV e § 1º, inciso III, do CDC, já que coloca o consumidor em desvantagem exagerada.
Acrescenta-se que, em se tratando de cláusula penal, o artigo 413 do Código Civil estabelece a redução equitativa pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Mostra-se suficiente e justo o percentual de 10% para o ressarcimento das despesas e expectativas do fornecedor, já que o mesmo não demonstrou que o desfazimento do contrato lhe ocasionara outros prejuízos.
Quanto ao pedido de dano moral coletivo, não merece ser acolhido.
Os danos morais coletivos são cabíveis quando há violação a valores não patrimoniais intrínsecos à coletividade, distinguem-se do dano social, pois decorre da violação de direitos coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, razão pela qual os valores são direcionados às vítimas.
Ocorre que, no presente caso, não se pode dizer que houve violação a valores não patrimoniais de uma coletividade, isso porque não há prova de outra repercussão a não ser a simples abusividade no valor da multa.
Os tribunais superiores são pacíficos no entendimento de que a simples cobrança abusiva não enseja danos morais. Assim, de igual sorte, também não se mostram cabíveis os danos morais coletivos.
Importante destacar que o Réu atende a comunidade local possuindo aproximadamente 200 alunos e 6 planos contratuais diversos, sendo que o objeto de adesão questionado na presente demanda atinge apenas 15 (quinze) alunos.
Desta feita, diante da pequena repercussão da clausula abusiva, não se mostra cabível o dano moral coletivo.
Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo Autor, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para reconhecer a abusividade da cláusula que comina multa, para a hipótese de resolução contratual por iniciativa do consumidor, antes de decorridos doze meses de vigência do ajuste, em importe correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da avença, para reduzi-la a 10% do saldo do contrato, bem como determinar reformulação do instrumento contratual, de modo a constar a redução do patamar da multa na estipulação de contratos futuros.
Tendo em vista a sucumbência recíproca e não equivalente, condeno as partes ao pagamento das custas e despesas processuais, na proporção de 25% para o Autor e 75% para o Réu, à luz do art. 86, ‘caput’, do CPC.
Deixo de condenar as partes ao pagamento de honorários advocatícios, eis que figura como uma das partes o Ministério Público e diante da ausência de má-fé.
Após o trânsito em julgado, não havendo outros requerimentos, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Local e data.
Juiz Substituto.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
14 de Agosto de 2019 às 11:16 NSV disse: 0
Gostei bastante da sentença, pois bem objetiva. Porém, observei que não analisou o pedido de relevância da lide a atrair a atuaçào do MP; e fundamentou alguns pontos no CC, quando o CDC também previa regra específica para o caso, sendo este último lei especial em relação ao CC.