A IBG, Indústria de Biscoitos e Guloseimas, voltada precipuamente para o público infantil, aproveitando-se de sucesso de cinco personagens de determinada série televisiva junto àquele, lançou campanha publicitária pela qual as crianças, apresentando cinco embalagens de um determinado biscoito de fabricação exclusiva da IBG e mais o pagamento de R$ 5,00 (cinco reais), receberiam como brinde um relógio de brinquedo com a figura de um dos personagens infantis. A propaganda estimulava também as crianças a possuírem cada um dos 5 (cinco) relógios diferentes, para formar a coleção em questão.
O Ministério Público com base no art. 81 do CDC ingressou com ação civil pública em face da IBG, visando coibir dita campanha, ao fundamento de se tratar de propaganda enganosa e abusiva, (art. 37, § 2o do CDC) além de se constituir venda casada, (art. 39, I, do CDC) buscando a condenação da empresa em danos morais coletivos.
Citada, esta apresenta questão preliminar, sustentando que o público alvo da campanha (as crianças) não poderia ser entendido e enquadrado na condição de consumidor, por faltar àquelas poder aquisitivo próprio para a compra dos biscoitos e o pagamento do valor adicional cobrado, bem como e em especial diante da menoridade das mesmas pelo viés da validade dos contratos. Requeria então a extinção do feito sem apreciação do mérito, por inaplicável a lei 8.078/90 ao caso em debate.
Pergunta-se:
Do ponto de vista de direito do consumidor, e considerando os termos da defesa, haverá aqui, relação de consumo ou não?
Sim, há relação jurídica de consumo. Isso porque, os elementos estruturais de uma relação encontram-se presentes. Temos sujeitos (consumidor e fornecedor) e objeto (produto e serviço).
Ademais, conforme dispõe o artigo 29 do CDC, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas neles previstas.
No caso, as crianças foram expostas à publicidade abusiva (art. 37, § 2]º), equiparando-se, portanto, a consumidores. Aliás, enquadram-se como consumidores hipervulneráveis.
Além disso, o artigo 39, IV, do CDC expressamente prevê vulnerabilidades específicas, considerando abusiva a publicidade que se vale da fraqueza ou ignorância do consumidor.
A campanha publicitária posta no enunciado é abusiva, por ter se aproveitado da fraqueza, ignorância e inexperiência das crianças.
Assim, a preliminar levantada pela ré deve ser rejeitada pelos motivos expostos acima.
QUESTÃO
PEÇA
SENTENÇA
17 de Maio de 2018 às 21:32 MARIANA JUSTEN disse: 0
Márcio!!! Excelente resposta! Direto ao ponto quanto à relação de consumo, que foi objeto de questionamento da questão. Importantíssima a referência ao art.37,§2º do CDC que faz expressamente dispõe sobre a criança sujeita a publicidade abusiva.
Acrescento apenas que vc poderia ter incrementado sua resposta com menção ao ECA. A criança ser pessoa em desenvolvimento, recebem proteção especial pelos artigos 227, caput, da Constituição Federal, e 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente, Decreto n° 99.710/1990 (Convenção sobre os Direitos da Crianças), os quais impõem à família, sociedade, ao Estado o dever de assegurar com prioridade absoluta o direito à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à educação, à cultura, dentre outros. Assim, a propaganda publicitária, por atingir público relativamente frágil, que ainda não possui um senso de julgamento crítico e capacidade plena de discernimento, deve adotar estratégias muito cuidadosas e habilidosas, compatíveis com a idade, ou seja, sem favorecer-se de sua inexperiência ou falta de discernimento para identificar a divulgação abusiva.
Poderia fazer referência ao artigo 220, 3º, II, da CF.
O caso é semelhante ao julgado pelo STJ - REsp 1558086 – abusividade pela crise de obesidade e pela venda casada:
“(...)PUBLICIDADE DE ALIMENTOS DIRIGIDA À CRIANÇA. ABUSIVIDADE. VENDA CASADA CARACTERIZADA. ARTS. 37, § 2º, E 39, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.(...) 2. A hipótese dos autos caracteriza publicidade duplamente abusiva. Primeiro, por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. Segundo, pela evidente "venda casada", ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contexto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (art. 39, I, do CDC). 3. In casu, está configurada a venda casada, uma vez que, para adquirir/comprar o relógio, seria necessário que o consumidor comprasse também 5 (cinco) produtos da linha "Gulosos".
"É abusivo o marketing (publicidade ou promoção de venda) de
alimentos dirigido, direta ou indiretamente, às crianças. A decisão de compra e
consumo de gêneros alimentícios, sobretudo em época de crise de obesidade,
deve residir com os pais. Daí a ilegalidade, por abusivas, de campanhas
publicitárias de fundo comercial que utilizem ou manipulem o universo lúdico
infantil (art. 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor)."
"No caso dos autos, ficou configurada a venda casada, visto que,
para adquirir/comprar o relógio, seria necessário que o consumidor comprasse
também 5 (cinco) produtos da linha "Gulosos"."