Durante evento que se realizava em uma boate, ocorreu um incêndio que culminou na morte de 30 pessoas e ferimento grave em outras 40. Diante dos elementos de informação colhidos no curso do inquérito, o Ministério Público denunciou João pela prática do crime de incêndio doloso, descrevendo a peça acusatória vestibular que o agente atuou com vontade direta de causar o incêndio para dar prejuízo financeiro ao proprietário do estabelecimento, reconhecendo a forma majorada por força das mortes e lesões decorrentes.
Recebida a denúncia e realizada a instrução sob o crivo do contraditório, em alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação nos termos do pedido inicial, enquanto a defesa pugnou pela absolvição sob o fundamento de não ter sido o acusado o causador do incêndio.
Considerando que a prova afastou o dolo do acusado, eis que apenas indiciado um comportamento imprudente do mesmo e não havendo qualquer dúvida com relação à autoria, seria possível ao Juiz decidir pela procedência parcial da pretensão punitiva para condenar o acusado na modalidade culposa do crime de incêndio?
(A resposta deve ser objetivamente fundamentada).
* Esta questão faz parte da primeira prova discursiva, que foi anulada pelo TJ/AM. O JusTutor manteve o seu conteúdo por entender que a anulação ocorreu por motivo que não afeta a validade do enunciado em si, sendo o enunciado importante e válido para a preparação do candidato.
Não, não seria possível ao Juiz decidir, de pronto, pela procedência parcial da pretensão punitiva, para condenar o acusado na modalidade culposa do crime de incêndio.
No processo penal vigora a aplicação do princípio da correlação, congruência ou adstrição, o que significa dizer que o juiz deve decidir a lide dentro dos limites objetivos colocados (pedido) pelas partes (limite subjetivo), não podendo proferir sentença além do pedido (de forma extra, ultra ou infra petita).
Segundo a dicção do art. 383, do CPP, “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”.
Ocorre que, no caso em tela, a descrição contida na denúncia imputa conduta dolosa ao réu e não culposa.
Para que houvesse a possibilidade de condená-lo por culpa (conduta negligente, imprudente ou imperita), necessariamente, a peça acusatória deveria indicar faticamente em que teria consistido a aventada imperícia. Pelo o que consta do enunciado, essa imputação não teria ocorrido.
Por outro lado, a denúncia não poderia formular acusação alternativa (refutada pela doutrina e pela jurisprudência), pleiteando o reconhecimento subsidiário da imprudência, em caso de não reconhecimento do dolo. A imputação dolosa é incompatível com o reconhecimento de culpa alternativa.
O caso sob análise não imputa ao réu faticamente a referida imprudência e nem poderia ao mesmo tempo com a imputação de dolo – são imputações incompatíveis entre si, quando formuladas na mesma peça acusatória. Dessa forma, não se verifica a possibilidade de aplicação do art. 383, do CPP (emendatio libelli), a fim de permitir ao juiz a sentença imediata. É o caso da aplicação do art. 384, do CPP (mutatio libelli), em razão do reconhecimento, na fase instrutória, de elementar típica nova a exigir nova narrativa da denúncia.
Assim, com eventual novo pedido - acusação (narrativa de imprudência), o juiz estará a ele vinculado (condenando ou absolvendo, de acordo com o que motivar), haja vista que no processo penal o réu se defende dos fatos e, neste caso, estará o juiz autorizado e examinar a indicada imprudência.
Tudo sob a ótica da obediência ao contraditório e a ampla defesa e ao devido processo legal, garantias de matriz constitucional (art. 5º, LIV e LV, da CF).
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
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