Romualdo Silva, maior e capaz, solteiro, afiançou contrato de locação para seu amigo Jonatan Pacheco, que como locatário o inadimpliu por vários meses, totalizando o débito de R$ 15.000,00. Só Romualdo foi acionado judicialmente, tendo alegado em defesa: (a) benefício de ordem em relação ao locatário; (b) impenhorabilidade como bem de família de seu único imóvel - no qual não reside mas que está locado a terceiros, com renda revertida para sua subsistência; e (c) o fato de a inadimplência do locatário ter ocorrido quando o contrato já se encontrava vigendo por tempo indeterminado, sem sua anuência, pelo que se teria exonerado. Josualdo Oliveira, como locador, alega em réplica que (a) no contrato Romualdo renunciou expressamente ao benefício de ordem, o que é válido; (b) Romualdo é fiador locatício e não reside no imóvel único, o que afastaria sua impenhorabilidade; e (c) que no contrato foi prevista a responsabilidade do fiador até a entrega efetiva das chaves, implicando a continuidade da garantia na vigência por tempo indeterminado, sem necessidade de anuência expressa do fiador. Examine as três questões trazidas no enunciado, como itens (a), (b) e (c), separadamente, posicionando-se expressamente em relação às teses levantadas, diante das disposições legais e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre tais questões.
Incialmente cumpre ressaltar, que trata-se de garantia pessoal, na forma de caução /garatia fudejussória, em que terceiro responde com seu patrimônio pelo pagamento da dívida do devedor.
a) Romualdo ao renuciar o benefício de ordem (art. 828 do CC) assumiu expressamente o compromisso de poder ser acionado diretamente em caso de dívida. Não aplicando no vertente caso, a regra da subsidiariedade.
b) Nessa toada, o fiador ao assumir a obrigação na condição de devedor solidário, não pode alegar impenhorabilidade do bem, sob o argumento de tratar-se de bem de família. O STJ sedimentou o entendimento (súmula 549), no sentido de que uma pessoa, ao assumir a condição de único fiador em contrato de locação, pode ter seu único imóvel (bem de família) penhorado, em caso de inadimplência do locatário. Dessa forma, torna-se irrelevante o fato de o imóvel encontrar-se locado para terceiros, pois, ainda que estivesse ocupado pelo fiador, seria passível de penhora.
3) O fiador continua responsável pela dívida do locatário constituída após a prorrogação do contrato por prazo indeterminado, diante da existência de cláusula contratual prevendo sua responsabilidade até a entrega das chaves. Ressalte-se, inclusive, que o STJ recentemente decidiu que sequer há necessidade da existência de aditamento contratual para prorrogação por prazo indeterminado, bastando a expressa previsão contratual da responsabilidade até a entrega das chaves, na forma da regra expressa no art. 39 da Lei 8245/91.
Dessa forma, Romualdo responde com seu bem pela dívida decorrente do contrato de locação.
Perfeito a Resposta. Parabéns,
Apenas a titulo de complementação, além da já realizada acima, talvez seria interessante fazer só uma pequena introdução quanto aos elementos da OBRIGAÇÃO, indicando que a FIANÇA encontra-se no elemento - responsabilidade - segundo a teoria dualista..
Para tanto, segue uma explicação um pouco mais completa.. mas realmente daria para fazer de forma bem sucinta a fim de se destacar frente aos demais candidatos:
A obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação (art. 397), definição que abrange, no conjunto da relação, sendo: (1) o dever de prestar, que recai sobre uma das partes (o devedor), (2) o poder de exigir a prestação (do credor), e (3) a prestação, isto é, uma ação positiva (facere) ou ação negativa (non facere).
Contudo, parte da doutrina alemã estruturou a relação creditícia em dois elementos centrais: o debitum (Schuld - débito) e a obligatio (Haftung – responsabilidade).
O débito representado pelo dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento; e a responsabilidade, a "sujeição dos bens do devedor ou de terceiro aos fins próprios da execução, ou melhor, na relação de sujeição que pode ter por objeto, tanto a pessoa do devedor (antigo direito romano), como uma coisa ou complexo de coisas do devedor ou de terceiro".
No tocante à responsabilidade, é vista como uma espécie de direito real de garantia. Para justificarem a autonomia entre débito e responsabilidade, os defensores da teoria da relação complexa Shuld und Haftung argumentam com situações específicas, na tentativa de demonstrarem que pode existir débito sem responsabilidade e vice-versa.
Apresentam, por exemplo, as obrigações naturais, em que há débito desprovido da responsabilidade, já que o credor, titular do direito à prestação (com o poder da soluti retentio) não tem nenhuma ação creditória ao dispor, no caso de inadimplimento.
Ademais, as obrigações naturais não são verdadeiramente obrigações jurídicas e nem geram deveres jurídicos: “trata-se de meros deveres morais ou sociais juridicamente relevantes, que se não caracterizam apenas pela falta da ação creditória”
Na fiança, o fiador não só é responsável, como também é devedor acessoriamente, vez que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal (art. 627, 2), dado que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credo (art. 627, 1).
O fiador garante ao credor de que a obrigação será cumprida e, portanto, fica a ela adstrita pessoalmente, tanto que mesmo em caso de anulação por incapacidade, falta ou vício de vontade do devedor, a fiança continua sendo válida (art. 632, 2).
Excelente resposta, Angela! Começou contextualizando o instituto da fiança, o que é muito importante, sem perder a objetividade. Resposta completa, sem perder o foco.
No item "b", penso que seria pertinente referência ao art. 3º, inciso VIII, da Lei n. 8.009/90, até porque, em regra, os editais não permitem a consulta a súmulas.
No mais, perfeito!
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
28 de Junho de 2018 às 13:00 Bonfília disse: 0
Ângela, excelente resposta, parabéns! Você abordou de forma objetiva e correta todos os questionamentos do enunciado. A minha nota seria 9,5, mas como não tem essa opção atribuí nota 9,00. A nota não foi 10,00 porque senti falta de referência à lei que trata do bem de família.